Quer um carro cupê de quatro portas, em nova geração e que agora gasta 30% a menos? Só mesmo nesse dia do ano
Na manhã deste sábado, 1º de abril, crianças de diferentes países acordarão eufóricas à procura de alguém que acredite em suas incríveis histórias ou em uma divertida “pegadinha”. É o Dia da Mentira, ou dia dos tolos no inglês, uma brincadeira que dizem ter começado no século XVI entre os franceses.
No mercado de automóveis, porém, 1º de abril não é dia de mentiras. Isso porque inverdades — ou, no mínimo, alegações questionáveis — são anunciadas por fabricantes o ano todo, e coitado do comprador que não se informar contra elas. Vamos a alguns casos.
Muitos não sabem que o Inmetro não mede consumo de combustível: apenas dita parâmetros para os fabricantes. Assim, quem cuida desse galinheiro é a raposa
• Novo que não é novo – Pode reparar: quando mais vezes a palavra “novo” for usada na divulgação de um carro, menos ele tem de realmente inédito. Se houvesse muito de novidade, afinal, tudo estaria tão à vista que nem se precisaria desse artifício. Então, tome “nova grade, novo tecido dos bancos, nova cor dos parafusos de rodas” e muitos outros “novos” para encher uma lista de conteúdos bem conhecidos.

• Nova geração – Se o “novo” vier acompanhado de “geração”, a coisa fica séria: tenha certeza de que tudo não passa de uma reestilização, ou seja, uma reforma estética parcial. Foi assim com várias “novas gerações” do VW Gol, que nas contas da fábrica já deve estar na décima, embora apenas três tenham existido. Aplica-se também a retoques da Mercedes-Benz a diversos modelos e a uma das muitas plásticas que a Chevrolet fez à primeira S10. A palavra ficou tão desgastada pelo mau uso que, quando a geração é de fato nova, os fabricantes a descrevem de outra maneira.
• Consumos fantásticos – Os padrões do Inmetro para consumo de combustível e os incentivos do governo aos fabricantes que aderem ao programa de etiquetagem são, certamente, boas notícias. Anos atrás, muitas marcas negavam-se a fornecer dados de consumo, uma informação relevante. Muitos não sabem, porém, que o Inmetro não os mede: apenas dita parâmetros para os fabricantes. Assim, quem cuida desse galinheiro é a raposa.
Talvez isso tenha relação com os fantásticos resultados anunciados pela General Motors em modelos 2017, como a Spin: com algumas intervenções no jurássico motor, mais uma marcha e grade dianteira que se fecha quando desnecessária, teria ficado cerca de 30% mais econômica. Ou a Mitsubishi informar que o Outlander 2017 consome 19,8% a menos, sem mencionar qualquer novidade que pudesse explicar tanta eficiência. Teriam os modelos anteriores sido testados com o freio de estacionamento puxado?
• Cupê de quatro portas – Todos buscam os rótulos de cupê e utilitário esporte, não os de perua, hatch e sedã (leia editorial). Assim surgiu a figura do “cupê de quatro portas”, como o Mercedes-Benz CLS, o VW CC e as versões Gran Coupe da BMW, que são na verdade sedãs com silhueta mais esportiva. Dali foi um passo para a aberração maior: a BMW chamar o X6 de Sports Activity Coupe, seguida pela Mercedes com GLC Coupe e GLE Coupe. Como um SUV de cinco portas pode ser cupê só pelo vidro traseiro mais inclinado?
• Utilitário esporte – Além de cupê, todos querem ser SUV. Mesmo que não o sejam na verdade, os fabricantes tentam inseri-los na badalada categoria. Isso inclui hatches com maior vão livre do solo e algumas molduras de plástico fosco, casos do Honda WR-V e do futuro Renault Kwid, e minivans como Citroën Aircross e Peugeot 3008 (a antiga). Boa oportunidade perdeu a Volkswagen: com aquele teto curvo e o grande vão livre do solo, o Fusca poderia ter sido anunciado como SUV Coupe e vendido pelo triplo do preço.
Entre as muitas mentiras da Hyundai Caoa estavam as potências de Veloster e Azera: na verdade se referiam às versões de injeção direta, não disponíveis aqui

• Automático mesmo? – Uma transmissão automática de verdade é cara, o que abriu espaço no mercado nacional às caixas automatizadas como a Dualogic da Fiat, a Easy’R da Renault e a I-Motion da VW. Nada de errado em oferecer essa alternativa, desde que com o nome certo. No entanto, a Fiat chamava a Dualogic de “câmbio automático”: além de uma inverdade a nosso ver, criava expectativa por um comportamento — em termos de suavidade nas mudanças — que a automatizada não tem condições de cumprir.
• Potência de mentira – Como abordado em Editorial de 2013, existem métodos bruto e líquido para medir a potência e o torque dos motores, mas o líquido se padronizou no Brasil na década de 1980. Apesar disso, de tempos em tempos aparecem informações de potência bruta nas fichas técnicas. Foi o caso do VW Gol de 1,0 litro para 1997: com 62 cv, ficava mais potente que Corsa (60 cv) e Palio (61 cv), mas na verdade tinha 54 cv líquidos. Mais tarde, em 2008, a VW mediu o Golf GTI com gasolina de alta octanagem para anunciar 193 cv, vantagem de 1 cv sobre o concorrente Honda Civic Si. Ambos com gasolina comum, o Honda vencia por 7 cv.
Mas nada supera em volume de mentiras a Hyundai Caoa, incluindo as potências anunciadas anos atrás para os motores do Veloster (140 cv), IX35 (178 cv) e Azera (270 cv). Na verdade, esses números de Veloster e Azera eram obtidos no exterior pelas versões de injeção direta: com a injeção aplicada aqui, tinham 128 e 250 cv (este o valor hoje divulgado para o sedã). Quanto ao IX35, a redução para 167 cv mais tarde foi explicada como “adequação a novas normas de emissões poluentes no exterior”. Normas do exterior, afetando uma versão flexível em combustível que só existe no Brasil?
Primeiro de abril!
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