Tudo indica que o grafeno revolucionará o mundo industrial e, em particular, a adoção da eletricidade pelos carros
Motores a vapor existiam na China desde 400 a.C., mas como brinquedo. Da mesma forma, construíram-se robôs humanoides a corda para uso em feiras e circos no século XVIII. Os motores a vapor só se tornaram úteis no século XVIII e os robôs ainda estão engatinhando no século XXI. O inglês Simon Schaffer escreveu um livro chamado O Leviatã e a Bomba de Vácuo, em que descreve a contraposição entre Thomas Hobbes e Robert Boyle a respeito de como o conhecimento do mundo que nos cerca deveria ser destrinchado e, principalmente, difundido.
O século XVII foi pródigo em cientistas brilhantes como René Descartes, Blaise Pascal, Evangelista Torricelli, Isaac Newton e tantos outros espalhados pela Europa, todos em constante comunicação. Inventaram muitos instrumentos, muitas unidades de medida, mas foram os artesãos que fizeram as máquinas. O inglês Eric Hobsbawm, em seu livro A Era do Capital, mostra que ciência e indústria só se encontrara por volta de 1835, quando os empresários se tornaram capitalistas, trazendo para a prática o conceito de maximização. Como tal, passaram a preocupar-se com otimizar a eficiência das máquinas, entregando seu projeto para os engenheiros que, por sua vez, puderam, graças à ciência, pôr em prática muito do que se tinha sonhado 200 anos antes — inclusive, e talvez principalmente, o automóvel.
Não se conseguia isolar grafeno puro e, quando se chegava perto, o material durava segundos: foram necessárias quatro décadas de pesquisa para chegar a seu esfolhamento
Estudiosos do empreendedorismo, da história das ciências e da economia vivem definindo etapas para o processo de inovação. Os voltados ao empreendedorismo simplesmente eximem o meio acadêmico do processo e atribuem a pesquisa básica às grandes empresas, o que está longe da realidade. Os historiadores relatam acontecimentos que vão do meio acadêmico até o mercado, sem se preocupar com os mecanismos. Os economistas schumpeterianos e neoschumpeterianos atribuem tudo ao instinto de sobrevivência de qualquer ser vivo, consequentemente das empresas, organizações humanas que são.
Entre as oito etapas preconizadas pelos neoschumpeterianos e as quatro dos estudiosos do empreendedorismo, fico com cinco: pesquisa básica, consagração da pesquisa, desenvolvimento de processos, desenvolvimento de produtos e popularização. Tomemos o grafeno como exemplo.
Pelos conhecimentos de química inorgânica, teoricamente, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sabia-se que o grafite poderia rearranjar-se em estruturas hexagonais como em colmeia, com a espessura de apenas um átomo de carbono. Supunha-se que esse arranjo traria grande condutibilidade elétrica e de calor, aliada a uma resistência surpreendente — só que não se conseguia isolar grafeno puro e, quando se chegava perto, o material durava segundos. Foram necessárias quatro décadas de pesquisa básica, tempo demais para qualquer empresa privada bancar, até que em 1991 os físicos Andre Geim e Konstantin Novoselov, ganhadores do Nobel de Física de 2010, isolaram-no por esfolhamento, consagrando a pesquisa.
Próxima revolução
O próximo passo é desenvolver processos de produção massiva do material, tornando-o abundante e economicamente viável, o que ainda não se atingiu plenamente. Outras pesquisas básicas, mesmo que consagradas, como a dos supercondutores, não ultrapassaram essa fase. É justamente a perspectiva industrial que permite dirigir a pesquisa para os produtos, como os nanotubos de carbono, as pastilhas de grafeno e tantos outros com inúmeras aplicações conhecidas ou por conhecer.
Na quinta etapa, produtos como baterias de grafeno, eletrocondutores e semicondutores são apresentados ao mercado, popularizando-o e incentivando sua melhoria contínua. Essa é a fase em que a humanidade se esquece de como era a vida antes disso, como aconteceu com o aço, com os polímeros e, agora, espera-se acontecer com o grafeno. É que, sem o aço e o petróleo, a indústria como conhecemos hoje não existiria e ela é toda construída em torno desses materiais.
As baterias de grafeno prometem recargas cinco vezes mais rápidas e, com nanotubos de carbono, bastariam cabos da espessura dos usados em computadores
As baterias de grafeno prometem uma densidade energética de 80 g/kW, resolvendo em definitivo o problema do peso das baterias. Os hidrocarbonetos fornecem 15 kW/l ou 66 g/kW. Motores elétricos têm eficiência próxima de 90%, enquanto os a combustão têm um rendimento térmico em torno dos 33%. Assim, pode-se deduzir que o hidrocarboneto, em trabalho, equivale a 220 g/kW e as baterias de grafeno representam 88 g/kW. O peso da fonte de energia passa a ser 40% do obtido com hidrocarboneto.
As baterias de grafeno prometem recargas cinco vezes mais rápidas que as de lítio. Injetar 100 kWh em cinco minutos em uma bateria, porém, requereria um cabo da espessura de um poste, pesando mais de 100 kg. Como os nanotubos de carbono são 250 vezes mais condutivos que o cobre, teríamos cabos da espessura dos que usamos nos computadores domésticos. Mas, como fornecer tanta energia em tão pouco tempo? Com bancos de capacitores de grafeno, é claro! Aqui não se considerou o uso dos nanotubos de carbono para o enrolamento de motores elétricos, nem sua alta permeabilidade magnética para a confecção de núcleos de bobinas, tornando-os mais leves e de fácil dissipação térmica. A coisa vai longe.
Sonhar não custa, não é? Só que o grafeno vem do matéria-prima abundante: o grafite, de que o Brasil tem mais da metade das reservas mundiais conhecidas, além de poder ser sintetizado a partir do carvão vegetal, que hoje é queimado para produzir aço. Por isso, está muito mais próximo de popularizar-se do que os supercondutores ou mesmo a fusão nuclear, que têm sido as vedetes da inovação tecnológica. Pode ser que nem tudo o que está no texto se concretize, mas a probabilidade de que grande parte disso seja corriqueira ainda neste século é muito grande, haja vista que até mesmo em indústrias menos complexas, como a produção de concreto para construção de residências, os nanotubos de carbono já foram testados com sucesso.
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