Não é a primeira vez em que se tentam burlar medições de poluentes: entenda esse teste e como as fábricas buscam a aprovação
Texto: Felipe Hoffmann – Ilustrações do autor e divulgação
O Best Cars inaugura com este artigo a colaboração de Felipe Hoffmann, engenheiro mecânico automobilístico, com mestrado na mesma área e experiência em engenharias de fabricantes em desenvolvimento de motores, desempenho e controle de consumo e emissões poluentes. Felipe passa a nos emprestar seus conhecimentos em artigos técnicos sobre diferentes áreas dos automóveis.
O escândalo acerca dos motores a diesel da Volkswagen nos Estados Unidos levou o Best Cars à necessidade de explicar ao leitor um tema raramente esclarecido na imprensa: como são realizados os testes de consumo de combustível e emissões poluentes. É um assunto que costuma ficar restrito aos bastidores da indústria automobilística, mas cujos efeitos se estendem aos compradores de automóveis e, como no caso em questão, até mesmo a quem não anda de carro.
Os testes são realizados de maneira a seguir um padrão, para minimizar variáveis que possam influenciar os resultados. Como exemplo, emprega-se uma temperatura determinada e segue-se um ciclo (aceleração, velocidade e frenagens em função do tempo) padronizado. Em geral cada país tem sua legislação, mas há alguns padrões mundiais seguidos por vários outros, como o europeu e o norte-americano.
Antes de ser testado, o veículo é mantido em garagem climatizada com temperatura controlada, sendo comum entre 20 e 23°C (em geral as normas preveem de 20 a 30°C), por pelo menos 12 horas, para que carro, motor e transmissão estejam na mesma temperatura ambiente no início do teste. O procedimento é conhecido como soak em inglês, traduzível como “pôr de molho”.
Um teste de dinamômetro: carro parado e rodas de tração girando sobre rolos que opõem resistência calculada
O teste é efetuado em dinamômetro de chassi (vulgarmente chamado de dinamômetro de rolo), mecanismo sobre o qual o veículo fica parado com as rodas motrizes, ou de tração, apoiadas em um enorme rolo. O ambiente deve estar na mesma temperatura da garagem em que o carro ficou “de molho”. O dinamômetro de chassi então aplica resistência às rodas motrizes para simular o tráfego no mundo real — em ruas e rodovias —, no qual influem resistências aerodinâmica e dos pneus ao rolamento, perdas e forças de atrito de rolamentos de roda e arrasto dos freios, entre outros.
Comparado ao padrão de consumo dos EUA, o europeu causa controvérsia devido à baixa correlação com o uso do veículo no mundo real
Para que o dinamômetro aplique as forças de aceleração corretas, deve ser informada a classe de inércia do veículo, ou seja, sua categoria de peso. Não se usa o peso exato do carro, mas uma faixa: um veículo de 1.190 kg e outro de 1.305 kg, por exemplo, serão testados na mesma classe de inércia de 1.250 kg. Essa classificação busca evitar que variações de peso na produção, bem como o acréscimo de itens opcionais, adicionem variáveis ao teste.
Os diferentes ciclos-padrão
Uma vez definidas a classe de inércia e as resistências, deve-se determinar em qual ciclo-padrão o veículo será testado. O ciclo é determinado pelo órgão que controla os testes de homologação de cada país. Na Europa usa-se o NEDC (New European Driving Cycle, novo ciclo de direção europeu), dividido em fase 1 (ciclo urbano) e fase 2 (ciclo rodoviário). Como se testa um em seguida ao outro, o motor do veículo já está aquecido durante o ciclo rodoviário.
No Japão é empregado o ciclo JC08, com o veículo partindo tanto com o motor frio quanto aquecido — diferença responsável por melhores números de consumo em comparação aos do padrão europeu. Já no Brasil, o órgão regulador responsável é a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), por meio do programa Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores). O Proconve usa os ciclos norte-americanos US FTP-75 (FTP significa Federal Test Procedure ou procedimento federal de teste), para testes de consumo e emissões em uso urbano, e HWFET (Highway Fuel Economy Test ou teste de economia de combustível em rodovia), para consumo rodoviário. O carro começa o teste urbano com motor frio, sendo o rodoviário feito em seguida, portanto com motor aquecido.
Comparado ao padrão dos Estados Unidos, o método NEDC causa muitas dúvidas e controvérsias por seus resultados, devido à baixa correlação com o uso do veículo no mundo real. Os ciclos norte-americanos, que o Brasil adota, têm origem de dados reais gravados durante viagens na cidade de Los Angeles, Califórnia, e por isso refletem com maior fidelidade a utilização prática.
O NEDC, europeu: fases urbana e rodoviária (a que começa em 800 segundos), com motor aquecido na segunda
O ciclo JC08 japonês começa tanto com o motor frio quanto aquecido, o que favorece os números de consumo
O Brasil usa os ciclos norte-americanos, com 10 minutos de motor desligado antes da fase final do ciclo urbano
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