Jipe nacional ganhou desenho atual, mais comodidade e motor de
200 cv, mas aproveita brecha para abrir mão de bolsas infláveis
Texto: Rodrigo Ribeiro – Fotos: divulgação
Criada em 1995 ainda para fabricar bugues, a Troller é o mais próximo que o Brasil tem de uma fábrica nacional de automóveis. Produzindo o bem-sucedido jipe T4 desde 1997, a empresa sediada em Horizonte, Ceará, ganhou novo fôlego após ser comprada pela Ford em 2007. A multinacional contrariou os mais céticos, investiu na Troller (foram R$ 215 milhões só na ampliação da linha de montagem) e acaba de lançar a segunda geração do jipe que domina o segmento de aventureiros de verdade.
Seu estilo, antecipado em grande parte pelo modelo conceitual TR-X do Salão de São Paulo de 2012, consegue ser moderno sem recorrer a formas exageradas — e não lembra tanto o Jeep Wrangler, do qual o Troller original era praticamente uma cópia. A criação coube ao Centro de Estilo da Ford em Camaçari, Bahia, chefiado por João Marcos Ramos (veja o modelo anterior).
De visual modernizado, o Troller T4 afastou-se mais do Jeep Wrangler; o motor
turbodiesel de cinco cilindros e 3,2 litros com 200 cv é o mesmo da Ranger
Da nova Ford Ranger o T4 herdou desde peças de acabamento até o vigoroso motor turbodiesel de cinco cilindros em linha, 3,2 litros e quatro válvulas por cilindro, com potência de 200 cv e torque de 47,9 m.kgf (o anterior, de quatro cilindros e mesma cilindrada, fornecia 165 cv e 38,7 m.kgf). Dotado de turbina com geometria variável e acoplado a um câmbio manual de seis marchas, o motor é a maior estrela da nova geração, que chega às 19 concessionárias da marca no fim de agosto em versão única por R$ 111 mil (leva-se R$ 10 de troco).
As bolsas infláveis não são exigidas para jipes
a diesel, mas os freios antitravamento (ABS) com
discos nas quatro rodas são uma boa novidade
O valor fica a meio caminho entre jipes nacionais a gasolina, como o pequeno Suzuki Jimny (de R$ 59 mil a R$ 65 mil, conforme a versão, sempre com motor de 1,3 litro e 85 cv e câmbio manual) e o mais urbano Mitsubishi Pajero TR4 (R$ 79 mil na versão 4×4, que tem motor flexível de 2,0 litros e 140 cv e vem de série com caixa automática de quatro marchas), e o importado Jeep Wrangler (R$ 154.900 com três portas, motor V6 a gasolina de 3,6 litros e 284 cv e câmbio automático de cinco marchas).
O aspecto interno e o acabamento melhoraram, mas continuam simples demais
para seu preço; um incômodo é o mecanismo para acesso ao banco traseiro
O valor inclui equipamentos como ar-condicionado automático de duas zonas de ajuste, rádio/toca-CDs com MP3, entradas auxiliar e USB, interface Bluetooth para telefone celular, controles elétricos de vidros, travas e retrovisores, lanternas traseiras com leds, teto solar duplo de vidro (fixo) e rodas de alumínio de 17 polegadas com pneus 255/65. Ele tem ainda protetor frontal, estribos integrados à carroceria, bagageiro com barras transversais ajustáveis, tomada de ar em posição elevada e base para guincho integrada.
Não espere encontrar controle eletrônico de estabilidade e tração ou mesmo bolsas infláveis frontais: embora obrigatórias para veículos de passeio, elas não são exigidas para modelos homologados como jipes a diesel (leia quadro abaixo) e a Ford não fez questão de adicionar tais itens de segurança ao modelo. Por outro lado, como é compulsório com a nova legislação, o sistema de freios antitravamento (ABS) com discos nas quatro rodas é a principal novidade do T4 no quesito de segurança ativa.
Dois tetos solares, ar-condicionado automático de duas zonas e áudio com interface
Bluetooth vêm de série; painel tem local apropriado para itens de navegação
A tração integral continua temporária, podendo o acionamento das rodas dianteiras ser feito a até 120 km/h; o engate da reduzida requer que o carro esteja parado. A seleção entre os três modos se dá por um pequeno comando giratório no console central. O diferencial traseiro é autobloqueante, enquanto o dianteiro é aberto. Ambas as suspensões usam eixo rígido Dana 44 (flutuante na frente, semiflutuante atrás), barra Panhard e molas helicoidais. A Troller anuncia aceleração de 0 a 100 km/h em 12,3 segundos e velocidade máxima de 180 km/h.
Ao volante
Para apresentar o novo T4 à imprensa, a Troller organizou um trajeto de avaliação entre Horizonte e a praia de Cumbuco, na cidade cearense de Caucaia, com direito a percursos fora de estrada.
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A exceção das bolsas infláveis
Um dos pontos que mais causaram controvérsia desde que o novo Troller foi revelado é a ausência de bolsas infláveis frontais. Como se sabe, sua aplicação é obrigatória a 100% dos veículos produzidos desde 1°. de janeiro de 2014, conforme a resolução n°. 311 emitida em 2009 pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Fabricantes chegaram a tirar modelos de produção por não poder aplicar os equipamentos — caso da Volkswagen Kombi — ou por não considerar tal instalação viável, como no Fiat Mille e no VW Gol da geração anterior, que tecnicamente poderiam recebê-los.
No caso do T4, a exceção está prevista no artigo 4°. da resolução, que dispensa da instalação de bolsas infláveis os veículos fora de estrada. Já a portaria n°. 127 de 2008 do mesmo órgão detalha o que sejam “veículos da espécie misto, tipo utilitário, com carroçaria jipe, dotados de motor movidos a diesel”, que devem atender — segundo declaração do fabricante ou importador e relatório técnico — aos requisitos estabelecidos na Portaria DNC n°. 23, de 1994, e no Ato Declaratório Normativo n°. 32, de 1993.
Esses requisitos, na redação da norma, são: a) caixa de mudança múltipla e redutor; b) tração nas quatro rodas; c) guincho ou local apropriado para recebê-lo; d) altura livre do solo mínima sob os eixos dianteiro e traseiro de 180 mm; e) altura livre do solo mínima entre os eixos de 200 mm; f) ângulo de ataque mínimo de 25°; g) ângulo de saída mínimo de 20°; h) ângulo de rampa mínimo de 20°.
Como se vê, a permissão foi aberta com foco em modelos como o Troller e não permitiria, por exemplo, que os jipes Suzuki Jimny e Jeep Wrangler — vendidos aqui com motor a gasolina — deixassem de oferecer as bolsas infláveis que os equipam. Da mesma forma, os detalhados requisitos técnicos dificultam ou impedem que a exceção seja aproveitada por certos veículos movidos a diesel e dotados de reduzida, como grandes utilitários esporte do gênero de Chevrolet Trailblazer e Toyota Hilux SW4.
Legislação à parte, o Best Cars defende que os itens deveriam ser adotados pelo fabricante em consideração à segurança de seus consumidores. Ao contrário do que alguns acreditam, não há risco na prática fora de estrada com veículo dotado de bolsas infláveis, que são projetadas para disparar apenas quando há desaceleração e deformação estrutural acima de certos parâmetros. Não é por outra razão que nos Estados Unidos o Wrangler, no qual o primeiro Troller se inspirou, tem bolsas infláveis desde 1997.
Fabrício Samahá
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A tradição dos eixos rígidos na suspensão deixa o T4 ao gosto dos jipeiros,
mas prejudica o conforto de marcha no uso urbano e a estabilidade em rodovia
A carroceria é bem montada, mas a porta exige força (mesmo com os vidros um pouco abertos) para o fechamento. No interior o acabamento é simples, com amplo uso de plásticos rígidos e aspecto bem mais elaborado que o do espartano antecessor. Os bancos possuem espuma agradável, mas a regulagem do encosto por sistema de alavanca, sem ajuste milimétrico, não é ideal. Pior é o pesado comando para erguer os bancos dianteiros e dar acesso ao de trás, que exige força para acioná-lo e empurrar o banco ao mesmo tempo. A posição de dirigir elevada deve agradar aos que gostam da sensação de domínio do trânsito, ainda que a visibilidade para trás seja abaixo da média. No teto, os vidros fixos e escuros filtram bem a luz do sol, mas acabam por perder parte de sua função. Seria melhor ter vidros mais claros e com forro móvel.
Com bom desempenho garantido pelo torque de 47,9 m.kgf a parcas 1.750 rpm — apesar do peso expressivo de 2.140 kg, maior que o de picapes médias de cabine dupla —, não é preciso muito tempo ao volante do jipe para notar que sua condução exige um pouco de experiência. Por usar suspensões por eixos rígidos e uma antiga caixa de direção de esferas recirculantes, o jipe não transmite confiança acima de 100 km/h, em especial quando exposto a ventos laterais — mesmo equipado com pneus 255/65 R 17 Pirelli Scorpion ATR, voltados 80% a asfalto e 20% a terra, mais urbanos que os 70/30 usados na versão anterior.
Bem preparado para a lama, com tração nas quatro rodas com redução e diferencial
traseiro autobloqueante; os novos pneus, porém, são 80% voltados ao asfalto
Repetindo seu desempenho na Ranger, o câmbio não ajuda: com alavanca de engates duros e imprecisos (sobretudo os de segunda e sexta marchas), exige perícia extra e certa força do motorista, que também convive com uma embreagem mais pesada do que as de picapes a diesel da mesma faixa de preço.
O T4 se aproveita das medidas fora de estrada:
51 graus de ângulo de entrada e saída,
capacidade de atravessar alagamentos de 80 cm
A contrapartida se dá na terra e na areia. Avaliado em uma trilha de terreno fofo e em grandes dunas na região de Horizonte, o T4 mostrou que vai além do que o senso civilizado espera, com força de sobra mesmo abaixo de 2.000 rpm. Dura, a suspensão compensa o desconforto do asfalto com desempenho surpreendente em buracos e valetas, transpostos sem batidas secas. Até o chassi foi projetado para o uso fora de estrada: indo contra a tendência dos carros de passeio, segundo a fábrica ele ficou menos rígido, facilitando o trabalho da suspensão de sobrepor grandes obstáculos a baixas velocidades.
Tanto destaque para o desempenho longe do asfalto não é à toa. Por mais que a Ford tenha tentado melhorar o modelo e torná-lo mais atraente a consumidores cuja maior aventura é procurar uma vaga no shopping de fim de semana, o jipe cearense continua alheio à selva de pedra. Feita de plástico reforçado com fibra de vidro e montada sobre uma estrutura tubular (similar a uma gaiola de competição), a carroceria ganhou um desenho atraente e itens ainda raros em carros nacionais, como as lanternas por leds, mas as ausências de sensores de estacionamento e câmera de manobras dão pistas do foco principal do modelo.
O público fiel ao Troller vai aprovar os ganhos em conforto e notar que sua
valentia foi preservada, mas a ausência de bolsas infláveis não tem justificativa
No lugar de mimos para facilitar balizas, o T4 abre espaço para equipamentos de competição: os para-choques podem ser removidos, há local para colocar guincho elétrico e equipamentos de navegação no painel e estão disponíveis nada menos que nove placas protetoras sob o assoalho. Disposto a gastar em média R$ 10 mil em acessórios (contra R$ 300 de um carro pequeno e R$ 3 mil de uma Ranger), o consumidor do T4 pouco se importa com consumo de combustível e tamanho de porta-malas, mas sim com capacidade de imersão e ângulos de entrada e saída.
Em tempo: segundo a Ford, o T4 faz 9,8 km/l de diesel no ciclo urbano e 12,3 km/l no rodoviário, com volume no compartimento de carga de 134 litros. Feito para levar duas pessoas (com os bancos traseiros rebatidos) para a lama, o T4 se aproveita mesmo de suas medidas fora de estrada: são 51 graus de ângulo de entrada e saída, 30 graus de transposição de rampa e capacidade de atravessar alagamentos de até 80 cm de profundidade. O vão livre do solo é de 208 mm no ponto mais baixo, o diferencial traseiro, e chega a 316 mm na região entre eixos.
Com tantos prós para agradar a seu público fiel (48% dos compradores do antigo jipe já tiveram outro T4), o Troller pode se dar ao luxo dos mecanismos de rebatimento de banco duros e do acabamento simples demais para um carro dessa faixa de preço. Só não dá para explicar a ausência de itens de segurança, em especial em um segmento cujos motoristas buscam aventuras mais perigosas do que passar por lombadas em alta velocidade.
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Ficha técnica
Motor | |
Posição | longitudinal |
Cilindros | 5 em linha |
Comando de válvulas | no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4 |
Diâmetro e curso | 89,9 x 100,8 mm |
Cilindrada | 3.198 cm³ |
Taxa de compressão | 15,5:1 |
Alimentação | injeção de duto único, turbocompressor, resfriador de ar |
Potência máxima | 200 cv a 3.000 rpm |
Torque máximo | 47,9 m.kgf de 1.750 a 2.500 rpm |
Transmissão | |
Tipo de câmbio e marchas | manual, 6 |
Tração | integral temporária |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a disco |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | esferas recirculantes |
Assistência | hidráulica |
Suspensão | |
Dianteira | eixo rígido, mola helicoidal |
Traseira | eixo rígido, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 8 x 17 pol |
Pneus | 255/65 R 17 |
Dimensões | |
Comprimento | 4,095 m |
Largura | ND |
Altura | 1,966 m (com bagageiro) |
Entre-eixos | 2,585 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 62 l |
Compartimento de bagagem | 134 l |
Peso em ordem de marcha | 2.140 kg |
Desempenho e consumo (gas./álc.) | |
Velocidade máxima | 180 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 12,3 s |
Consumo em cidade | 8,8 km/l |
Consumo em rodovia | 11,9 km/l |
Dados do fabricante; consumo conforme padrões NBR; ND = não disponível |