Conhecimento e desconfiança são essenciais, pois há quem
queira levar vantagem ao lhe vender um carro e seus serviços
“O mundo é dos espertos”, diz o ditado politicamente incorreto, mas — é preciso reconhecer — bastante válido, sobretudo em um país que considera virtude o hábito de burlar regras e dá até apelido carinhoso para ele — “jeitinho”. Não é diferente quando o assunto é automóvel: seja na hora de comprar ou na manutenção, você encontrará “espertos” por todos os lados tentando dar um “jeitinho” para ganhar mais algum em cima de seu suado dinheiro. Como se precaver? Sendo mais esperto que eles: informando-se.
Sua esperteza deve começar pelas promoções e os anúncios que analisa ao escolher um novo carro. Descontos atraentes em um modelo que costuma ser vendido ao preço sugerido? Verifique se não há previsão de mudanças relevantes ou mesmo de troca de geração — como está acontecendo com Ford Focus e Nissan Sentra e em breve ocorrerá com outros modelos. “Taxa zero” de financiamento? Antes de se entusiasmar, pesquise a que preço o mesmo carro é vendido à vista. A diferença de valor é o juro camuflado, já que o parcelamento está considerando o preço sugerido, não aquele praticado no mercado (veja mais dicas para comprar melhor).
Definida a compra, é bem provável que lhe sejam sugeridos acessórios “originais” com a conveniência de receber o carro com tudo instalado, sem mais perdas de tempo. Conveniente, mas não para o bolso. O amigo que comprou uma Nissan Grand Livina no começo deste ano me mostrou os preços dos itens oferecidos pela concessionária, como R$ 429 por um protetor de cárter (que ele instalou em loja por R$ 60) e R$ 250 por películas nos vidros (ele colocou por R$ 120). E nada garante que os equipamentos sejam diferentes, pois em muitos casos as autorizadas recorrem a itens do mercado paralelo ou o fabricante nem mesmo fornece originais.
É comum que o orçamento da revisão inclua uma série de serviços que não constam do plano do fabricante, em custo adicional ao dito “preço fixo”
Carro novo, acessórios instalados, chega (já!) o momento da revisão, que hoje várias marcas estabelecem com intervalo semestral, mesmo que pouco se tenha rodado no período. Você — um consumidor bem informado — vai ao site da fábrica antes e anota seu “preço fixo”, tão destacado na publicidade do automóvel, para chegar à concessionária e… perceber que não é nada disso.
O que acontece? O fabricante informa o valor dos serviços mínimos necessários para que seu manual receba o carimbo de revisão e, em caso de defeitos, a cobertura da garantia seja mantida. Em alguns casos a mão de obra tem preço livre, sendo preciso consultar em uma ou mais autorizadas para saber de fato quanto a revisão vai custar. Mesmo assim, é comum que o orçamento — ou, pior, a conta a pagar na hora da entrega — inclua uma série de serviços que não constam do plano do fabricante e envolvem custo adicional ao dito “preço fixo”.
Nesse caso, o que se deve fazer é exigir o orçamento prévio e detalhado. Analise-o, compare-o ao plano de manutenção do carro (em geral transcrito no manual) e recuse os itens adicionais, enfatizando que não devem ser efetuados serviços sem sua autorização. Manter os trabalhos e trocas de peças que a concessionária acrescentou, só mesmo se você se convencer de sua necessidade: por exemplo, uma limpeza de bicos injetores se justifica quando o motor tem falhado ou há suspeita de uso de combustível adulterado. Nunca como prevenção em um carro com 10 mil km rodados, como tanto se vê.
O manual também descreve o que o fabricante considera “uso severo”, condição levada em conta para abreviar o intervalo entre serviços e trocas — e que não se aplica a todos os carros, como a autorizada muitas vezes quer que você acredite. Mas há outro aspecto: o “preço fixo” prevê apenas substituições de peças que têm vida útil determinada, como velas de ignição, correias, filtros e lubrificantes.
Vários outros componentes, tais como pastilhas, lonas e discos de freio, amortecedores, molas, pneus e conjunto de embreagem, são de desgaste natural e podem ter duração muito variável. É nesses itens que muitas concessionárias aproveitam para fazer lucro adicional, pois a troca é sugerida — ou empurrada? — a um cliente que, em geral, não cotou o serviço em outro lugar por nem mesmo saber que já precisava dele. E precisava mesmo? Leia nossa matéria sobre enganação nas oficinas para identificar.
Revisão grátis: mesmo?
Pode ser que, com o carro já fora da garantia (ou mesmo antes, abrindo mão de parte da cobertura, como já fizeram alguns conhecidos meus), você prefira abandonar a assistência técnica oficial e procurar oficinas independentes. Os mesmos cuidados são válidos, mais alguns que raramente seriam precisos em uma concessionária, como atentar para o uso de peças novas e originais ou, ao menos, de uma qualidade que você aprove.
De repente você recebe da companhia de seguro o informativo de uma promoção imperdível, do tipo “pastilhas de freio grátis”, ou ouve no rádio o anúncio da “revisão de férias gratuita com checagem de 120 itens”, promovida por certa rede de concessionárias ou de oficinas, ou ainda lê na placa de publicidade que na compra de tais pneus “alinhamento e balanceamento ficam por nossa conta”. Difícil resistir, não? Mas resista — ou vá com os dois pés atrás.
Não existe almoço grátis, diz outro provérbio muito válido. Em linguagem de manutenção de automóveis, isso significa que ninguém aceitaria tomar prejuízo só para vê-lo sair satisfeito. Peças e mão de obra custam dinheiro, que tem de vir de algum lugar — seu bolso, é claro.
Em geral a notícia é dada quando o carro já está com alguns componentes desmontados, para tornar difícil cancelar o serviço “gratuito” ou fazer cotações
A coisa funciona assim: a empresa fisga o cliente com a promoção e, uma vez com o carro já em serviço, impõe substituições que você não esperava fazer. A pastilha era de graça, mas “o senhor precisa trocar esses discos, que já estão no limite de segurança”. Ou “na inspeção detectamos que seus amortecedores estão vencidos; é um perigo o senhor viajar assim”. Ou mesmo, “doutor, precisamos arrumar a cambagem, que não faz parte do alinhamento em cortesia, ou não podemos dar garantia dos pneus”.
Em geral a notícia é dada quando o carro já está com alguns componentes desmontados, para tornar difícil qualquer reação racional de sua parte, como cancelar o serviço “gratuito” ou fazer algumas cotações antes de aprovar o trabalho adicional. E tome o famoso “parcelamos no cartão”, para que o custo da roubalheira não seja razão para recusa… Alguns funcionários estão tão habituados a esse tipo de golpe que conseguem condenar, com a expressão inocente de quem nunca contou uma mentira na vida, uma peça de suspensão em perfeitas condições de uso — até mesmo aquela colocada uma semana atrás. Com frases bem escolhidas, que sempre falam em pôr em risco sua segurança (“se esse pivô quebrar, o senhor perde a roda na estrada”), o golpe é garantido.
É claro que, além de levar um serviço desnecessário, você ainda pagará mais do que ele deveria custar. Meses atrás uma loja de pneus apontou que as pastilhas de freio de meu carro estavam gastas e orçou em R$ 250. Verifiquei que de fato se aproximava o momento da troca (ao menos nisso não tentaram me enganar), mas preferi pesquisar antes. Resultado: comprei pastilhas da mesma marca oferecida pela loja e troquei no mecânico de minha confiança pelo total de R$ 85. Como justificar a diferença de quase 200%?
Como se vê, de “espertos” o mundo anda cheio. E a única forma de não os deixar mais ricos às suas custas é ser ainda mais esperto que eles.
Editorial anterior |