Teste de 30 dias termina com viagem do editor, análise em oficina e medições de aceleração e estabilidade
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: Saito Produções e Fabrício Samahá
Medições de desempenho e estabilidade e uma breve viagem ao interior do estado — à sede do Best Cars em Pindamonhangaba, a 140 quilômetros da capital paulista — foram os destaques do período final do Hyundai Creta Sport avaliado em Um Mês ao Volante. Publicamos nesta matéria também a análise técnica em vídeo, gravada no Centro Automotivo NZ com o apoio da Saito Produções.
Quem dirigiu o Creta por 320 km (sendo 282 em rodovia) foi o editor Fabrício Samahá, cuja experiência com o modelo se estende a outras duas versões: Pulse Plus com motor de 1,6 litro e Prestige, topo de linha, que compartilha a unidade de 2,0 litros. “Mesmo com preço R$ 6 mil mais alto que o do Sport, eu recomendaria o Prestige”, explica Fabrício. “O acerto de suspensão do Sport não me convenceu: perde-se em conforto, mas o comportamento dinâmico permanece típico de SUV, sem o toque esportivo do Honda HR-V ou mesmo do Ford Ecosport. A meu ver, os amortecedores ‘copiam’ em excesso os defeitos do piso, o que se soma a uma absorção de impactos apenas razoável já conhecida de outros Cretas. De resto, acho o defletor traseiro do Sport exagerado, mas o restante do pacote visual é interessante”.
Suspensão à parte, o editor gostou do Creta: “Desempenho, espaço interno e para bagagem e itens de conveniência são muito bons. É um carro familiar competente, confortável, e isso parece explicar seu bom desempenho de mercado. Eu gostaria que tivesse chave presencial (como no mais barato Nissan Kicks SV), faixa degradê no para-brisa e mais bolsas infláveis, pois traz apenas as frontais exigidas por lei”.
“Na parte de transmissão”, acrescenta Fabrício, “além do muito que foi explanado na seção, faço ressalva ao arranjo do modo manual: seria melhor reduzir marcha ao acelerar até o fim de curso e passar à próxima marcha no limite de rotações, como programam várias marcas. Como está, ele pode pegar o motorista de surpresa em emergências, pela falta de resposta em retomada ou por limitar a velocidade em ultrapassagem. Será preciso então tirar a mão do volante para comandar a troca manual”.
A viagem do editor foi o trecho de melhor consumo do período: 282 km entre ida ao interior e volta à capital, à média de 108 km/h, com 7,8 km/l de álcool — marca que deixa a desejar, como foi praxe no mês de avaliação do carro. Na fase final o Creta rodou também 753 km em cidade, com média geral de 6,3 km/l e pior marca de 4,6 km/l (média de 16 km/h).
No uso urbano por São Paulo, com o sistema automático de parada/partida em ação, notamos que, além de boa capacidade de refrigeração, o ar-condicionado deve possuir um volumoso evaporador (radiador responsável por esfriar o ar para a cabine). Ao se desligar o motor, o compressor para de funcionar e com isso o evaporador deixa de ser resfriado. Caso o mesmo seja pequeno, o ar que sai pelos difusores se esquenta e ganha umidade em meros 5 a 10 segundos, o que prejudica o conforto térmico e traz odor desagradável. No Creta o sistema reduz a velocidade do ventilador, mas consegue manter o ar frio e sem odor, mesmo com o motor parado por longo tempo — o evaporador volumoso consegue reter mais a temperatura baixa.
O Creta de 2,0 litros revelou bom desempenho em alta rotação e estabilidade adequada a um SUV, mas seu consumo decepcionou com gasolina e álcool
Comentamos na semana passada que o computador de bordo, como o indicador de combustível, aponta baixa autonomia mesmo com um volume considerável no tanque. Ele também mostra autonomia irreal para mais quando se completa o combustível: com álcool e consumo médio de apenas 6,6 km/l, indicava autonomia acima de 500 km. Com tanque de 55 litros e tal consumo, mal daria para rodar 360 km. Claro que, na medida em que o combustível vai baixando, a autonomia cai mais rápido do que deveria — e zerou com mais de 10 litros de álcool no tanque. Já a indicação de consumo foi das mais precisas já vistas: na média do mês de teste, o computador apontou marcas apenas 2% melhores que as aferidas nos abastecimentos no mesmo posto.
Embora tivesse passado por medições para o comparativo de quatro SUVs, então com gasolina, o Creta foi mais uma vez conectado ao instrumento de aquisição de dados Race Capture Pro para uma análise detalhada, que trouxe conclusões interessantes.
O acerto de suspensão do Sport não convenceu: perde-se em conforto, mas o comportamento dinâmico permanece típico de SUV, observou o editor
Já havíamos observado que a morosidade encontrada na cidade, em certas situações, desaparece no uso rodoviário. Há dois motivos: um, as rotações mais altas, em que o motor obtém mais torque e potência; e outro, o curioso escalonamento das seis marchas da caixa automática. Parece que a Hyundai fez “pares”: primeira bem próxima da segunda, um espaço entre esta e a terceira, nova proximidade de terceira para quarta (o que evita grande queda de rotação), mais um espaço entre esta e a quinta, e outra vez quinta e sexta “agrupadas”.
Quais os resultados? Em rodovia a 120 km/h, por exemplo, em um aclive no qual a sexta marcha não tem força, a quinta marcha entra sem um aumento drástico de rotação. Em aceleração máxima saindo parado, primeira e segunda mais curtas fazem o motor “encher” rápido, o que é bom, pois ele se torna muito mais ágil em rotações médias para altas. Vem daí a aceleração de 0 a 100 km/h em 9,7 segundos, medida com álcool, por isso 0,2 s melhor que a obtida com gasolina (por outro lado, em São Paulo, SP, a maior altitude em relação a Pindamonhangaba traria pequena desvantagem). Os 400 metros chegaram no mesmo tempo, 16,9 s, em ambos os testes. São muito bons resultados para o peso de 1,4 tonelada e a grande área frontal do SUV, que começa a impactar depois de 100 km/h.
Ao analisar o gráfico acima, nota-se que a primeira marcha termina a 46 km/h a 6.300 rpm, como se fosse uma transmissão manual ou automatizada — as automáticas em geral são mais longas, pois se beneficiam da multiplicação do conversor de torque. O Creta só não sai “fritando” pneus porque o torque máximo do motor não é liberado enquanto se faz a manobra em estol, tanto para proteger a transmissão quanto para evitar perder tempo destracionando. Há só uma quase imperceptível patinada. A segunda também acaba logo, a 80 km/h.
Como em toda caixa automática, a troca de marcha em si não traz perda de tempo: no Creta há apenas um atraso no avanço de ignição, para ajudar os pacotes de embreagens da transmissão epicicloidal nas mudanças. Não ocorre desbloqueio do conversor nem fechamento da borboleta (TPS no gráfico acima, no caso em graus de abertura), para não retardar a troca de marcha. O atraso na ignição (notado no gráfico abaixo indo para o lado negativo, ou seja, produzindo centelha quando o pistão já está descendo) produz um ruído de “suspiro” no escapamento, que empolga o condutor junto com o som do motor em alta rotação. Impossível não imaginar um HB20 com esse 2,0-litros para rivalizar com o Renault Sandero RS…
Em comportamento em curva, nosso teste de aceleração lateral mostrou equilíbrio razoável e inclinação da carroceria dentro dos padrões para um SUV — nada da esportividade do HR-V do mês anterior. Estabilizadores e eixo de torção traseiro com certa rigidez ajudam nessa condição, embora façam o carro balançar mais de um lado para o outro quando se passa em irregularidade com apenas um lado do carro. Claro que com carroceria, motor e ocupantes mais no alto que em outros modelos do segmento, não se pode ir contra as leis da Física, mas a Hyundai chegou aonde poderia com essa proposta.
No teste-padrão o Creta fez bons 0,88 g com o controle de estabilidade desligado. O dispositivo “capa” o acelerador e a empolgação ao volante assim que os pneus começam a “cantar”, por volta de 0,70 g, situação que o motorista comum dificilmente chega a atingir. Como referência, o HR-V fez 0,96 g, o Kicks 0,84 g e o JAC T40 (não um SUV, mas com proposta de uso semelhante) só 0,79 g. O Creta escapa bem de frente, sendo quase impossível fazê-lo escorregar por inteiro e muito menos levar a traseira a apontar para dentro da curva, mostrando a preocupação da Hyundai para afastar o risco de tombamento. Afinal, “travar” o pneu dianteiro externo no solo numa curva é caminho certo para tombar um carro com centro de gravidade tão alto.
Depois de um mês e exatos 2.356 km ao volante do Creta Sport, o que podemos concluir sobre ele? É um SUV com interior espaçoso e confortável, amplo compartimento de bagagem, bem-equipado em conveniências e de desempenho muito bom, desde que se usem rotações sem moderação. Os pontos criticados, diante do preço de R$ 99 mil, são basicamente a presença de bolsas infláveis apenas frontais, as respostas do motor em baixos giros, a má absorção de defeitos do piso pela suspensão e detalhes na calibração de acelerador e transmissão que, se passam desapercebidos de muitos motoristas, para outros afetam a satisfação de dirigir.
Semana anterior
Quarta semana
Distância percorrida | 1.035 km |
Distância em cidade | 753 km |
Distância em rodovia | 282 km |
Consumo médio geral | 6,6 km/l |
Consumo médio em cidade | 6,3 km/l |
Consumo médio em rodovia | 7,8 km/l |
Melhor média | 7,8 km/l |
Pior média | 4,6 km/l |
Dados do computador de bordo com álcool |
Desde o início
Distância percorrida | 2.356 km |
Distância em cidade | 2.074 km |
Distância em rodovia | 282 km |
Consumo médio geral | 10,1 km/l (gas.)/6,6 km/l (álc.) |
Consumo médio em cidade | 10,1 km/l (gas.)/6,4 km/l (álc.) |
Consumo médio em rodovia | 7,8 km/l (álc.) |
Melhor média | 15,6 km/l (gas.)/8,4 km/l (álc.) |
Pior média | 6,5 km/l (gas.)/3,2 km/l (álc.) |
Dados do computador de bordo |
Preços
Sem opcionais | R$ 98.990 |
Como avaliado | R$ 98.990 |
Completo | R$ 100.190 |
Preços sugeridos em 4/2/19 em São Paulo, SP |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 81 x 97 mm |
Cilindrada | 1.999 cm³ |
Taxa de compressão | 12,0:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 156/166 cv a 6.200 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 19,1/20,5 m.kgf a 4.700 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | automática, 6 |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 6,5 x 17 pol |
Pneus | 215/60 R 17 H |
Dimensões | |
Comprimento | 4,27 m |
Largura | 1,78 m |
Altura | 1,635 m |
Entre-eixos | 2,59 m |
Capacidades e peso | |
Tanque comb. | 55 l |
Compartimento de bagagem | 431 l |
Peso em ordem de marcha | 1.399 kg |
Desempenho e consumo | |
Velocidade máxima | 188 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 9,7 s |
Consumo em cidade (gas./álc.) | 10,0/6,9 km/l |
Consumo em rodovia (gas./álc.) | 11,4/8,2 km/l |
Dados do fabricante; ND = não disponível; consumo conforme padrões do Inmetro |