Antes da expansão dos elétricos, mercado nacional terá mais híbridos e avanços tecnológicos para maior eficiência
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação
O 17º. Simpósio SAE Brasil de Powertrain reuniu diversas empresas e palestrantes, que apresentaram vários estudos de desenvolvimento de motores e transmissão, bem como projeções de mercado. A principal conclusão do que foi exposto é que o motor de combustão interna, sobretudo o de ciclo Otto, ainda demora a ser extinto dos carros à venda no País.
O simpósio começou com a apresentação da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que mostra o Brasil como referência em energias renováveis: 45,3% do total de energia consumida, desde transportes e indústria até energia elétrica. Se for considerada apenas a energia elétrica, o Brasil atinge nada menos que 80% de energia renovável, o que representa uma relação de emissão de CO2 por kWh gerado 10 vezes melhor que a China e cinco vezes melhor que nos Estados Unidos.
Embora muitos acreditem que estamos em transição acelerada para automóveis elétricos, foi demonstrado que toda transição energética na história foi lenta (acima) e que a próxima etapa, a eletrificação pura dos automóveis, pode levar mais tempo do que se imagina — sobretudo no cenário brasileiro. O uso de veículos híbridos e flexíveis, como o Toyota Corolla Hybrid, promete ser uma forte tendência em nosso mercado na próxima década. Além disso, espera-se melhora de 1% ao ano no consumo da frota de carros novos em geral, bem como vendas anuais de cinco milhões de carros em 2030.
Isso não significa a ausência de veículos elétricos, mas se espera que essa tecnologia comece pela aplicação comercial, como em táxis, transporte público, serviços de entrega e compartilhamento de veículos. Outra apresentação de estudos, sobre estratégias de tempos de abertura das válvulas de admissão para aumento de eficiência em motores a álcool, por parte da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), mostrou o balanço previsto entre os tipos de combustíveis no transporte mundial até 2040 (abaixo).
A apresentação da AVL tratou da próxima geração de motores com injeção direta de álcool, que passa à chamada UHP (Ultra High Pressure, pressão ultra-alta). Ao trabalhar com até 1.000 atmosferas de pressão (hoje raramente se atingem 400), a injeção traz maior eficiência com uso de álcool ou gasolina misturada com álcool. Afinal, o combustível de cana tem maior eficiência energética que a gasolina, além de ser oriundo de plantas que retiraram CO2 do ar para crescer. Se misturado à gasolina, ele aumenta a eficiência do motor por sua propriedade antidetonante.
A grande vantagem do aumento de pressão de injeção é suprir o aumento de vazão requerido pelo álcool, além de permitir múltiplas injeções durante a fase de compressão. Um dos desafios à implementação mundial do álcool é a partida a frio em regiões com inverno rigoroso, razão para ainda se usar nesses locais o E85 (álcool com 15% de gasolina). Com estratégias como injeção apenas no fim da fase de compressão, porém, consegue-se evaporar suficientemente o álcool para partida.
Tal tecnologia vem ao encontro da previsão de grande parte do mercado ser movida por veículos híbridos e flexíveis. Apesar do argumento frequente de que o futuro é o carro elétrico, o líder do estudo da AVL, Ernst Winkhofer, foi enfático: “O mundo não é a realidade rica vivida pelas pessoas que moram na Califórnia, que podem pagar caro por veículos elétricos”. A Motul também mostrou sua previsão para 2050 (acima), pela qual cerca de 60% do mercado ainda terão motores de combustão interna (que chamaremos de CI), mas híbridos.
E por que híbridos? Pelo menor custo que o elétrico puro. Apesar de mais complexos na fabricação e pelo número de peças, os híbridos evitam o alto custo das baterias de grande autonomia, além de suas emissões de poluentes serem de 30% a 80% menores que em veículos convencionais.
O fabricante também destacou a importância ao óleo lubrificante na eficiência do motor: consegue-se reduzir o consumo de combustível ao usar óleo melhor sem grandes gastos (acima), comparado a soluções como injeção direta, variação de tempo de abertura das válvulas e desativação de cilindros. Lubrificantes de ultrabaixa viscosidade, de 0W16 a 0W8, aumentam a eficiência dos motores também para os veículos híbridos.
O mercado brasileiro deverá ter uma migração inicial para híbridos, forçada pelas distâncias continentais e a infraestrutura de postos de recarga
O grande senão é que os óleos de híbridos precisam atender a outras exigências, pois a operação do motor CI é diferente: sempre que é acionado, opera em torque máximo para a rotação em que está trabalhando, além de demorar mais para esquentar, o que aumenta a contaminação de combustível no óleo e aumenta os riscos de degradação do óleo e formação de borra (abaixo).
Outro ponto demostrado pela Motul foi o impacto da eficiência do conjunto de transmissão nos veículos elétricos. A caixa manual de um carro convencional tem entre 93% e 95% de eficiência, fator que pode ser desprezado diante da baixa eficiência do motor CI no uso cotidiano, entre 20% e 30%. Contudo, num veículo elétrico — cujo motor tem altíssima eficiência — a transmissão é responsável por 20% de todas as perdas.
Ou seja, há uma grande demanda de melhorias nos sistemas de lubrificação de transmissões de conjuntos elétricos, que podem aumentar a eficiência do conjunto e, em consequência, diminuir o tamanho e a capacidade das baterias. O que torna o óleo específico para tal transmissão é a sua capacidade de isolante elétrico, pois o óleo está diretamente em contato com as bobinas do motor/gerador elétrico.
Um dos destaques do simpósio foi a apresentação técnica do Volkswagen Golf GTE (acima e na foto que abre o artigo), que começa a ser vendido no Brasil em série limitada. Roger Guilherme, gerente de engenharia da Volkswagen, anuncia que a marca terá mais de 20 modelos elétricos até 2025. Contudo, os desafios para o mercado brasileiro forçam uma migração inicial para híbridos.
Os principais motivos são as distâncias continentais — um desafio para a limitada autonomia e o tempo de recarga do elétrico — e a infraestrutura de postos de recarga. Por outro lado, diante da poluição dos grandes centros urbanos, um híbrido com recarga externa como o GTE atende a todos esses critérios: por ser carregado em tomada, sua operação elétrica permite rodar até 50 km e alcançar velocidade de 120 km/h, enquanto o Toyota Prius sem recarga externa mal passa de 2 km com eletricidade.
Isso traz a opção de usar o carro como elétrico na cidade, sem perder em praticidade e segurança ao viajar grandes distâncias. Roger enfatizou que há cidades onde se proíbem veículos de motores CI nos centros, algo que o Golf GTE pode driblar por ter um modo elétrico habilitado pelo motorista. E estudos mostram que 2/3 das pessoas rodam até 50 km por dia, ou seja, poderiam usar o Golf apenas no modo elétrico e carregá-lo durante a noite. Se houver uma emergência no meio da noite, o motorista pode entrar e sair — até mesmo para uma viagem — usando o motor CI.
O sistema híbrido do Golf usa uma caixa de transmissão automatizada de dupla embreagem e seis marchas, que pode ser tanto acoplada (por embreagens) pelo motor elétrico quanto pelo motor a combustão ou por ambos. Complexo mesmo é o sistema de arrefecimento (acima) com nada menos que três radiadores: um para o motor CI, outro para a bateria e o terceiro para o resfriador de ar integrado ao coletor de admissão, o turbo e o motor elétrico. No caso da bateria, o sistema de reservatório separado e selado tem refrigeração integrada ao ar-condicionado, caso a temperatura externa seja muito alta.
No fim, há quatro temperaturas de operação no sistema como um todo. O conjunto 1 do sistema de arrefecimento opera com 90°C para o motor CI e 70°C para o motor elétrico e o resfriador de ar. O conjunto 2 mantém 60°C para a eletrônica de potência (entenda-se inversor de frequência) e o carregador e 35°C para as baterias. No fim, tudo isso para um consumo energético, elétrico, de 0,55 MJ/km, praticamente um terço do obtido por um Polo 1,0 aspirado (1,6 MJ/km).
Roger preferiu não comparar consumo em km/l, uma vez que as metodologias de ensaios para esse tipo de veículo ainda não estão definidas. Afinal, o consumo será medido com a bateria carregada ou descarregada no início do teste? Pela complexidade de ensaios e desenvolvimento, o Golf GTE exigiu três anos de testes e adaptações a nosso mercado. Roger comentou que uma versão flexível, cogitada para o desenvolvimento, exigiria nada menos que oito vezes o número de horas — entende-se custos — que um flexível não híbrido.
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