Há 40 anos a Fiat surgia no Brasil e iniciava uma família responsável por importantes primazias em nossa indústria
Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá* – Fotos: divulgação
A Fiat Automóveis S.A. foi inaugurada em 9 de julho de 1976 para produzir o pequeno 147, derivado do modelo italiano 127 lançado em 1971. O principal executivo do conglomerado que reunia as empresas Fiat, Giovanni Agnelli, participou do evento de inauguração da fábrica no município de Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
A Fiat sacudiu o mercado — e, ainda por cima, instalou-se fora do estado de São Paulo, principal parque automobilístico do país já na época. No estado do Rio de Janeiro havia a Fábrica Nacional de Motores, FNM, da qual a Fiat detinha 43% do capital, que construía o Alfa Romeo 2300 em uma unidade obsoleta e de produção tímida. A escolha do modelo parecia acertada: era grande o sucesso do Fiat 127 (leia quadro na página 2) na Europa, em particular na Itália. Logo no lançamento foi eleito Carro do Ano, pela imprensa especializada de vários países, e em 1975 tornava-se o carro mais vendido no continente, chegando à marca de 500.000 unidades.
A Fiat estreava no Brasil em 1976 com o 147, primeiro nacional com motor transversal
Nosso Fiat 147 foi testado, segundo a fábrica, por mais de um milhão de quilômetros para pôr em prova estrutura, desempenho, consumo, a robustez da suspensão e da tração dianteira. Sua apresentação ao público deu-se no Salão do Automóvel de 1976. No lado de fora do Parque de Exposições do Anhembi, em São Paulo, havia um circuito de cerca de 300 metros de extensão, no qual um funcionário da fábrica levava os curiosos para uma volta no modelo que fazia sua estreia em terras brasileiras.
Projetado por Aurelio Lampredi, que se notabilizou por desenhar motores Ferrari, o 1,05-litro fazia sua estreia no 147 brasileiro
Preconceitos não faltaram quando de seu lançamento: pequeno demais, aparentava fragilidade e o som pelo escapamento era alto e estridente. A caixa de transmissão de quatro marchas lembrava a do Willys-Renault Dauphine/Gordini, pela alavanca “espetada” no assoalho, e apresentava certa dificuldade de engate da primeira marcha. Não havia nada parecido por aqui: o 147 vinha enfrentar os Volkswagens Fusca e Brasília, com tecnologia já antiga, e o Chevrolet Chevette que, apesar de novo na época, seguia outra escola.
Com 3,63 metros de comprimento e peso de 800 kg, era menor que o Fusca em quase 40 cm. Sua distância entre eixos também ficava bem aquém daquela do VW, 2,22 ante 2,40 m. De linhas modernas, de acordo com tendências europeias da época, a carroceria de dois volumes e três portas era chamada pela fábrica de semi-break ou semiperua. A frente era diferente da adotada no 127: faróis quadrados com cantos arredondados, grade preta com frisos horizontais, luzes de direção retangulares acima do para-choque.
Baixo consumo e aproveitamento de espaço: atributos destacados na publicidade
Por dentro, o painel funcional continha apenas o básico. No velocímetro chamava a atenção o ponteiro espesso na cor amarela, que parecia vir de um brinquedo. Não havia marcador de temperatura do motor, apenas luz-espia, o que mudaria mais tarde. Como curiosidades, o 147 tinha lâmpada de alerta para reserva de combustível e uma posição do interruptor de ignição para manter as luzes de posição acesas com motor desligado, item que passaria despercebido por muitos usuários. A solução visava a evitar que se esquecessem as luzes ligadas ao sair, ao mesmo tempo em que permitia mantê-las assim caso desejado.
Uma das peculiaridades do modelo era o volante de direção mais para a horizontal, que muitos desaprovavam: era preciso dirigir mais perto dele para que ficasse ao alcance ideal das mãos. Um de seus pontos fortes, que o mercado não demorou a perceber, era o espaço interno capaz de acomodar quatro ou até cinco ocupantes bem melhor que nos rivais Fusca e Chevette, algo inesperado diante das dimensões externas. A controversa posição do volante era um dos segredos para isso, ao impor uma postura mais ereta dos ocupantes.
O Fiat oferecia ainda um porta-malas razoável para a categoria e a possibilidade de rebater o banco traseiro, algo então incomum por aqui. Alojado no compartimento do motor, o estepe liberava espaço para a bagagem, solução inteligente que seria mantida no sucessor brasileiro, o Uno. Outra vantagem era estar sempre acessível, sem se precisar descarregar o porta-malas em caso de furo de pneu. Item de segurança de série e notável era o para-brisa laminado, que não se estilhaça ao quebrar.
O volante mais à horizontal era estranho; boa solução era o estepe junto ao motor
Motor transversal, suspensões McPherson
O motor de quatro cilindros e apenas 1.048,8 cm³ de cilindrada vinha em posição transversal, pela primeira vez em um carro nacional, e fornecia potência bruta de 56 cv (cerca de 50 cv líquidos). Projetado pelo engenheiro italiano Aurelio Lampredi, que se notabilizou por desenhar motores Ferrari, ele fazia sua estreia no 147: o italiano 127 usava uma antiga unidade de 903 cm³ com comando de válvulas no bloco.
O comando no cabeçote (que era de alumínio) recebia movimento do virabrequim por meio de uma correia dentada, a exemplo do Chevette e do VW Passat. Uma correia que daria trabalho a muitos proprietários pela baixa durabilidade, e não só: nos motores de taxa de compressão mais alta, adotados mais tarde, ao se romper ela chegava a danificar válvulas e exigir retífica do cabeçote. O problema, que nunca foi sanado em definitivo, incomodaria mais tarde donos de Uno e Palio com motores da mesma linha.
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Para exportação
A linha 147 foi exportada em volume considerável, até mesmo para a Itália. Para esse fim a Fiat aplicava-lhe um motor a diesel de 1,3 litro, 45 cv e 7,6 m.kgf, derivado da unidade a gasolina fabricada em Betim e destinado apenas a mercados externos — já na época era proibido o uso desse combustível em automóveis no Brasil. Lá ele se chamava 127 D, de 1980 em diante, e era o menor carro movido a diesel do mundo.
Teste da revista Quatro Rodas apontou desempenho muito modesto, com velocidade máxima de 131 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 22,8 segundos, compensado pelo baixíssimo consumo: 14 km/l a 110 km/h e até 17 na cidade em uso leve. O nome foi mantido no modelo reestilizado de 1983, que para nós era o Spazio.
Também foram fornecidos por Betim a perua Panorama, o furgão Fiorino e o 127 Rustica. Essa versão, que trazia bagageiro, proteção nos faróis e outros acessórios que sugeriam o uso fora de estrada, recebia alterações na fábrica da Lamborghini em uma curiosa parceria. Além disso, a fábrica mineira produzia motores a gasolina para uso no 127 italiano e outros modelos do grupo — até mesmo a versão turboalimentada de 85 cv do Lancia Y10.
* Bob Sharp colaborou com o artigo de 2000 que deu origem a este texto