Renault Fluence GT, com turbo, acerta no compromisso

 

Rápido e suave, esportivo mas com conforto, nosso primeiro
Renault Sport  só precisava de um bom câmbio automatizado

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

 

As opções para quem busca desempenho elevado em um sedã quatro-portas de custo relativamente acessível estão, felizmente, aumentando no Brasil. É fato que perdemos o Honda Civic Si, mas apareceram um Volkswagen Jetta renovado e mais potente (200 cv na versão Highline TSI) e o Peugeot 408 THP, de 165 cv, ambos com turbocompressor. Agora é a Renault que ingressa no clube com uma versão apimentada de 180 cv do Fluence, chamada de GT.

Ao contrário da Peugeot, que manteve a caixa de câmbio automática como padrão no THP, a Renault focou na esportividade em seu primeiro modelo da série Renault Sport — marca iniciada em 1976 como braço de competição e que hoje produz versões esportivas de rua de Twingo, Clio e Mégane. O Fluence GT vem apenas com câmbio manual de seis marchas, o que pode atender a alguns e desagradar a outros. Ao menos por ora, segundo o fabricante, não há intenção de oferecer caixa automática ou automatizada para ele.

 

 
A Renault definiu um pacote fechado para o GT, que custa R$ 79.370 e não oferece
opções além das três cores; VW Jetta TSI e Peugeot 408 THP são rivais diretos

 

O sedã esportivo vem ocupar o topo da linha Renault com seu preço de R$ 79.370, que se aplica a um pacote fechado, com escolha só entre as cores Branco Glacier, Vermelho Fogo e Preto Nacré. O conteúdo de série abrange seis bolsas infláveis (frontais, laterais dianteiras e de cortina), controle eletrônico de estabilidade e tração, freios com sistema antitravamento (ABS) e distribuição eletrônica entre os eixos (EBD), faróis com lâmpadas de xenônio, rodas de alumínio de 17 pol, ar-condicionado automático de duas zonas com saídas de ar traseiras, revestimento interno em couro, chave-cartão para abertura das portas com sensores de reconhecimento e botão de partida, computador de bordo, direção com assistência elétrica, teto solar com comando elétrico, fechamento a distância de vidros e teto solar, faróis e limpador de para-brisa automáticos, retrovisor interno fotocrômico, volante com regulagem de altura e distância, alarme, sensores de estacionamento na traseira, controlador e limitador de velocidade e um sistema de áudio com rádio/toca-CDs/MP3, interface Bluetooth, comandos na coluna de direção e navegação Carminat Tom Tom integrada ao painel. A garantia é de três anos.

 

O motor é o mesmo do Mégane RS, mas com 70 cv a menos, em parte por motivos de mercado e em parte por questões técnicas: um Fluence de 250 cv teria de passar por modificações bem mais extensas

 

Como o Fluence Privilège com teto solar e xenônio opcionais custa R$ 76 mil, a Renault estaria cobrando mais R$ 3,4 mil pelas diferenças do GT, mas há que se considerar que, na versão Dynamique do mesmo modelo, o câmbio automático de variação contínua (CVT) representa custo adicional de R$ 5,6 mil sobre o manual de seis marchas. Assim, um hipotético Privilège manual (que não é oferecido) deveria custar R$ 9 mil a menos que o esportivo. Quanto aos concorrentes, o 408 THP sai por R$ 76 mil e o Jetta TSI, com menor conteúdo, começa em R$ 85 mil.

Motor vem do Mégane

O coração do GT é, para surpresa de muitos, uma derivação do motor de 2,0 litros que equipava o Mégane e permanece no Duster — sem relação com a unidade de mesma cilindrada do Fluence aspirado, de origem Nissan e que não oferece versão turbo em qualquer lugar do mundo. Entre as diferenças técnicas das famílias estão o bloco (de ferro fundido no motor Renault e de alumínio no Nissan) e o acionamento do comando de válvulas, por meio de correia dentada e de corrente, na ordem.

 

 
Defletores e saias nos para-choques originais poderiam ser melhores; rodas de novo
desenho usam os mesmos pneus do aspirado; logotipo remete à divisão esportiva

 

Chamado de TCE 180 (sigla para Turbo Control Efficiency e sua potência), o motor turbo a gasolina é o mesmo que equipa na Europa o Mégane RS, mas com 70 cv a menos. Por que tal redução? Em parte por motivos de mercado, já que a Renault considera 180 cv suficientes para sua proposta no Brasil, e em parte por questões técnicas: um Fluence de 250 cv teria de passar por modificações bem mais extensas, algumas aceitáveis em um hatch como o Mégane, mas indesejáveis em um sedã, como uma calibração bem mais firme de suspensão.

 

 

Em relação ao motor aspirado, o TCE traz novos pistões, bielas, virabrequim, bronzinas, cabeçote, junta do cabeçote (com três lâminas de vedação), válvulas de escapamento (temperadas e nitretadas) e sistemas de arrefecimento, admissão e escapamento. A turbina é de duplo fluxo, há resfriador de ar e a variação do tempo de abertura das válvulas de admissão atua em 44 graus. No que tudo isso se traduz? Comparado ao Fluence aspirado, a potência passa de 140/143 cv a 6.000 rpm (sempre na ordem gasolina/álcool) para 180 cv a 5.500 rpm, e o torque máximo, de 19,9/20,3 m.kgf a 3.750 rpm para 30,6 m.kgf a 2.250 rpm. A apenas 1.200 rpm o GT já fornece 20 m.kgf.

Como se nota, a Renault priorizou o torque, cujo pico supera até mesmo o de 28,5 m.kgf do Jetta (que no entanto é 20 cv mais potente), deixando a potência específica (90 cv/litro) para segundo plano. O 408, com 165 cv e 24,5 m.kgf, fica para trás em ambos os aspectos, mas tem a maior potência por litro, ajudado pela injeção direta como o VW. Pelos dados dos fabricantes, o Fluence acelera de 0 a 100 km/h em 8 segundos e alcança velocidade máxima de 220 km/h, ganhos consideráveis sobre os índices do Dynamique manual (9,9/9,7 s e 200 km/h). O Jetta é ainda mais rápido, com 7,3 s e 238 km/h, mas não o Peugeot, que faz a arrancada em 8,3 s e vai a 213 km/h.

 

 
O interior traz bancos mais envolventes, costuras em vermelho e painel com parte
dos mostradores digitais; o equipamento completo inclui navegador e teto solar

 

Foi mantida a caixa de câmbio do Fluence Dynamique, mas com diferencial mais longo e embreagem de maior capacidade. A suspensão, que preserva a altura de rodagem das demais versões, recebeu molas, amortecedores e estabilizador traseiro redefinidos. Já os pneus mantêm o modelo — Continental Conti Premium Contact 2 — e a medida 205/55 R 17 V do Privilège.

Resolvida a parte mecânica, a Renault passou à aparência. Para não investir em novos para-choques, apenas acrescentou um defletor dianteiro e uma saia ao traseiro que simula um difusor de ar — com bom resultado estético, mas que seria melhor caso os para-choques fossem outros, sem emendas. O Fluence ganhou ainda rodas com desenho mais esportivo, novas saias laterais, um discreto defletor na tampa do porta-malas, maçanetas e retrovisores em tom cinza e o logotipo GT Renault Sport na traseira. O pacote visual é específico para o Brasil, pois não equipa o Fluence Sport vendido na Argentina.

Próxima parte

 

 
O motor da linha Mégane tem diferenças para o de origem Nissan do Fluence
aspirado; potência de 180 cv abriu caminho para alto torque (veja curvas)

 

No interior, a proposta de adicionar esportividade sem cair no exagero foi seguida com sucesso. Os bancos dianteiros têm apoios laterais e de coxa mais pronunciados e trazem a inscrição GT nos encostos de cabeça — bordada em vermelho, mesmo tom da costura aplicada aos assentos, ao volante e ao pomo da alavanca de câmbio. O painel tem seções em preto brilhante, que no Privilège vêm em tom prata, e traz novo quadro de instrumentos digital com velocímetro, marcadores de temperatura e de nível de combustível — fica de fora o conta-giros, analógico, em uma combinação discutível. Há ainda pedais esportivos, mas o volante poderia ser outro.

 

O comportamento dinâmico atingiu um ponto apreciável, com um tempero esportivo que não afeta a facilidade de controle pelo motorista, e o controle eletrônico de estabilidade não atua cedo demais, permitindo alguma diversão

 

Ao volante

A Renault permitiu boas condições de avaliação à imprensa ao oferecer tanto o uso livre de um circuito — o da Fazenda Capuava, na região de Vinhedo, SP — quanto a direção em estradas nos arredores. O Best Cars considera ideal tal combinação para modelos esportivos, já que seus limites não poderiam ser explorados com segurança nas ruas e, por outro lado, sua aptidão para o uso cotidiano não pode ser analisada na pista.

Começamos pelo circuito, um velho conhecido nosso, e as impressões foram muito boas. O GT “veste” bem com o banco mais envolvente e as diversas regulagens para assento e volante. Saindo, a embreagem reforçada não deixou o pedal pesado nem tornou difícil a modulação. O motor turbo fornece potência consistente desde as rotações mais baixas e mostra um crescimento linear, sem sobressaltos. A elasticidade é seu ponto alto: quase dispensa mudanças de marcha para explorar todo o circuito, podendo-se manter a terceira com bom resultado.

 

 
Comportamento previsível com alguma diversão na pista, rodar confortável e
motor silencioso na rodovia, mas nível de vibração não está à altura do conjunto 

 

Vêm as primeiras curvas e o Fluence revela propensão para um uso vigoroso. Para um sedã familiar de suas dimensões e peso (1.341 kg) e com tração dianteira, o comportamento dinâmico atingiu um ponto apreciável, com um tempero esportivo que não afeta a facilidade de controle pelo motorista menos experiente. O subesterço vem fácil e farto com o uso do acelerador, e não se esperava nada diferente, mas ao tirar o pé nas tomadas de curvas rápidas a traseira “aparece” e ajuda na inserção. Embora o controle eletrônico de estabilidade não possa ser desativado — apenas o de tração —, sua calibração foi acertada no sentido de não atuar cedo demais, permitindo alguma diversão.

 

 

Na principal reta da Capuava, o TCE 180 “estica as pernas” empurrando o sedã com ímpeto até o limite de giros de 6.250 rpm, precedido pela indicação de uma seta para cima para indicar o momento de trocar de marcha. A mesma seta aparece bem antes em caso de direção mais tranquila, enquanto outra sinaliza a necessidade de reduzir marcha se o motor for forçado em rotação muito baixa. O câmbio em si é bom nas mudanças, mas não excelente; a marcha à ré fica junto à primeira e requer uso de anel-trava.

Em baixa ou em alta, o 2,0-litros revela ruído moderado e que não transmite esportividade. Nada de ronco de admissão ou de escapamento, nada de “espirros” ao aliviar a pressão do turbo nas desacelerações. O que decepciona um pouco é o funcionamento algo áspero já em rotações medianas, na faixa de 3.500 rpm, inerente ao motor de geração mais antiga — embora a Renault alegue que ele passou por evoluções há dois anos na Europa — e com relação r/l desfavorável, 0,323. Em certas faixas nota-se vibração nos pedais de acelerador e embreagem, o que poderia ser evitado.

 

 
A Renault acertou no equilíbrio entre características esportivas e de sedã
familiar em seu primeiro Sport para o Brasil; faltou um câmbio automatizado

 

Carro entregue, pegamos outro para a avaliação em rodovia. É quando o GT mostra sua face comportada, capaz de levar a família com conforto a qualquer velocidade pretendida. O câmbio foi definido para esse fim, com a sexta atuando como sobremarcha: a 120 km/h produz apenas 2.650 rpm e, à máxima de 220 km/h, ficaria 800 rpm abaixo do ponto de potência máxima (melhor usar a quinta até 5.950 rpm).

Nos pisos menos regulares a suspensão mostrou o ponto de equilíbrio com que foi calibrada: embora se perceba a alta carga de amortecedores, que a leva a copiar as oscilações do piso para a cabine, não há pancadas secas ou o desconforto de molas muito duras. A nosso ver, seria difícil fazer melhor em um sedã com proposta esportiva e diante da limitação da suspensão traseira simples, de eixo de torção (o Jetta TSI recorre a um sistema multibraço). Mesmo em um trecho bem brasileiro, com muitas lombadas de diferentes alturas e perfis, não raspou o defletor dianteiro, apesar de quatro centímetros mais baixo que o dos demais Fluences.

A Renault não tem grandes ambições de vendas com o Fluence GT — estima algo como 70 unidades por mês —, mas fez bem em acrescentar a sua linha um carro de imagem esportiva, coerente com o esforço da empresa em âmbito internacional ao fornecer motores para quatro equipes da Fórmula 1. Poderia ser um pouco mais potente, é verdade, mas como está já oferece desempenho de alto nível. A maior carência, dentro do perfil atual do mercado, talvez seja mesmo a de um câmbio automático ou automatizado de dupla embreagem, já que o desconforto do pedal esquerdo no trânsito pesado é hoje abominado pelos brasileiros, mesmo os mais interessados em esportividade.

 

Ficha técnica

Motor
Posição transversal
Cilindros 4 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4, variação de tempo
Diâmetro e curso 82,7 x 93 mm
Cilindrada 1.998 cm³
Taxa de compressão 9,5:1
Alimentação injeção multiponto sequencial, turbocompressor, resfriador de ar
Potência máxima 180 cv a 5.500 rpm
Torque máximo 30,6 m.kgf a 2.250 rpm
Transmissão
Tipo de câmbio e marchas manual / 6
Tração dianteira
Freios
Dianteiros a disco ventilado
Traseiros a disco
Antitravamento (ABS) sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência elétrica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson, mola helicoidal
Traseira eixo de torção, mola helicoidal
Rodas
Dimensões 17 pol
Pneus 205/55 R 17
Dimensões
Comprimento 4,64 m
Largura 1,81 m
Altura 1,47 m
Entre-eixos 2,70 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 60 l
Compartimento de bagagem 530 l
Peso em ordem de marcha 1.341 kg
Desempenho
Velocidade máxima 220 km/h
Aceleração de 0 a 100 km/h 8,0 s
Dados do fabricante; consumo não disponível

 

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