Sede de combustível continua alta após mudança para álcool; desempenho convence ao acelerar a fundo
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: autor e Fabrício Samahá
A mudança de gasolina para álcool no uso urbano, de redondos 500 quilômetros, marcou a terceira semana do Hyundai Creta Sport no teste Um Mês ao Volante. Descontando testes dinâmicos, o total computado foi de 470,5 km e 71,4 litros consumidos, o que resultou em média de apenas 6,6 km/l. A melhor marca foi de 8,4 km/l, com média de velocidade de 47 km/h em 6,7 km, e a pior por passeios pelo bairro com 3,2 km/l em 5,1 km e média de só 12 km/h.
Sabendo do histórico, rodamos mais de 20 km em trânsito pesado com a autonomia zerada para que restasse um mínimo de gasolina. Mesmo assim, ao completar o tanque entraram 49,7 litros, ou seja, ainda restavam pouco mais de 5, caso o volume informado pela Hyundai (55 litros) esteja certo. Como notado em outros carros, como o Fiat Argo, a autonomia apresentada é pessimista, provavelmente para evitar riscos de pane seca e de danos à bomba de combustível pela operação prolongada com pouco líquido no tanque.
Mesmo com bom aproveitamento do álcool segundo os dados oficiais, o consumo do Creta tem-se revelado alto: 6,6 km/l de média na semana de uso urbano
O consumo do Creta de 2,0 litros tem sido elevado para os padrões atuais, com a ressalva de que nossos percursos urbanos não mais incluem o longo trajeto pelas marginais paulistanas, que permitia boas marcas aos carros testados até o ano passado. No entanto, como confirmamos na troca de combustível, as indicações do marcador e da autonomia no computador de bordo acentuam a impressão de carro gastador. Rodam-se 200 km e a indicação já cai para um quarto de tanque, como se os 55 litros permitissem rodar menos de 300… Até se perceber o engano ao abastecer, a sensação de um SUV “amigo do posto” já se consolidou.
De qualquer forma, o motor parece se identificar melhor com o combustível verde. O consumo homologado pelos padrões do Inmetro (veja na ficha técnica) mostra que seu rendimento com álcool fica em 69% daquele com gasolina, no ciclo urbano, e 72% no rodoviário. Se levarmos em conta que o poder calorífico inferior (PCI) do álcool representa 66% daquele da atual gasolina brasileira (com 27% de álcool), chegamos à conclusão de que o motor trabalha com mais eficiência com o produto da cana-de-açúcar, pois suas propriedades que dificultam a detonação são aproveitadas por maior avanço de ignição. Isso também se reflete na potência e no torque, maiores com álcool em 10 cv e 1,4 m.kgf.
Em trechos de rodovia (não computados no consumo por envolver testes) notamos sensação de desempenho muito bom, desde que o motorista não se incomode em impor rotações e abrir bastante o longo curso do acelerador. A morosidade que explicamos na semana passada é bem notada no uso pacato, mas quando o pedal vai a 100% e a rotação passa de 4.000 rpm o motor parece “acordar” e obtém um desempenho até inesperado, coerente com os bons índices de aceleração e retomadas publicados no comparativo de quatro SUVs.
O motor fica alto no cofre, não como em alguns SUVs; o grande ressonador atenua ondas de choque que podem causar ruídos e prejudicar a curva de torque
Fica claro que o acerto do motor privilegiou as rotações mais altas, dando a impressão de o motor “respirar” muito bem até o regime de potência máxima. O ruído dentro da cabine nessas condições, embora um pouco alto, transmite certa esportividade tanto nas frequências quanto na intensidade. Contudo, em nenhuma situação se ouve ruído de admissão de ar, provavelmente devido ao enorme ressonador que fica entre a longarina inferior esquerda e o para-lama — acaba parecendo ser maior até que a carcaça do filtro de ar. Ele ajuda a atenuar qualquer onda de choque contrária, que possa tanto interferir como ruído como na curva de torque do motor.
Em rodovia o Creta passa a sensação de desempenho muito bom, desde que o motorista não se incomode em impor rotações e abrir bastante o acelerador
Ao analisar o compartimento do motor, nota-se que não possui pintura na cor do carro, apenas a tinta de fundo e proteção contra corrosão. Por outro lado, a Hyundai foi amiga dos mecânicos e proprietários durante a manutenção: o compartimento é espaçoso e de fácil acesso. O próprio reservatório do líquido de arrefecimento — que segue a tradição asiática de não ser pressurizado, trazendo a vantagem de ser mais barato — fica em posição fácil de visualizar o nível. Nota-se também o motor bem alto, que contribui para o vão livre e o ângulo de ataque, embora tenda a elevar o centro de gravidade. Em alguns utilitários esporte, como Ford Ecosport e Nissan Kicks, a carroceria alta fica em torno de um conjunto de motor e transmissão baixo.
Alvo de uma série de ressalvas na semana passada, a transmissão automática de seis marchas merece — por outro lado — elogios pelas trocas muito suaves, quase imperceptíveis. Em grande parte das trocas, nota-se a estratégia de desbloquear o conversor de torque, permitindo que ele “patine” um pouco no pequeno intervalo de transição das marchas. O amortecimento de trancos pelo fluido do conversor aumenta a suavidade e dispensa um refino tão preciso dos atuadores que acionam os conjuntos de embreagens internas da caixa, que formam as marchas, além de grandes atrasos de ignição ou mesmo fechamento de borboleta.
A Hyundai facilitou a manutenção: o compartimento é espaçoso e de fácil acesso e o reservatório do líquido de arrefecimento torna simples visualizar o nível
O desbloqueio do conversor de torque não para por aí: quase toda vez que se retoma velocidade, o conversor desbloqueia, mesmo que não haja troca de marchas. Os benefícios são tanto um leve aumento de rotação (200-300 rpm) quanto uma pequena multiplicação de torque pela “patinação” do conversor. Mas há outra razão: toda vez que se aumenta a quantidade de ar admitido no motor, é necessário atrasar o avanço de ignição e, em alguns casos, enriquecer a mistura para não haver detonação. Desbloqueando o conversor, esse procedimento é menos necessário ou até dispensável, o que se traduz em resposta mais rápida e menos poluente.
A Hyundai escolheu desbloquear o conversor também quando se tira o pé do acelerador, mesmo em velocidades de rodovia (100-120 km/h), derrubando o a rotação do motor e dando a impressão de motor e rodas não estarem acoplados — e realmente não estão. Ao se acelerar de novo, porém, a rotação sobe além do necessário para, depois de um pequeno intervalo, cair quando o conversor se bloqueia de novo.
Essa estratégia era usada em antigas transmissões de três e quatro marchas, para que houvesse menor freio-motor e o carro pudesse “embalar” durante mais tempo sem se acelerar, mas nos dias de hoje ela causa variações de rotação e aceleração, mesmo que pequenas, que podem não agradar. O fenômeno ocorre também em modo manual e em marchas mais baixas, um certo contrassenso. Afinal, em descida de serra ou uma entrada mais vigorosa de curva, o intuito é justamente criar freio-motor e deixá-lo conectado às rodas para uma resposta pronta e rápida.
Bom espaço para bagagem, mas as ferramentas não são fáceis de acomodar sob a tampa no nível inferior; câmera traseira e vão sob bancos ganharam elogios femininos
Interior prático
A colaboradora Julia Pacheco, que dirigiu o Creta em São Paulo, SP, por alguns dias, gostou da posição de dirigir, do espaço para os passageiros, da central de áudio e da boa câmera traseira de manobras, que inclui guias para mostrar aonde o carro vai de acordo com a posição do volante. Outro ponto elogiado é o volume abaixo dos bancos dianteiros: como são bem altos, no vão inferior podem-se transportar bolsas femininas com facilidade — impossível no Honda HR-V da avaliação anterior, que traz ali o tanque de combustível. Por outro lado, o Hyundai fica atrás do Honda na modularidade do banco traseiro: há apenas as seções rebatíveis 60/40.
No compartimento de bagagem do Creta, que tem a mesma capacidade do concorrente citado (431 litros), o alojamento do estepe não é profundo, talvez para garantir o vão livre e o ângulo de saída na traseira. No dia a dia não compromete porque o estepe é temporário, estreito, mas quando se coloca ali o pneu furado deve-se elevar a tampa que faz o papel do assoalho. Por algumas vezes não conseguimos colocar a tampa na posição mais baixa, até conseguir posicionar a bolsa que possui macaco, chave de rodas e triângulo de maneira que tudo se ajeitasse.
Em sua última semana, o Creta passará pela detalhada análise técnica em oficina que é tradicional em nossos testes de mês. Não perca na próxima terça.
Semana anterior
Terceira semana
Distância percorrida | 471 km |
Distância em cidade | 471 km |
Distância em rodovia | – |
Consumo médio geral | 6,6 km/l |
Consumo médio em cidade | 6,6 km/l |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 8,4 km/l |
Pior média | 3,2 km/l |
Dados do computador de bordo com álcool |
Desde o início
Distância percorrida | 1.321 km |
Distância em cidade | 1.321 km |
Distância em rodovia | – |
Consumo médio geral | 10,1 km/l (gas.)/6,6 km/l (álc.) |
Consumo médio em cidade | 10,1 km/l (gas.)/6,6 km/l (álc.) |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 15,6 km/l (gas.)/8,4 km/l (álc.) |
Pior média | 6,5 km/l (gas.)/3,2 km/l (álc.) |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Preços
Sem opcionais | R$ 98.990 |
Como avaliado | R$ 98.990 |
Completo | R$ 100.190 |
Preços sugeridos em 4/2/19 em São Paulo, SP |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 81 x 97 mm |
Cilindrada | 1.999 cm³ |
Taxa de compressão | 12,0:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 156/166 cv a 6.200 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 19,1/20,5 m.kgf a 4.700 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | automática, 6 |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 6,5 x 17 pol |
Pneus | 215/60 R 17 H |
Dimensões | |
Comprimento | 4,27 m |
Largura | 1,78 m |
Altura | 1,635 m |
Entre-eixos | 2,59 m |
Capacidades e peso | |
Tanque comb. | 55 l |
Compartimento de bagagem | 431 l |
Peso em ordem de marcha | 1.399 kg |
Desempenho e consumo | |
Velocidade máxima | 188 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 9,7 s |
Consumo em cidade (gas./álc.) | 10,0/6,9 km/l |
Consumo em rodovia (gas./álc.) | 11,4/8,2 km/l |
Dados do fabricante; ND = não disponível; consumo conforme padrões do Inmetro |