A terceira porta parece ter sido decisiva para que a picape fosse o
carro mais vendido, mas ela tem mais atributos — e um salgado preço
Texto e fotos: Fabrício Samahá
Ao conferir os dados de vendas de veículos em março passado, os analistas de mercado tiveram uma surpresa: pela primeira vez na história da indústria brasileira, uma picape foi o modelo mais vendido no Brasil. Isso não causa surpresa nos Estados Unidos, onde picapes pesadas são líderes de vendas desde a década de 1970 — perderam por raros meses nesse período para automóveis, em geral em tempos de gasolina cara. Aqui, porém, estamos habituados a ver o topo do mercado ocupado pelos carros pequenos como Gol, Palio e Uno. Uma picape?!
O feito foi alcançado pela Fiat Strada e, embora não o tenha repetido até agora, ela obteve o terceiro lugar no acumulado do primeiro semestre. Pode ser coincidência, mas tanto sucesso só veio depois do lançamento da versão de cabine dupla com terceira porta, em outubro passado, razão para submetermos uma dessas picapes — em versão Adventure com o câmbio automatizado Dualogic — a uma avaliação completa, incluindo medições de desempenho e consumo.
Primazia no segmento: antes da Strada, apenas uma picape média (Ranger) havia
oferecido no Brasil a porta adicional, acessível só com a dianteira aberta
O preço da versão, R$ 59.360 (com câmbio manual) ou R$ 62.646 (Dualogic), inclui equipamentos de série como ar-condicionado, direção assistida, freios com sistema antitravamento (ABS) e distribuição eletrônica da força de frenagem (EBD), bolsas infláveis frontais, rodas de alumínio de 16 polegadas, controles elétricos de vidros e travas, faróis de neblina e de longo alcance, computador de bordo e volante e banco do motorista com regulagem de altura.
Bom trabalho de engenharia: a porta é fácil
de abrir e fechar, tem maçaneta de dupla função e
o cinto dianteiro recolhe-se quando é aberta
Além do câmbio, que agora vem com comandos de trocas manuais no volante, a unidade testada trazia como opcionais revestimento dos bancos em couro, cobertura marítima de caçamba, rádio/toca-CDs, volante de couro com comandos de áudio, ajuste elétrico dos retrovisores, faróis e limpadores de para-brisa automáticos, retrovisor interno fotocrômico, diferencial blocante Locker e pintura metálica. A soma: nada menos que R$ 71.138 — muito por uma picape leve, sem dúvida. Poderia ser pior: com teto solar e o pacote visual Dark, chegaria a R$ 73.898!
Embora se trate de uma velha conhecida (está à venda na mesma geração desde 1998 e já passou por três remodelações da parte dianteira), a Strada ganhou na linha 2014 seu mais extenso redesenho da metade para trás, com caçamba mais alta e lanternas traseiras que envolvem mais as laterais. A versão de cabine dupla saiu ganhando, pois deixou de parecer uma adaptação — antes havia uma capa plástica sobre a emenda de chapas ao que seria a caçamba convencional. Ainda que os muitos adereços em plástico fosco sejam controversos, a maioria parece gostar do visual robusto da picape Fiat.
Caçamba mais alta e lanternas envolventes renovaram a traseira para 2014, mas
a frente não mudou; estrutura de caçamba e estribos equipam a Adventure
A onda de renovação não tem passado pelo interior, cujo painel tem na essência a mesma disposição de funções desde o primeiro Palio, de 1996. Uma delas é bastante inconveniente: a dos difusores de ar centrais do painel, baixos demais para o uso de ar-condicionado, que tem como fim resfriar a cabine a partir da parte superior (o ar frio desce e então produz um ambiente homogêneo). Com isso, o ar acaba servindo como “refresco de joelhos” e torna-se pouco eficaz para toda a cabine, até porque os difusores laterais recebem bem menos ar que os centrais.
Outro ponto negativo é o acabamento simples e algo descuidado, com rebarbas de plástico e tampa do porta-luvas desalinhada, incompatível com a faixa de preço da versão. A posição de dirigir, embora com relativo conforto, sofre restrições como volante sem ajuste de profundidade, pedais algo deslocados para a direita e acelerador que requer posição incômoda do pé para ser pressionado até o fim. O quadro de instrumentos inclui computador de bordo com duas medições e, como habitual na série Adventure, a parte central do painel traz bússola e indicadores de inclinação longitudinal e transversal.
A picape tem bons detalhes como controle elétrico de vidros com função um-toque e temporizador, ótimo volante com comandos de áudio, alarme com proteção do interior por ultrassom, aviso específico para porta mal fechada, mostrador de temperatura externa, alerta programável para excesso de velocidade e espelho em ambos os para-sóis. O rádio/toca-CDs tem função MP3, entrada USB e interface Bluetooth para telefone celular.
Ótimo volante e itens de conveniência contrastam com o desenho antigo
do painel e o acabamento com descuidos incompatíveis com seu preço
Alguns aprimoramentos, é verdade, vieram com o passar dos anos: a regulagem de altura do banco do motorista mudou para o lado interno (ficava apertada junto à porta), a grafia dos mostradores (antes um tanto exagerada) ficou mais discreta, surgiu um bom apoio para o pé esquerdo, o bocal do tanque agora se destrava junto das portas e, ao usar um dispositivo na tomada USB, podem-se comandar suas músicas e ler suas informações no rádio (praxe no mercado, mas não em Fiats mais antigos). Já a iluminação dos instrumentos em branco, embora esteja na moda, nos parece menos funcional que a antiga em tom âmbar.
Os retrovisores externos são grandes, ambos convexos, e o sistema de iluminação é dos melhores: os faróis de duplo refletor (elipsoidal nos baixos), de neblina e de longo alcance somam oito fachos que podem até ser acesos juntos. Contudo, achamos que os últimos pouco acrescentam aos fachos altos, algo já percebido na Palio Weekend Adventure. E deveria haver regulagem elétrica de altura dos faróis principais, importante em um carro com ampla capacidade de carga.
Outros pontos que merecem melhorar: a qualidade de áudio é modesta e faltam espaços para objetos, luz de cortesia para o banco de trás e sensores de estacionamento, que compensariam a crítica visibilidade posterior com a traseira mais alta (boa parte da imagem do retrovisor interno é tomada pela cobertura da caçamba). Em contrapartida, a visibilidade dianteira é favorecida pelas colunas estreitas e próximas do motorista, mesmo que parecessem tão avançadas quando o Palio surgiu, há 18 anos. Pena que os limpadores de para-brisa bem à vista, também presentes desde então, sejam algo com que vamos conviver até o fim do projeto.
Posição do motorista é boa, mas com restrições; banco traseiro fica limitado a
crianças ou uso emergencial; couro em dois tons está entre os opcionais
A terceira porta da Strada, que não tem maçanetas acessíveis antes que seja aberta a dianteira do mesmo lado, revela bom trabalho de engenharia. É fácil de abrir e fechar, tem maçaneta de dupla função (pode ser puxada para dentro ou para fora, permitindo o uso por pessoas de ambos os locais), não deixa protuberâncias que possam ferir (o local de encaixe da trava superior fica em uma caixa plástica) e, mesmo sendo o carro submetido a grandes torções durante o teste, nunca emitiu ruídos. A sensação da estrutura como um todo é de que, nessa condição, seja mínima a perda de resistência à torção do veículo.
Também foi bem executada a solução para o cinto do passageiro da frente. Embora fosse ideal sua montagem na própria porta (como na Ford Ranger Supercab vendida aqui há cerca de 15 anos, que tinha duas portas desse tipo), o cinto traz a ancoragem inferior em um trilho inclinado: quando a porta é aberta, ele corre para trás pelo trilho e evita criar uma armadilha para quem sai do banco traseiro. É um sistema mais seguro que o de qualquer carro de duas portas.
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