Com mais potência e torque, apesar do maior peso, a Renault obtém o melhor desempenho geral, mas seu consumo de combustível é o mais alto
Mecânica, comportamento e segurança
Dos três motores, todos de quatro válvulas por cilindro, o mais moderno é o de 1,6 litro da Saveiro, dotado de soluções técnicas que favorecem sua eficiência (leia mais no quadro abaixo). Mas a maior cilindrada dos oponentes fala alto em termos de potência e torque, tornando o 2,0-litros da Oroch líder em ambos os quesitos (143/148 cv e 20,2/20,9 m.kgf), seguido pelo 1,75-litro da Strada (130/132 cv e 18,4/18,9 m.kgf); a Saveiro tem 110/120 cv e 15,8/16,8 m.kgf, sempre na ordem gasolina/álcool. As potências específicas com álcool ficam bem próximas ao redor de 75 cv/l (veja na ficha técnica).
Embora mais pesada, a Renault vence na relação peso-potência e demonstra o melhor desempenho geral, com boas respostas em qualquer rotação, mas incomoda pelos níveis de ruído e aspereza acima de 4.500 rpm. O motor VW surpreende em distribuição de torque para um quatro-válvulas, com uma “pegada” em baixos regimes que cai bem a uma picape, e é bastante suave mesmo em altos giros, superando ambos os oponentes, além de nos parecer o mais silencioso. A Fiat, embora mais potente que essa adversária e relativamente suave, requer rotação mais alta e só “acorda” acima de 3.500 rpm, o oposto do que deveria ser em um utilitário.
O motor da VW é suave e tem boa “pegada” em baixa, o que falta ao da Fiat; o da Renault incomoda pelo ruído e a aspereza em alta rotação
A superioridade da Oroch em desempenho ficou clara nas medições do Best Cars, com melhores tempos em todas as provas de aceleração e na maioria das retomadas, seguida ora por uma adversária, ora por outra. Arrancar de 0 a 100 km/h, por exemplo, requer 11,2 segundos nela contra 11,7 s da Saveiro e 12,4 s da Strada. Em consumo, feita a equivalência de combustíveis, os melhores resultados são sempre os da VW (veja números, análise detalhada e explicação a respeito).
A superioridade da Oroch em desempenho ficou clara, com melhores tempos em todas as provas de aceleração e na maioria das retomadas
A Renault adotou uma caixa de câmbio de seis marchas, como no Duster de mesmo motor, o que permitiu usar um escalonamento mais fechado que nas concorrentes; é também a única com marcha à ré sincronizada, conveniente em manobras que exigem troca frequente primeira-ré. Em comando de câmbio, porém, ninguém supera a Saveiro: levíssimo e muito preciso, convida de fato a usar a alavanca, para o que contribui o também macio pedal de embreagem. Na Oroch e na Strada manual os engates são razoáveis, mas requerem mais esforço e atenção.
Vale lembrar que a Adventure avaliada trazia a transmissão automatizada monoembreagem Dualogic, exclusiva na categoria. Sua operação está em bom estágio, com respostas apropriadas ao que o motorista pede pelo acelerador e mudanças relativamente suaves — dentro do possível para esse tipo de caixa, claro. Em algumas condições manifesta tendência excessiva a reter marcha em rotações médias, sem trocar para cima, o que pode ter sido intencional na calibração pelo fabricante com vistas ao uso com carga. Mudanças manuais podem ser feitas tanto via alavanca quanto pelos comandos junto ao volante.
A caixa de câmbio da Saveiro oferece o melhor comando; nossa Strada tinha o sistema automatizado
Em termos de suspensão a Oroch é inovadora: traz um sistema independente na traseira, ante o eixo de torção da Saveiro (ambas com molas helicoidais) e o eixo rígido com molas parabólicas da Strada. Com uma calibração bem feita, o conforto ao rodar da picape Renault supera tudo que já se fez na categoria, lembrando um bom utilitário esporte em grande parte das situações, e o comportamento em curvas é seguro. A marca foi a que melhor resolveu a difícil equação entre conforto, estabilidade e robustez em uma picape leve. Poderia melhorar a absorção de pequenos impactos, talvez prejudicada pelos pneus de uso misto.
A Saveiro é a mais esportiva do grupo: com molas e amortecedores firmes, obtém a melhor estabilidade, embora traga ligeiro desconforto em certas situações (a frequência de oscilações da traseira a torna cansativa em viagens de asfalto, por exemplo). O controle eletrônico de estabilidade e tração, que só ela oferece no grupo, é um ponto positivo. Falta à Strada um acerto mais adequado: a suspensão traseira é dura, enquanto na dianteira os amortecedores controlam mal os grandes movimentos, deixando-a seca em lombadas. Ao menos ela comporta-se bem em curvas, sem o brilho da Cross. Vale notar que nossa Adventure trazia pneus de asfalto, enquanto as outras vêm com modelos de uso misto, melhores na terra e na lama e teoricamente mais limitados em curvas.
Freios são outro ponto de superioridade da Saveiro, única dotada de discos também na traseira (nas demais são tambores), assistência adicional em frenagens de emergência e ajuste para o sistema antitravamento (ABS), que em modo Off-Road admite ligeiros travamentos em pisos de baixa aderência. O objetivo é manter boa capacidade de frenagem em terrenos como areia, terra e lama, nos quais o ABS convencional muitas vezes libera os freios em demasia. De resto, as três usam distribuição eletrônica entre os eixos (EBD). As direções com assistência hidráulica, embora não sigam a tendência pela mais eficiente elétrica, oferecem bom compromisso entre leveza nas manobras e peso em alta velocidade.
Faróis em profusão: cada uma tem oito refletores, incluindo os de neblina e os de longo alcance, estes opcionais no caso da Renault
As três estão bem servidas em termos de iluminação, com faróis de duplo refletor (na Strada os baixos usam refletor elipsoidal, de grande eficiência na definição de facho), unidades de neblina e de longo alcance. Estes podem ser ligados junto ao facho alto por botão específico na Strada e estão conjugados a ele nas demais — mas fazem parte do pacote de R$ 3 mil no caso da Renault. Apenas a VW usa luz traseira de neblina. Repetidores laterais das luzes de direção estão nos para-lamas da Oroch e nos retrovisores das outras. Nas três as colunas dianteiras são estreitas, sem maior prejuízo ao campo visual, mas colunas e caçambas complicam a visibilidade traseira; os retrovisores são convexos e poderiam ganhar em largura na Oroch.
A dotação de segurança passiva das três picapes compreende apenas as bolsas infláveis frontais, exigidas por lei, e encostos de cabeça para todos os ocupantes. A Oroch traz cinto retrátil de três pontos também para o passageiro central traseiro, ao contrário da Saveiro; a Strada tem só quatro lugares e o mesmo número de cintos. Fixação de cadeira infantil em padrão Isofix fica de fora e não há informações de testes de colisão pelo Latin NCap para nenhuma delas.
Próxima parte |
Comentário técnico
• O motor EA-211 da Saveiro é o mais moderno do grupo, com muito em comum ao três-cilindros de 1,0 litro do Up. Tem recursos atuais como variação de tempo de abertura das válvulas, bloco de alumínio, coletor de escapamento integrado ao cabeçote, duplo circuito de arrefecimento (um para o bloco, outro para o cabeçote) e sistema de partida a frio por preaquecimento de álcool, que dispensa o tanque suplementar de gasolina.
• O E-Torq da Strada é um projeto de origem BMW-Chrysler na antiga associação Tritec, adquirida pela Fiat depois que as marcas deixaram de usar tais motores. O 1,6-litro que já equipou o Mini Cooper foi então revisto e ganhou uma versão de 1,75 litro (não cabe arredondar para 1,8, pois são 1.747 cm³), ambas com arquitetura simples. Como no 2,0-litros da Oroch, que é basicamente o mesmo desde a Scénic 2001, o bloco é de ferro fundido e não há as outras soluções mencionadas para o VW.
• Saveiro e Oroch usam correia dentada para levar movimento do virabrequim ao comando de válvulas, tarefa desempenhada na Strada por uma corrente — o que é incomum em motores Fiat, mas explicado pela origem externa. Peculiar no E-Torq é a árvore de comando única para todas as válvulas, enquanto as concorrentes usam o arranjo mais usual de uma árvore para admissão e outra para escapamento.
Soluções diferenciadas: o bloqueio mecânico de diferencial da Strada, a suspensão traseira independente da Oroch e, na Saveiro, controle de estabilidade e modo Off-Road para o ABS
• Relação r/l abaixo de 0,3 é uma indicação de bom projeto, pois favorece tanto a eficiência quanto a suavidade de funcionamento, mas nenhum desses motores chega a obtê-la. A melhor é a da Saveiro, 0,31 (não é coincidência ter a operação mais “macia”, embora esse seja apenas um dos fatores), ante 0,316 na Strada e 0,323 na Oroch.
• A Renault não aproveitou as seis marchas de sua picape para obter uma faixa de relações muito mais ampla (obtida ao dividir a relação da primeira pela da última marcha): é de 4,8, pouco mais que os 4,7 da VW e os 4,6 da Fiat. O objetivo foi mesmo o de “fechar” o escalonamento, aproximando as marchas intermediárias entre si, como se nota ao comparar as velocidades por 1.000 rpm de cada uma às da Saveiro (veja na ficha técnica): a Cross é mais longa em quarta e quinta, mas a sexta da Oroch é ainda mais longa que a quinta da adversária, como se espera de um motor de cilindrada bem maior. A Strada, talvez por opção do fabricante em privilegiar o transporte de carga ou para amenizar sua deficiência de torque em baixa, é a mais curta das três na última marcha: em termos de relações finais (diferencial e pneus considerados), sua caixa é praticamente a da Renault sem a sexta.
• A Saveiro obtém a função de diferencial autobloqueante por um controle eletrônico, que compara a rotação das rodas (usando os sensores do sistema antitravamento de freios, ABS) e, se necessário, aciona o freio da roda dianteira com menor tração de modo a transferir torque para a outra. O efeito é obtido mesmo no uso em asfalto a até 80 km/h, mas se torna útil também em pisos de baixa aderência como terra e lama. A Strada oferece um sistema mecânico de mesma finalidade, o bloqueio de diferencial Locker, acionado por botão no painel, que faz com que cada roda dianteira receba metade do torque disponível. Contudo, o recurso atua apenas a até 20 km/h e não deve ser acionado em piso aderente.
• A função Off-road para o ABS da Saveiro, ativada por botão no painel, altera os parâmetros do sistema para provocar um breve travamento das rodas, a fim de criar uma pequena cunha com o material do piso à frente do pneu, o que ajuda a reduzir o espaço de frenagem em condições de baixa aderência como terra, lama e pedriscos.
• Esperávamos que a Oroch mantivesse a suspensão traseira do Duster de tração dianteira, com eixo de torção, mas a Renault adotou um sistema independente McPherson (não chega a ser multibraço, como anunciado pela fábrica, pois lhe falta o braço superior). O eixo de torção da Saveiro e o eixo rígido da Strada são mais simples, embora comprovados e com a vantagem de dispensar alinhamento para sempre.
Próxima parte |