Terceira semana de teste do SUV mostrou troca de combustível e acertos e erros da transmissão automática
Texto e fotos: Felipe Hoffmann
Na terceira semana da avaliação Um Mês ao Volante, o Nissan Kicks SV ficou na rotina do trânsito de São Paulo, SP, e passou a rodar com gasolina. No total foram 449 quilômetros com média geral de 13,7 km/l, sendo a melhor média (no uso típico urbano pelas Marginais Pinheiros e Tietê) de 18,1 km/l, com média de velocidade de 49 km/h. A pior média foi de 8,9 km/l com 20 km/h.
Pela diferença de poder calorífico, seria esperada uma razão de 66% entre o consumo de álcool e aquele com gasolina. Na prática esse valor varia: motores de taxa de compressão mais alta podem ter melhor eficiência com álcool, caso o mapa de avanço de ignição explore a vantagem de maior resistência à detonação. No caso do Kicks, a eficiência foi praticamente a esperada.
No uso diário urbano pelas Marginais, obtivemos 17,1 km/l com gasolina e 11,4 km/l com álcool, no mesmo trajeto e com velocidade média igual, 38 km/h. Pelo poder calorífico, 17,1 x 0,66 = 11,3, ou seja, ele fez apenas 0,1 km/l a mais com álcool do que deveria. Se não há ganho de eficiência ao usar o produto vegetal, há a desvantagem da autonomia: com tanque de combustível de apenas 41 litros, o Kicks faz de você um amigo dos frentistas, o que melhora bastante ao passar à gasolina. Além disso, potência e torque divulgados são os mesmos com qualquer combustível, diferente da maioria dos carros, que ganha um pouco ao usar álcool.
Consumo de álcool e gasolina do Kicks, no mesmo trajeto urbano, mostrou que o motor não aproveita o maior potencial contra detonação do combustível vegetal
Apenas para efeito ilustrativo, houve um dia em que partimos o carro a frio, andamos nem 1 km, desligamos e 5 horas depois andamos mais 1 km. Nesse dia tivemos média de apenas 4,5 km/l de gasolina: prova-se mais uma vez que trajetos curtos derrubam drasticamente a eficiência do motor, assim como — se for rotina do motorista — degradam o óleo lubrificante, por não permitir que ele esquente e evapore o combustível que o contaminou durante o uso do motor a frio.
A colaboradora Julia Pacheco, estreante na coluna, dirigiu o Kicks na cidade esta semana. Entre os pontos positivos, ela mencionou “boa posição de dirigir, direção leve, sensação de estabilidade e ‘trocas de marchas’ muito suaves” — afinal, não há marchas em uma transmissão CVT, embora o sistema de variação faça paradas para emulá-las quando se usa mais o acelerador. O compartimento de bagagem também a agradou: além do grande volume (432 litros) para o porte do carro, tem boas altura e profundidade, sendo oferecido com um protetor como acessório. O único senão é que colocaram velcro para fixar o protetor, o que desfia o carpete caso se tente tirá-lo.
“O protetor é útil, mas compras de supermercado ficam passeando pelo porta-malas com o movimento do carro”, ela observou. Bem pensados, segundo Julia, os ganchos nas laterais ajudam a prender algumas sacolas para evitar tal problema. O que não agradou à motorista? Como nós, ela achou o Kicks muito duro nas pequenas irregularidades que infestam as ruas de São Paulo e considerou o acabamento muito simples pelo valor do carro, além de pedir mais porta-objetos e uma luz de cortesia na parte de trás da cabine.
O sistema de áudio da versão SV, intermediário entre os disponíveis no Kicks, está defasado ao não oferecer conectividade a Android Auto e Apple Car Play, hoje frequente no mercado. É fácil de usar e tem boa qualidade de som, mas frustra por não tocar o aplicativo Spotify pelo Iphone quando se conecta o telefone via USB. O sistema procura música apenas no aplicativo de música da Apple, algo que não acontece na conexão via Bluetooth. Ainda, para usar o Iphone via Bluetooth, o sistema obriga a desconectar o cabo USB.
Posição de dirigir, capacidade de bagagem e peso da direção foram elogiados pela colaboradora Julia Pacheco, que dirigiu o Kicks em uso urbano na semana
CVT agrada, mas cabem acertos
Uma das boas qualidades do Kicks, à qual até se fica um pouco mal acostumado, é a transmissão de variação contínua. Seu comportamento agrada quem o dirige: além da suavidade, a caixa se comporta muito bem quando se passa de trecho plano para subida. Basta manter o acelerador constante que surge uma redução progressiva, sem buracos, até o ponto de equilíbrio entre a velocidade e a rotação necessária do motor. Ao sair de plano para descida, o sistema alonga a relação de forma continua e agradável.
Como de praxe para economizar combustível, a CVT na maioria das condições busca alta carga do motor com a menor rotação possível. Nota-se esse efeito até por volta de 35% do pedal: dali em diante, o sistema passa a simular marchas para que o motorista não reclame dos giros e do ruído de motor constantes. Ao fazer o motor variar de rotação, essa estratégia prejudica tanto o consumo como o desempenho — constatado em carros que oferecem ambos os modos de uso, como Honda Fit e City.
A CVT é uma qualidade do Kicks: ao começar uma subida, basta manter o acelerador constante que surge uma redução progressiva até o ponto de equilíbrio
A aceleração não chega a ter grande perda porque, apesar de não segurar o motor na rotação de potência máxima, a variação de giro pela transmissão é baixa (500 a 700 rpm): parece até um carro com relação de marchas esportiva (marchas próximas entre si), que não baixa tanto a rotação com “as trocas” e, em consequência, a potência. Vai do gosto de cada um aprovar essa estratégia ou não, mas o importante é que não se nota interrupção de torque ou mesmo trancos entre “uma marcha e outra”.
Por outro lado, tem-se o efeito “estilingue” (também encontrado no atual Honda Civic) ao tirar o pé do acelerador depois de uma arrancada vigorosa: o motor ainda está em alta rotação e a CVT “alonga” a marcha muito rápido, freando toda a inércia do motor e dando uma sensação estranha. O carro ainda dá um “pulo”, mesmo sem ter o acelerador pressionado, o que pode assustar os desavisados em uma entrada de curva, por exemplo. Seria simples resolver isso pela calibração da caixa. Se o motorista foi até uma rotação tão alta, provavelmente está em condução mais esportiva, e a CVT deveria reter uma relação curta para obter freio-motor.
Sistema de áudio do SV está devendo integração a celular, comum no mercado hoje; colaboradora sentiu falta de mais porta-objetos e luz na traseira
Ainda que se venha acelerando ao máximo, ao tirar o pé o motor cai para a rotação mais baixa possível (como se engatasse a última marcha), mesmo com modo Sport selecionado: faz falta o freio-motor numa tocada mais arisca entre curvas. Para conseguir tal efeito deve-se colocar a alavanca em “L”, que torna a condução desconfortável por reduzir demais. O modo Sport deveria ser revisto para fazer o meio-termo, o que seria útil também em descida de serra para poupar os freios. O modo Sport faz com que as “trocas” de marcha aconteçam em maior rotação, mas não produz diferença após 40% de pedal.
Existe na CVT desse Nissan uma lógica de freio-motor, mas não descobrimos quando e como ela atua. No início de descida de serra, a caixa fez uma redução ao aliviar o acelerador, mas depois de alguns minutos não fez mais, ficando na posição mais longa possível com o motor perto de 1.000 rpm, mesmo em Sport. Só houve redução quando aplicamos “L”, que fez subir demais a rotação. Tal buraco na calibração preocupa um pouco, pois requer descer serra apenas com os freios — que são eficientes, mas pelo pequeno diâmetro estão mais sujeitos ao superaquecimento, como veremos na semana que vem.
Na subida de serra, pela Rodovia dos Imigrantes, a CVT foi obrigada a buscar rotações mais elevadas para vencer a área frontal e o peso extra dos ocupantes e bagagens. O motor manteve 100 km/h sem exageros na rotação (perto de 3.500 rpm), mas bastava qualquer retomada maior para percebemos uma lacuna entre os 80% e 100% de pedal. Ao chegar por volta de 80%, a CVT pula de 3.500 para 5.500 rpm, como se fosse pressionado todo o pedal. Além de acordar quem dormia e elevar o consumo sem necessidade, dificulta a dosagem da velocidade: ao acelerar menos, voltando a perto de 80%, a rotação cai para 3.500 rpm e não se mantém o ritmo.
A transmissão CVT do Kicks funciona bem e representa uma de suas qualidades, mas alguns pontos poderiam ser revistos em sua calibração
Variações da CVT em subidas são comuns, como encontramos no Civic, mas neste bastou selecionar uma das marchas “virtuais” pelos comandos no volante que o problema se resolveu. No Kicks não há tal opção. Por outro lado, agrada no Nissan a gama de relações entre a condição mais curta e a mais longa, auxiliada por um sistema de engrenagens epicicloidais na saída da CVT (leia consulta técnica). Com isso, a caixa consegue ser bem curta em subidas de cidade e bem longa para velocidades de cruzeiro.
Mas isso não garantiria boa aceleração na famosa saída de farol, pois o motor não produz tanto torque. Para auxiliar, o sistema usa conversor de torque em vez de embreagem, garantindo que multiplique o torque do motor no pulo inicial. Uma vez que a quebra de inércia foi conquistada, o sistema bloqueia o conversor e trabalha apenas com a CVT — correto, pois conversor “patinando” significa consumo maior. Se a saída for leve, o bloqueio acontece por volta de 10 km/h, um dos segredos do bom consumo na cidade.
Já ao acelerar mais no começo de uma subida bem inclinada, por volta de 30 km/h, a rotação sobe e aumenta a velocidade devido ao desbloqueio do conversor. Ao manter o pedal constante, nota-se o carro perder velocidade até perto de 10 km/h. Então, subitamente o conversor desbloqueia e causa uma aceleração inesperada. Nota-se que a Nissan buscou um conversor de torque bem “solto”, que permite “patinar” mais quando desbloqueado ou na manobra de estol. Isso faz perceber o bloqueio e o desbloqueio nitidamente na variação de rotação, algo que talvez pudesse ser de melhor transição.
Semana anterior
Terceira semana
Distância percorrida | 449 km |
Distância em cidade | 449 km |
Distância em rodovia | 0 |
Consumo médio geral | 13,7 km/l |
Consumo médio em cidade | 13,7 km/l |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 18,1 km/l |
Pior média | 8,9 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Desde o início
Distância percorrida | 1.341 km |
Distância em cidade | 1.056 km |
Distância em rodovia | 285 km |
Consumo médio geral | |
gasolina | 13,7 km/l |
álcool | 9,4 km/l |
Consumo médio em cidade | |
gasolina | 13,7 km/l |
álcool | 9,3 km/l |
Consumo médio em rodovia | |
gasolina | – |
álcool | 9,6 km/l |
Melhor média | |
gasolina | 18,1 km/l |
álcool | 11,4 km/l |
Pior média | |
gasolina | 8,9 km/l |
álcool | 4,8 km/l |
Dados do computador de bordo |
Preços
Sem opcionais | R$ 87.490 |
Como avaliado | R$ 90.490 |
Completo | R$ 90.490 |
Preços sugeridos em 2/4/18 |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 78 x 83,6 mm |
Cilindrada | 1.598 cm³ |
Taxa de compressão | 10,7:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 114 cv a 5.600 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 15,5 m.kgf a 4.000 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa | automática de variação contínua |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 17 pol |
Pneus | 205/55 R 17 V |
Dimensões | |
Comprimento | 4,295 m |
Largura | 1,76 m |
Altura | 1,59 m |
Entre-eixos | 2,61 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 41 l |
Compartimento de bagagem | 432 l |
Peso em ordem de marcha | 1.132 kg |
Desempenho e consumo (gas./álc.) | |
Velocidade máxima | 175 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 12,0 s |
Consumo em cidade | 11,4/8,1 km/l |
Consumo em rodovia | 13,7/9,6 km/l |
Dados do fabricante; consumo conforme padrões do Inmetro |