Pesquisas afirmam que o brasileiro é negligente com a calibragem de pneus. Sistemas de segurança ativa como ABS, ASR , EBD e ESP dependem muito das condições dos pneus do veículo. Como a calibragem dos pneus fora dos padrões interfere no funcionamento dos dispositivos citados? Best Cars, simplesmente o melhor.
Paulo César Magalhães Pereira – Nova Iguaçu, RJ
O pneu é o componente primário e principal no desenvolvimento de toda a dinâmica veicular. Variações entre suas características interferem de forma decisiva no comportamento dinâmico do veículo, sobretudo em curvas e mudanças de direção. O passo inicial quando um fabricante desenvolve um veículo é criar uma parceria com o fabricante de pneus para que este possa atingir as características determinadas. Todo o projeto de suspensão e direção é elaborado em função do pneu aplicado ao veículo — afinal, é esse seu único ponto de contato com o solo. Em consequência, toda a calibração dos sistemas eletrônicos leva em conta suas características.
O problema começa se os pneus apresentam comportamentos diferentes, algo comum quando o proprietário precisa repor o jogo de pneus desgastados. É comum não encontrar um pneu igual ao de fábrica: por incrível que pareça, mesmo que se sigam fabricante, modelo e medidas iguais, aquele fornecido ao mercado de reposição pode não ter todas as características requeridas pelo fabricante do veículo. Isso deve ao fato de, em muitos casos, ser difícil e custoso atender a certos requerimentos — e por serem diferenças, em geral, pouco ou não percebidas pelo consumidor comum.
Como exemplo, pode ser que atender ao peso máximo de cada pneu, como requerido pelo fabricante, necessite de um processo ou material mais caro: ao vender no mercado de reposição evita-se esse custo. Ocorre que pneus com maior massa afetam a aceleração e o consumo de combustível, mesmo que sejam 300 ou 500 gramas a mais: exige-se muito mais energia para acelerar rotacionalmente a massa maior. Observe-se que a energia necessária para acelerar algo em movimento rotacional pode ser muito maior que em movimento retilíneo. Vide carrinhos de fricção, que possuem um disco girante para acumular energia cinética e o carrinho poder andar sozinho durante algum tempo. Também pode variar algo que afete a rigidez lateral, a aderência e outros fatores.
Além disso, respondendo à pergunta, as características do pneu se alteram muito com a variação da pressão de enchimento, o que pode fazer com que o controle eletrônico de estabilidade se confunda e atue de forma errônea. Digamos que ao rodar com pressão reduzida os pneus traseiros “dobrem” mais numa curva, aumentando o sobresterço (sem perder aderência): é possível que o sistema eletrônico interprete como perda de aderência do eixo traseiro e comece a atuar sem necessidade. Afinal, ocorre algo que não está planejado e calculado em sua lógica.
Agrava-se o problema ao usar pneus de diferentes modelos ou fabricantes entre os eixos. Nesses casos, é comum o controle eletrônico atuar sem necessidade em curvas amenas e de baixa velocidade. Por que isso acontece? Digamos que os novos pneus dianteiros tenham rigidez torcional ao esterçamento bem menor que a dos pneus originais, o que aumenta o ângulo de deriva (veja figura): nesse caso o motorista tem de esterçar mais o volante para a mesma curva. Contudo, o controle eletrônico pode interpretar a situação como se o veículo estivesse em subesterço, pois a aceleração lateral é menor para o ângulo de esterçamento a que o sistema foi calibrado. Esse efeito também pode ocorrer com pressão reduzida nos pneus dianteiros.
Por esses motivos entende-se a complexidade de implementar o controle eletrônico de estabilidade em modelos mundiais produzidos no Brasil: é preciso desenvolver uma calibração especifica para nossa versão, devido a acerto de suspensão, altura de rodagem, características dos pneus e pressão de enchimento usados aqui.
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação