Nosso SUV em teste de 30 dias foi à praia e convenceu em espaço e eficiência, mas com ressalva ao acerto de chassi
Texto e fotos: Felipe Hoffmann
Na segunda semana de uso com o Nissan Kicks SV, rodamos 402 km em trechos rodoviários e urbanos. Dessa vez pudemos conferir o desempenho do utilitário esporte compacto em velocidades mais altas, bem como seu comportamento dinâmico e o da transmissão no uso de serra.
Ainda com álcool, rodamos 285 km em rodovias até o litoral de São Paulo e volta com média de 9,6 km/l, sendo 117 km em trecho urbano com média de 10,2 km/l. A melhor marca em rodovia foi de 11,4 km/l na ida ao litoral (descida de serra) com 55 km/h de velocidade média. Já o retorno marcou 8,7 km/l com média horária de 66 km/h. A pior marca — medida de propósito em um curto trajeto — foi uma ida ao posto de combustível, partindo o motor a frio e rodando apenas 5 km: fez 7,7 km/l, mesmo com a boa média de 38 km/h. Fase fria do motor corresponde a menor eficiência.
Foi interessante notar que o consumo na rodovia se mostrou pior que na média em cidade. A explicação é que boa parte de nossa rodagem urbana se dá pelas Marginais Pinheiros e Tietê, com velocidades constantes e mais altas. Contudo, se compararmos o consumo em trânsito urbano mais severo ao rodoviário, ainda teremos a sensação de um carro pouco eficiente em estrada. O que acontece?
Com a bicicleta invertida sobre o rack (este um acessório original da Nissan), o Kicks mostrou bom comportamento em rodovia, mas não foi tão econômico
Os dois principais motivos são a área frontal maior que em um carro pequeno (o que aumenta o arrasto aerodinâmico e afeta o consumo em velocidades altas) e o baixo peso, que favorece o consumo no uso urbano, mas não afeta muito o rodoviário. Aliado a isso temos a transmissão automática de variação contínua (CVT), que mostra sua principal vantagem na cidade. Ao sair, consegue-se manter cerca de 1.500 rpm aplicando o método carga (alta abertura de acelerador em baixa rotação), sem variar o giro até por volta de 70 km/h. Isso contribui muito para a economia, pois a eficiência do motor é prejudicada quando há variação de rotação e trocas de marchas.
Já em rodovia, não há muito que fazer em relação às outras transmissões. Ao conectar o aparelho de teste Race Capture Pro, percebe-se que o motor do Kicks sempre está perto de sua carga máxima para aquela rotação, mas que há um limite de rotação mínima que se consegue impor. Assim, o 1,6-litro se obriga a buscar maiores rotações para manter a velocidade esperada ou numa ultrapassagem.
O Kicks que recebemos já dispunha de rack no teto, da marca Thule, o que nos ajudaria no habitual transporte de bicicleta e pranchas para o litoral. Embora faltasse o suporte próprio para bicicletas, a distância entre uma travessa e outra casa perfeitamente com a distância entre o guidão e o banco da bicicleta, bastando levá-la de ponta-cabeça. Para reduzir a altura do conjunto carro/bicicleta e melhorar um pouco a aerodinâmica, colocamos as rodas no espaçoso (432 litros) e bem aproveitável porta-malas.
As rodas da bicicleta tiveram de ir em separado no porta-malas, que tem boa capacidade (432 litros) para o porte do carro e fácil aproveitamento
Uma crítica ao Kicks, também apontada em avaliações anteriores, vai para a escassa absorção de impactos de baixa amplitude e alta frequência, como remendos, desníveis e até faixas de trânsito com relevo. Tal absorção cabe sobretudo aos pneus, que nesse caso têm perfil baixo para um SUV, e aos coxins dos amortecedores, que ligam tais peças à carroceria. Coxins pequenos (e mais baratos) sacrificam esse conforto, algo que chega a incomodar mesmo em rodovia de piso perfeito em velocidades como 110-120 km/h.
Afinal, o piso não é perfeitamente plano e regular, sobretudo em trechos de concreto, e o Kicks transmite toda oscilação de alta frequência à carroceria. Esta então ressona com essa entrada de vibração (rigidez de construção tem grande influência nesse quesito), a ponto de tudo reverberar dentro do carro. Não chega a ser grave, mas tende a causar ruídos internos de painel e forros no futuro. Boa constatação é ver como o suporte do celular, preso ao para-brisa e quieto em outros carros, oscila rapidamente ao passar por remendos.
A CVT mostra vantagem na cidade: consegue-se manter cerca de 1.500 rpm ao acelerar, sem variar o giro, até por volta de 70 km/h, o que contribui muito para a economia
Em contrapartida, os amortecedores têm pouca atuação na compressão, absorvendo bem e transmitindo conforto em grandes oscilações — com coxins melhores o carro seria perfeito para vias esburacadas. O retorno do amortecedor, porém, é mais lento: ao permitir a compressão rápida, aplica-se grande carga à mola, que se comprime mais do que deveria. Se o retorno do amortecedor for rápido, o carro corre o risco de “quicar”. Nota-se o retorno lento ao passar rápido numa lombada baixa e ouvir o pneu batendo de volta no chão, pois ele leva algum tempo para retornar.
Outra característica, típica de carros da indústria japonesa, é o curso da suspensão curto. Em uma lombada pequena e baixa que usamos como teste, ao passar com o Volkswagen Polo a 40 km/h, por exemplo, a suspensão trabalhou por completo sem grandes solavancos. Com o Kicks veio a pancada de fim de curso, que não se espera para o tipo de veículo. Já ao passar rápido em lombadas mais altas, o curso pequeno e a baixa atuação dos amortecedores na compressão fazem com que, ao reencontrar o solo, a frente mergulhe até “sentar” nos batentes — sem risco de raspar a frente ou fundo do carro devido ao bom vão livre.
Apesar do bom ângulo de cáster, sensação de “direção sem centro” pode ser percebida; sob o porta-malas, faltam mantas para reduzir os ruídos de rolagem
Em curvas, apesar da baixa inclinação da carroceria, nota-se maior movimentação lateral ao passar por relevos e buracos com só um lado do carro. Isso indica o uso de barra estabilizadora e eixo de torção traseiro mais rígidos, que tanto controlam a inclinação quanto sacrificam a aderência máxima em curvas — medida proposital em carros mais altos, nos quais um pneu muito aderente poderia levar ao tombamento.
Outra característica melhorável do Kicks é o que se conhece por “direção sem centro”. Significa a falta de torque para autoalinhar a direção, fazendo em certas ocasiões com que o motorista seja responsável pelo veículo andar em linha reta. Nota-se isso quando se está em reta plana (sem inclinação) e se impõe ângulo ao volante, como se fosse mudar de faixa. Ao soltar o volante o carro deveria voltar a andar reto, mas o Kicks continua andando para o lado. Para o lado oposto ocorre o mesmo fenômeno. Ao estacionar, ao girar o volante e soltar, o carro continua fazendo a curva.
Por que isso ocorre? Precisaríamos de uma aula de projeto de suspensão e direção para explicar melhor, mas está relacionado a cáster e inclinação do pino-mestre. Cáster o Kicks tem, até que bastante: ao esterçar toda a direção, nota-se a roda interna à curva ganhando cambagem (a roda “deita” para dentro da curva). Também se nota a influência de cáster pelo torque de autoalinhamento em curvas mais acentuadas, com acelerações laterais maiores. Provavelmente, o ângulo de pino-mestre é tal que elimina o autoalinhamento (e o esforço de esterçamento) ao passar num buraco ou ter um pneu furado.
A atuação suave dos amortecedores faria desse Nissan um ótimo carro para ruas esburacadas, desde que fossem ampliados os coxins para absorver impactos
Esse artifício é comum em veículos para fora de estrada, para evitar um solavanco que pode quebrar a mão do motorista ao passar por uma pedra ou buraco maior na trilha. Em um SUV urbano, essa característica pode evitar um movimento involuntário do volante (tentativa de se autoalinhar) no caso de o veículo perder o controle, o que poderia jogar a carroceria de um lado ao outro e aumentar a chance de tombar. Um motorista ruim, que não consiga alinhar bem o carro na faixa, ficará sacudindo o carro de um lado para o outro — depois de 10 minutos, seus passageiros estarão enjoados. Mas essa característica é sutil, indicação de que a Nissan buscou um equilíbrio nesse quesito que envolve segurança.
O acabamento de construção de carroceria do Kicks não é ruim, mas carece de isolamento acústico (manta) para reduzir o ruído de rolagem dos pneus, sobretudo em altas velocidades. Para entender sua função, imagine que as chapas que ligam as longarinas do carro funcionem como tambores ou alto-falantes. Os ruídos externos batem na chapa, que por sua vez amplifica o ruído para dentro da cabine. Ao instalar as mantas, de um polímero que lembra um borrachão de certo peso e “maciez”, se quebra essa vibração, isolando o ruído.
O problema é que isso adiciona peso e custo ao carro, não só em material e processos de produção (precisa-se vir com um tipo de secador para “derreter” a manta e fixá-la à chapa), mas também durante o processo de engenharia: para ser colocadas em locais certos, requerem-se grande estudo matemático e testes de validação.
A terceira semana do Kicks deve trazer um alívio à baixa autonomia, pois ele passa a rodar com gasolina. Será também a oportunidade de analisarmos mais de perto a caixa CVT. Até lá.
Semana anterior
Segunda semana
Distância percorrida | 402 km |
Distância em cidade | 117 km |
Distância em rodovia | 285 km |
Consumo médio geral | 9,8 km/l |
Consumo médio em cidade | 10,2 km/l |
Consumo médio em rodovia | 9,6 km/l |
Melhor média | 11,4 km/l |
Pior média | 7,7 km/l |
Dados do computador de bordo com álcool |
Desde o início
Distância percorrida | 893 km |
Distância em cidade | 608 km |
Distância em rodovia | 285 km |
Consumo médio geral | 9,4 km/l |
Consumo médio em cidade | 9,3 km/l |
Consumo médio em rodovia | 9,6 km/l |
Melhor média | 11,4 km/l |
Pior média | 4,8 km/l |
Dados do computador de bordo com álcool |
Preços
Sem opcionais | R$ 87.490 |
Como avaliado | R$ 90.490 |
Completo | R$ 90.490 |
Preços sugeridos em 2/4/18 |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 78 x 83,6 mm |
Cilindrada | 1.598 cm³ |
Taxa de compressão | 10,7:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 114 cv a 5.600 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 15,5 m.kgf a 4.000 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa | automática de variação contínua |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 17 pol |
Pneus | 205/55 R 17 V |
Dimensões | |
Comprimento | 4,295 m |
Largura | 1,76 m |
Altura | 1,59 m |
Entre-eixos | 2,61 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 41 l |
Compartimento de bagagem | 432 l |
Peso em ordem de marcha | 1.132 kg |
Desempenho e consumo (gas./álc.) | |
Velocidade máxima | 175 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 12,0 s |
Consumo em cidade | 11,4/8,1 km/l |
Consumo em rodovia | 13,7/9,6 km/l |
Dados do fabricante; consumo conforme padrões do Inmetro |