Os italianos voltam a um tempo menos complicado com uma 800 que acelera forte e conquista pelo estilo
Texto: Geraldo Tite Simões – Fotos: autor e divulgação
No princípio eram as trevas. E as motos eram simples — apenas quadro, motor, suspensão e algumas luzes. Simples assim. Aí vieram os marqueteiros e começaram a inventar moda, estilo e nomes. Complicou tanto que hoje muita gente está indecisa sobre qual moto comprar. Mas essa tendência de complicar criou uma onda inversa, de volta ao passado, e isso explica muito da Scrambler Ducati (é assim mesmo que se escreve, ao contrário).
Nem o estilo nem o nome são novidades na marca. Já houve uma Scrambler da Ducati nos anos 60 e 70, com motor de um cilindro que poderia ser de 250, 350 e 450 cm³, feita para ser uma opção simples e de entrada, também de olho no mercado feminino. Passados 40 anos, eis que a marca volta ao tema, salpicado pela onda nostálgica e o apelo de simplicidade, sem deixar de ser charmosa.
A empresa de Borgo Panigale mirou diretamente em um público elegante, mas simples; bem de vida, mas discreto; cheio da grana, mas sem ostentação. E acertou em cheio, porque é bem esse público que tem visto a Scrambler como opção de entrada ou de volta ao mundo das motos.
A versão Icon, que custa R$ 36.900, serviu de base para as variações da Scrambler
Na rua
Antes de montar nessa Scrambler criei uma imagem de moto com muito motor, chassi simples e suspensão dura. Batata! É tudo isso, mas temperado com muito charme. Com essa moto não se passa despercebido nem um minuto — sempre alguém para perguntando tudo sobre tudo. Assim que se põe a Scrambler em movimento, tudo que se imaginava se confirma.
Interessante desse motor é a potência em baixa rotação: a resposta é muito rápida e vigorosa, como nas Ducatis dos anos 70
Ela é a forma pura e básica da motocicleta em sua essência. O motor é de dois cilindros em “L” (ou em “V” a 90º, pode escolher a letra) e 803 cm³, herdado da Monster 796, mas amansado para 75 cv com um só corpo de borboleta — na Monster são dois. O cabeçote tem o já tradicional comando desmodrômico simples com duas válvulas por cilindro, o que é responsável por ótima distribuição de torque e uma retomada absurda.
Uma das características desse motor é o arrefecimento misto (ar e óleo), que traz algum desconforto para o motociclista, especialmente no anda-para do trânsito intenso. Como um dos cabeçotes fica bem perto do banco, o calor passa para os tubos do quadro e chega até a esquentar o assento. Dado interessante desse motor é a potência já em baixa rotação: a resposta é muito rápida e vigorosa, como eram as Ducatis dos anos 70 que já pudemos pilotar.
Rápida na cidade, ela faz curvas muito bem e pode até encarar uma estrada de terra; embaixo, o compacto painel e a inspiradora Scrambler 450 dos anos 60
Dentro da vocação street fighter (“brigadora de rua”), motos feitas para arrancar forte no semáforo e só, a Scrambler tem uma aceleração decidida. Felizmente o freio também é, mesmo contando com apenas um disco na dianteira. Com sistema antitravamento (ABS), passa confiança. A primeira marcha é muito curta e a segunda bem longa, o que faz o piloto usar e abusar da embreagem para controlar em baixa velocidade. Ela não é muito macia, principalmente por ser acionada por cabo de aço em vez de comando hidráulico.
Como era de se esperar, a posição de pilotagem é a mais Steve McQueen possível. Quer saber como é? Assista a Fugindo do Inferno ou o sensacional On Any Sunday para sacar o que é pilotar uma moto do estilo scrambler: os braços ficam abertos como se fôssemos abraçar o mundo — nada de barrigão esmagando o tanque —, as pernas abraçam a curvatura natural do belíssimo tanque de gasolina e os pés não ficam tão recuados como nas esportivas, nem tão avançados como na Triumph Bonneville. A posição de pilotagem é na medida.
Para as pilotos, a boa notícia é que essa é uma moto baixa (790 mm do banco ao solo) e muito fácil de controlar mesmo em baixa velocidade. Também é leve para ser uma 800: apenas 186 kg (abastecida). O guidão, porém, esterça pouco em função do radiador de óleo. Ponto melhorável: a espuma do banco é dura e, sem alterar a posição da mola do monoamortecedor traseiro, também é a suspensão. Para mudar algo mais, o guidão nos pareceu muito largo. Claro que foi uma opção pelo estilo, mas também porque o pneu dianteiro mais largo e pesado do que o normal exige uma força maior para girar o guidão (nesse caso, quanto mais estreito, mais pesado seria).
As versões Classic, com rodas raiadas, e Full Throttle, com escapamento esportivo
O plano da marca, ao que parece, foi criar algo que pudesse concorrer com a Triumph e a Harley-Davidson não apenas no apelo da tradição da marca, como também na customização, com a oferta de vários acessórios. Que dá uma tentação de vê-la com um guidão baixo e um banco rabeta no melhor estilo cafe racer, isso dá.
Nas curvas e retas
Levamos a Scrambler a um percurso com estradas sinuosas e até trecho de terra, como pressupõe a vocação desse estilo de moto. Na estrada, a 120 km/h, o conta-giros (bem difícil de ler) marca 5.000 rpm. Nessa faixa e até pouco acima o funcionamento do motor é bem suave, com ótima retomada de velocidade e pouca vibração, mas em alta velocidade sente-se a falta de uma proteção aerodinâmica. Se serve de conselho, essa moto não foi mesmo feita para correr.
Finalmente, curvas — e muitas. Ótima sensação de atacar as curvas, graças em parte aos pneus Pirelli exclusivos, mas também pelo bom acerto de suspensão e a geometria de quadro. Não se percebem oscilações e a moto transmite muita confiança. No trecho de terra ela não está tão à vontade, mas os pneus ajudam bem a absorver as irregularidades e dá até para confiar nas curvas.
Ao guidão da Scrambler, fica-se imaginando que é realmente uma moto como as de antigamente, antes da especificidade dos dias de hoje. Tempos de viagens com garupa por estradas sem pavimentação — tinha-se de enfrentar o terreno que fosse necessário, da melhor forma possível. Esse é o princípio dos modelos scrambler: ser tudo que você precisa em apenas uma moto. Pelo menos as estradas melhoraram muito e não se levam mais quatro horas para percorrer 100 km.
Para-lama alto na Urban Enduro e suportes de número na Flat Track Pro, que vêm por aí
Entre os detalhes da Ducati, destaca-se o bocal do tanque de gasolina (com capacidade para 13,5 litros), assim como os apliques laterais do tanque com superfície de alumínio escovado. Alguém poderá estranhar o painel com apenas um instrumento e, ainda por cima, deslocado para a direita. O velocímetro é fácil de ver, assim como as luzes de advertência, mas o conta-giros, esqueça: está lá só para dizer que existe. Um computador de bordo informa o consumo instantâneo.
O modelo avaliado é o Icon, que foi a base para as outras versões, com preço de R$ 36.900. Segundo a Ducati do Brasil, ainda no primeiro semestre devem chegar as variações Urban Enduro (com para-lama dianteiro alto), Full Throttle (com belo escapamento Termignoni), Flat Track Pro (com suporte de número nas laterais e pequeno para-lama dianteiro) e Classic (com rodas raiadas). A Sixty2, com motor de 400 cm³, ainda era dúvida.
Enfim, a Scrambler conquista mesmo é pelo estilo charmoso, irreverente. Se o perfil do dono de uma Triumph Bonneville ou Thruxton é de quem toma sopa de letrinhas em ordem alfabética e dorme de meia, a Scrambler é bem mais descolada.
Mais Avaliações
Ficha técnica
Motor | |
Cilindros | 2 em L |
Comando de válvulas | nos cabeçotes |
Válvulas por cilindro | 2 |
Arrefecimento | a ar e óleo |
Diâmetro e curso | 88 x 66 mm |
Cilindrada | 803 cm³ |
Taxa de compressão | 11:1 |
Alimentação | injeção |
Potência máxima | 75 cv a 8.250 rpm |
Torque máximo | 6,9 m.kgf a 5.750 rpm |
Transmissão | |
Marchas | 6 |
Transmissão final | corrente |
Freios | |
Dianteiro | a disco |
Traseiro | a disco |
Antitravamento (ABS) | sim |
Quadro | |
Material | aço |
Suspensão | |
Dianteira | garfo telescópico |
Traseira | monomola |
Pneus | |
Pneu dianteiro | 110/80 R 18 |
Pneu traseiro | 180/55 R 17 |
Dimensões | |
Comprimento | 2,165 m |
Largura | 845 mm |
Altura | 1,15 m |
Entre-eixos | 1,445 m |
Altura do assento | 790 mm |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 13,5 l |
Peso em ordem de marcha | 186 kg |
Desempenho e consumo | |
Não disponíveis | |
Dados do fabricante |
Geraldo Tite Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos Abtrans e Speed Master