Motor Firefly de 1,35 litro mostra bons recursos para obter baixo consumo; suspensão sobressai pelo rodar suave
Texto e fotos: Felipe Hoffmann
A segunda semana do teste Um Mês ao Volante do Fiat Argo Drive com motor de 1,35 litro foi um tanto atípica. Como nossas publicações neste caso estão um pouco defasadas em relação ao período de rodagem, a semana em questão correspondeu ao pior período da greve dos caminhoneiros, cuja falta de combustíveis forçou a equipe a restringir seu uso para trajetos realmente importantes. Também fomos obrigados a abastecer o carro no único posto que encontramos — após alguns dias típicos de Mad Max — com gasolina, à qual o álcool que havia no tanque foi misturado (pelo menos pagamos pelo derivado de petróleo; se foi mesmo o que recebemos, sabe-se lá).
Como era um posto sem bandeira e desconhecido nosso, preferimos não confiar nem no volume informado nem na qualidade do combustível para fins de teste. Mesmo assim, chamou atenção a autonomia que tivemos com o tal tanque: levou 655 quilômetros em uso urbano para chegarmos a um nível bem baixo e, finalmente, encher na bomba e no posto de sempre. Isso mostrou que o motor do Argo é realmente econômico.
Desprezado o que rodamos com combustível misturado e de fonte não confiável, a semana ficou com 227 km rodados com a média de 14,1 km/l de álcool. A melhor marca média foi de 15,2 km/l, no trecho habitual pelas marginais Tietê e Pinheiros, em São Paulo, SP, e a pior de 7,5 km/l em trajeto mais lento em ruas de bairro.
O Argo Drive tem-se mostrado um carro agradável de dirigir na cidade, tanto pelo interior bem desenhado quanto pelo acerto da suspensão voltado ao conforto
Elogiar o consumo de combustível apenas considerando o motor pode ser inadequado: diversos outros fatores influenciam esse resultado. No uso urbano, deve-se levar em conta tanto a eficiência do motor como seu casamento com as relações de marchas, o peso do carro e a resistência ao rolamento dos pneus. Durante anos a Fiat tinha seu Mille como um dos mais econômicos do mercado, graças ao menor peso em relação aos concorrentes, que tentavam compensar com motores mais elaborados e eficientes. No Argo, o peso de 1.140 kg condiz com a categoria e o porte, assim como os pneus são similares aos de concorrentes, de modo que o crédito vai mesmo ao novo motor.
A solução de comando único e duas válvulas por cilindro pode parecer antiquada, mas tende a favorecer a eficiência em rotações baixas e médias. Se é verdade que pode limitar a “respiração” do motor em altos regimes, tal comportamento não é notado no Firefly, provavelmente auxiliado pelo sistema que varia o tempo de abertura das válvulas de admissão e de escapamento em simultâneo. Com isso a Fiat conseguiu deixar o motor com bom torque e consumo em baixa rotação sem “matá-lo” em alta. Ele rende 109 cv com álcool e mostrou vigor nos testes de desempenho, onde cravou o tempo de 11,7 segundos para acelerar de 0 a 100 km/h.
Algumas peculiaridades do motor chamam atenção. O coletor de escapamento é integrado ao cabeçote, formando um conjunto “4 em 2 em 1”. Embora favoreça o fluxo dos gases em alta rotação, seu propósito principal é usar o calor que aqueceria o coletor de escapamento, na fase fria, para aquecer mais rápido o líquido de arrefecimento e assim o óleo lubrificante do motor, o que diminui consumo e emissões de poluentes nessa fase de baixa eficiência. O lado negativo disso é a necessidade de um sistema de arrefecimento mais eficiente para troca de calor.
Tomada de ar e coletor de escapamento estão entre as particularidades do motor
Também se nota a preocupação da Fiat com a tomada de ar do motor, dentro do para-lama direito, acima da caixa de roda, para admitir o ar mais frio possível. Nos testes de aceleração a temperatura dentro do coletor de admissão era de apenas 4°C acima da ambiente, o que favorece a eficiência do motor. Percebe-se que a admissão é voltada para trás para impedir sucção de água em alagamentos. Podemos até estimar que o Argo seja melhor para trechos alagados que a irmã maior Toro Diesel, que sugou água durante nosso teste.
Duas válvulas por cilindro podem parecer antiquadas, mas a Fiat conseguiu deixar o motor com bom torque e consumo em baixa rotação sem “matá-lo” em alta
Houve cuidado ainda com o ruído de aspiração e com a curva de torque (há menor influência nessa posição) com o uso de um ressonador, que serve para quebrar as ondas de choque criadas durante aceleração com vigor e em certas rotações. Há um grande espaço entre o catalisador e o radiador, bem como passagem livre para que o ar que passa pelo radiador consiga sair para a parte debaixo do carro, onde será sugado.
Aproveitamos a conexão do instrumento Race Capture Pro para testar a progressividade do pedal de acelerador, alvo de críticas da equipe (e de alguns leitores donos do modelo) por ser muito agressivo. A estratégia não varia ou varia pouco entre as marchas e, em baixas rotações, basta pressionar 22% de pedal para obter 100% do torque disponível, o que dá a impressão ao leigo de um carro ágil. O lado negativo é que se torna muito difícil dosar o torque do motor. Estranhamente, o canal-padrão da porta OBD que indica o percentual de torque do motor (engine load) nesse caso mostrava o percentual de potência, o que varia com a rotação.
Com 22% de acelerador (em roxo) a pressão no coletor (em vermelho) já alcança 92 kPa, a pressão atmosférica no local de teste, ou seja, 100% do torque disponível
Para levantarmos o percentual de torque gerado em cada rotação usamos os canais TPS, referente à posição de abertura de borboleta com máximo em 87°, e MAP, a pressão do coletor de admissão. No motor aspirado este valor é igual à pressão atmosférica quando o motor está em seu máximo naquela rotação. No gráfico acima vemos que em quinta marcha temos apenas 22% de pedal, mas o MAP vai até 92 kPa (pressão atmosférica durante o teste) e o TPS alcança seu máximo. Depois de 8 segundos pressionamos o acelerador ao máximo e nada mudou.
Essa condição não se mantém em todas as faixas de rotação, pois há diferenças de progressão de pedal depois de 2.500 rpm. Mas o teste deixa claro que a sensação de agilidade do Argo, na verdade, superestima o quanto realmente o motor pode oferecer. Além de dificultar a condução confortável, traz um risco: cria uma ilusão de que ainda há reserva de torque e potência, pois se tem um grande curso de pedal de acelerador a ser usado, o que pode pegar o motorista de surpresa em uma ultrapassagem. Infelizmente a Fiat não é a única a adotar essa estratégia, que parece ter chegado até nós pela Hyundai e hoje é cada vez mais comum.
Como citamos na semana anterior, os pedais de acelerador e embreagem possuem curso bem longo, mas atuam apenas em pequena porção de seu curso. Na contramão dessa estratégia está o amigo dos amantes da direção esportiva, o acelerador inclinado para o pedal de freio, que facilita o famoso punta-tacco — na contramão da caixa de transmissão com troca macia, longa e imprecisa, que permite movimento com marcha engatada como se fosse folga. Na verdade, esse conjunto parece ser uma estratégia da marca em “desconectar” ao máximo o motorista das partes mecânicas, pois os elogios mais comuns ao Argo são para conforto, não esportividade.
Instrumentos bem legíveis, computador de bordo com duas medições, bons difusores de ar
O próprio motor é muito isolado da estrutura do carro pelos coxins macios e de grande movimentação. Quando parado, ao soltar o pedal da embreagem rapidamente e pressioná-lo em seguida em primeira marcha, se ouve o conjunto motor-transmissão chacoalhando. Por outro lado, o famoso “arrastar-se” (lugging) pode ser notado por um leve ruído, mas não por vibração dentro da cabine. Nesse acerto de pedal é comum operar com o motor “arrastando-se” ao seguir o indicador de trocas de marchas, que sempre orienta baixa rotação e carga alta.
A suspensão colabora com a sensação de “desconexão” com o solo em ruas de pavimentação ruim. Não somente os coxins de fixação dos amortecedores são macios, mas também o acerto dos amortecedores é focado no conforto. Em impactos rápidos, como passar em um remendo mal feito, os amortecedores se comprimem rápido e fazem com que a ondulação seja quase imperceptível. Como exemplo, no mesmo remendo numa curva em um de nossos trajetos no qual o Nissan Kicks quicava lateralmente, perdendo contato com o solo por instantes, com o Argo mal notamos o remendo nem houve perda de aderência.
Por outro lado, com movimentos mais lentos — como ao passar em uma lombada ou mudar a trajetória do veículo — os amortecedores não passam a sensação de moleza. Não são esportivos como o do Volkswagen Polo TSI avaliado na seção, mas controlam bem a movimentação exagerada da carroceria. Com esse acerto o Argo mostra-se muito ajustado ao uso diário em ruas de má pavimentação sem comprometer o conforto ou a segurança.
Semana anterior
Segunda semana
Distância percorrida | 882 km |
Distância em cidade | 882 km |
Distância em rodovia | – |
Consumo médio geral | 14,1 km/l |
Consumo médio em cidade | 14,1 km/l |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 15,2 km/l |
Pior média | 7,5 km/l |
Dados do computador de bordo com álcool; para os cálculos de consumo, foram desprezados 655 km de rodagem com combustível misturado e de fonte não confiável |
Desde o início
Distância percorrida | 1.210 km |
Distância em cidade | 1.210 km |
Distância em rodovia | – |
Consumo médio geral | 13,4 km/l |
Consumo médio em cidade | 13,4 km/l |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 15,2 km/l |
Pior média | 7,5 km/l |
Dados do computador de bordo com álcool; para os cálculos de consumo, foram desprezados 655 km de rodagem com combustível misturado e de fonte não confiável |
Preços
Sem opcionais | R$ 54.990 |
Como avaliado | R$ 60.190 |
Completo | R$ 62.190 |
Preços sugeridos em 2/5/18 |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 2, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 70 x 86,5 mm |
Cilindrada | 1.332 cm³ |
Taxa de compressão | 13,2:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima | 101 cv a 6.000 rpm/ 109 cv a 6.250 rpm |
Torque máximo | 13,7/14,2 m.kgf a 3.500 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | manual, 5 |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 15 pol |
Pneus | 185/60 R 15 |
Dimensões | |
Comprimento | 3,998 m |
Largura | 1,724 m |
Altura | 1,50 m |
Entre-eixos | 2,521 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 48 l |
Compartimento de bagagem | 300 l |
Peso em ordem de marcha | 1.140 kg |
Desempenho e consumo | |
Velocidade máxima | 180/184 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 11,8/10,8 s |
Consumo em cidade | 12,9/9,2 km/l |
Consumo em rodovia | 14,3/10,2 km/l |
Dados do fabricante; consumo conforme padrões do Inmetro |