Reduzir as operações menos rentáveis, como parece estar por fazer a Ford no Brasil, pode não ser a melhor saída
As recentes notícias sobre a diminuição das atividades da Ford no Brasil, espelhando o ocorrido com a General Motors nos últimos 10 anos em âmbito mundial, alegando baixo retorno, fizeram-me lembrar de quando era consultor de um grupo em que havia uma rede de supermercados com 32 lojas.
Em dado momento, contratou-se uma empresa especializada em reestruturação que, com o indefectível conservadorismo, aplicou a receita padrão — que a meu ver parte de meros preconceitos como proprietário e incompetente serem sinônimos. Como sempre, pôs-se a família em um conselho administrativo e, em seguida, contratou-se um gestor profissional que, imediatamente, recebeu o título de CEO (Chief Executive Officer). Lembremos que officer, em inglês, significa funcionário, não oficial, como é usual traduzir.
Substituir operações fabris por importações pode não dar o resultado esperado, porque o mercado de importação não é o mesmo dos produtos nacionais
Na busca de mostrar serviço, o comportamento do CEO também foi padrão. Fecharam-se as lojas que não davam resultado financeiro positivo. Foram-se as lojas de Cuiabá (MT), Rio Verde (GO) e Campo Grande (MS), entre outras. O resultado foi que o poder de barganha perante os fornecedores caiu e o preço médio de aquisição subiu, fazendo com que outras lojas passassem do azul ao vermelho. Foi como em um dominó, caindo loja a loja, até que a rede se extinguisse.

Fico pensando se a Ford não está indo pelo mesmo caminho. Diminuir suas operações fabris nos mercados menos lucrativos, substituindo por importações advindas de outros com resultado financeiro superior, pode não dar o resultado esperado porque o mercado de importação não é o mesmo dos produtos nacionais. Não me refiro somente ao Brasil — isso vale para qualquer país do mundo.
Uma coisa é o consumidor final assumir o risco de comprar um produto nacional, que está sujeito às leis locais de produção e consumo; outra coisa é assumir o risco de adquirir um bem importado, cuja continuidade de produção, incluindo componentes, pode mudar de um momento para outro. É só lembrar que meu segundo Sentra, com menos de três anos de uso, teve um pneu rasgado por um rombo no asfalto e a Nissan já não importava mais o pneu do modelo original. Fui obrigado a pôr o estepe a rodar e um novo, diferente, no porta-malas.
Meses depois, rasgou-se um segundo pneu, dessa vez por um objeto cortante na estrada. Fui obrigado a pôr dois pneus de um modelo no eixo dianteiro e os originais continuaram no traseiro. Por ocasião da venda, tive de explicar muito a diferença de modelos de pneus, além de ouvir: “É… Carro importado é um problema”. Quando se fala em peças de acabamento, a coisa fica ainda pior. O fato é que partir do princípio de comportamento isonômico do consumidor consoante à origem do produto é ingênuo.
A questão do frete
Ao mesmo tempo em que se obtêm ganhos de escala nos países com produção remanescente, aumentam-se os custos de distribuição de carros e peças. Isso ocorre porque, mesmo que os custos com frete internacional tenham caído ao longo dos anos no mundo inteiro, sempre existem despesas com alfandegagem e seguro, que com a produção local são mínimos. Isso decorre do fato de que a distribuição interna não se altera, haja vista que o produto importado não chega ao cliente final pela força da mente do fornecedor. Alguém há de cobrar pelo porto seco, pela movimentação de carga no porto litorâneo e as cegonhas continuarão cruzando estradas por todo o território.
Esclarecendo a questão do frete, ele é cobrado pela relação entre peso e volume, muito mais em relação ao volume do que ao peso. É que um contêiner vazio custa tanto para ser movimentado quanto um cheio, além de impedir que o navio carregue mais peso, obrigando-o a usar água como lastro para se equilibrar. Assim, quanto mais ar transportado, mais caro é o frete. Com a queda dos valores na relação volume/peso, graças a novos navios com menor calado específico, ficou mais barato transportar bens acabados, cujo peso/volume é menor do que se forem desmontados e acondicionados densamente em contêineres.
Comprar bem é condição básica para reduzir custos de transação: ao concentrar a produção em poucas plantas, a empresa perde o poder de monopsônio
Esse fenômeno aumentou muito o comércio internacional, sobretudo de produtos acabados, multiplicando-o em valor por mais de 10 vezes nos últimos 20 anos. O resultado foi a concentração industrial onde o consumo interno gere escala que justifique. É que a exportação deve ser encarada marginalmente, enquanto o consumo interno remunera o investimento e os custos fixos.
Só que comprar bem é condição básica para reduzir custos de transação, como já discutido em outra matéria. Ao diminuir a gama de fornecedores por concentrar a produção em poucas plantas, a empresa perde o poder de monopsônio — o contrário de monopólio —, ou seja, fica muito mais sujeita ao compartilhamento de componentes com os concorrentes. Naquilo em que a exclusividade se faz obrigatória, passa a pagar mais do que antes, apesar de os custos de desenvolvimento terem caído muito com as tecnologias CAD-CAM e a impressão em 3D. É uma questão de estrutura de mercado e equilíbrio de forças entre produtores e consumidores, em que a indústria de automóveis tem seu lugar.
Tenho cá minhas dúvidas de que a escala possa mitigar a provável redução na margem promovida pela concentração espacial da produção. Primeiro, acredito em que haja uma queda na quantidade total vendida porque consumidores, mundialmente, preferem comprar produtos nacionais; segundo, porque a perda de poder de negociação junto aos fornecedores tende a fazer cair a margem unitária; terceiro, porque, tirando a China, a indústria compete pela participação num mercado estagnado.
Minha pergunta é: será que políticas excessivamente conservadoras, como a que parece estar sendo empregada pela Ford, entre outras, não é como dar um peteleco no dominó? A meu ver sim. A audácia do grupo FCA mostra que há outros caminhos para soerguer uma empresa. Na medida em que a Fiat se uniu à Chrysler e abraçou suas marcas, mais notadamente a Jeep, deu escala à produção de veículos que, antes, estavam fora de seu mercado cativo e estão no auge da moda.
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