Simples ou repletos de recursos, filmes de publicidade
podem contribuir para a reputação da marca ou prejudicá-la
Anúncios comerciais de televisão — hoje, cada vez mais acompanhados ou mesmo substituídos pelos veiculados na internet — são, por tradição, uma das maneiras mais diretas para um fabricante de produtos falar com seu público. Nada mais natural, seja pelo alcance dessas duas mídias, seja pela forma como a publicidade chega ao consumidor, com recursos de áudio e vídeo que vão muito além da propaganda impressa.
Há comerciais que se fixam em nossas mentes por décadas, de forma positiva, e concorrem para formar a boa imagem da marca ou do produto. Por que isso acontece? Os especialistas em marketing terão sua explicação, mas para mim — como mero interessado no assunto, em particular quando se trata de automóveis — a fórmula para esse êxito envolve requisitos como originalidade, foco no público-alvo e a escolha de cenas, sons e mensagens apropriadas ao produto. É claro que as qualidades do carro apresentado ajudam, mas não são elas — ou só elas — que fazem um bom comercial.
O comercial da linha 1989 da Volkswagen, com a música “Isso aqui o que é”, esbanjava bom humor e descontração de um jeito bem brasileiro
Nos tempos em que o mercado nacional estava fechado às importações, os carros produzidos aqui acumulavam décadas de produção (o que ainda acontece hoje, mas em menor parcela), uma defasagem que não impedia a elaboração de grandes peças publicitárias.
Da década de 1980 (a primeira da qual poderia me lembrar sem recorrer a gravações), ficaram em minha memória comerciais como o do Chevrolet Diplomata 1987 com o maestro Diogo Pacheco, que o dirigia enquanto parecia conduzir uma orquestra — e transmitia uma imagem sofisticada, perfeita para o público que a General Motors almejava com o grande sedã. Ou o clássico de Zé Rodrix, “meu coração bate mais alto dentro de um Chevrolet”, no lançamento da linha 1988 — tão marcante que foi reinterpretado por Roberto Frejat e Edgar Scandurra, em 2010, para apresentar o Camaro.
Da mesma época é o filme da linha 1989 da Volkswagen, com a música Isso aqui o que é, que esbanjava bom humor e descontração de um jeito bem brasileiro. Como esquecer o cavalo de pau que colocava a Parati com perfeição em uma pequena vaga de estacionamento? Ou o “flanelinha” que, distraído com uma moça bonita por perto, se esquecia de avisar para o motorista cessar a manobra de ré?
Com charme e com humor
Veio a abertura de mercado, em 1990, e com ela a expansão da oferta ao consumidor, tanto com carros importados quanto com a inauguração de fábricas de novas marcas. A indústria nacional respondeu ao cenário de competição e a publicidade refletiu aquele momento. A GM fez uma bela campanha com o mote “absoluto” em 1992 para o Omega, que tinha suas partes divididas por um raio laser para mostrar cada detalhe interno ou mecânico. Em outra linha, adequada a um carro acessível, surgiu em 1994 a figura do velho ranzinza que reclamava das modernidades do Corsa — “O que há de errado com o velho e bom carburador?”.
A Fiat criou um comercial inesquecível para o lançamento da Palio Weekend, em 1997, com a música Fool Around e peixinhos que ficavam com saudades quando a família ia embora da praia com a perua. Do mesmo ano é o criativo anúncio do garoto que sonhava com uma Kombi, e não um conversível, para poder passear com muitas garotas em vez de uma só…
Ao lançar o Gol reestilizado “Geração 3”, dois anos mais tarde, a VW fez um belo filme do carro em um campo de futebol, marcando pontos a cada detalhe mostrado e, ao fim, fazendo o placar disparar até explodir quando a marca VW era destacada. E foi também em 1999 que surgiu o Mercedes-Benz Classe A nacional, com um anúncio que relembrava o sonho de infância com a marca — o garoto brincando com uma miniatura do 300 SL de “asas de gaivota”, o jovem curtindo os Mercedes nas revistas — até que, já adulto, o homem vê o compacto na concessionária e se descobre apto a realizar seu sonho.
Em um ótimo do Peugeot 206, um jovem indiano amassa seu velho sedã para deixá-lo parecido com o compacto e chamar atenção das garotas
Nos anos 2000 os comerciais buscaram variedade, desviando-se muitas vezes do foco nos atributos do automóvel, o que não impediu que boas campanhas fossem criadas. São desse período anúncios marcantes como o do Ford Focus 2009, com os funcionários da fábrica cantando Happy Together e indicando prazer em fazer o carro, e o do Citroën C4 Pallas de 2007, no qual o ator do seriado 24 Horas Kiefer Sutherland estranhava a cidade vazia, silenciosa, até perceber que ela só parecia assim vista de dentro do carro. Lá fora, o caos.
Na sempre criativa Fiat, o tema “rever conceitos” levou a algumas peças muito divertidas entre 2001 e 2003. Em uma delas um senhor reclama a uma moça que está demorando demais para ser recebido pelo presidente da empresa — na verdade é a presidente, ela própria, que ele pensava ser a secretária. Do exterior veio um ótimo comercial do Peugeot 206, no qual um jovem indiano amassa sem dó seu velho sedã para deixá-lo vagamente parecido com o compacto francês, o que o habilita a chamar atenção das garotas…
São memoráveis ainda alguns comerciais da VW com animais, como o do CrossFox criado pelos tigres e o da picape Amarok com a elefanta Korama, que simbolizava confiabilidade e companheirismo, e o do Mitsubishi Lancer com o tema da trilogia De Volta para o Futuro.
Um rol que pode ser fechado com chave de ouro por duas campanhas dignas de aplausos, veiculadas nos últimos meses: a da Ford para o Fusion, com quatro filmes na internet que mostram o duelo entre Nélson Piquet e Nigel Mansell em autódromo ao volante do sedã, e os dois comerciais da VW para o Fusca, que levam o novo besouro ao cenário dos anos 70 com direito a uma aparição do humorista Mussum. Ambas mostraram que temos no Brasil agências de propaganda de primeira linha.
Comerciais que divertiram, despertaram boas lembranças e sensações agradáveis e, por isso, marcaram época e contribuíram para a imagem dos produtos que anunciavam. Triste recordar tudo isso e ver um fabricante da estirpe da Mercedes-Benz — até então, símbolo de bom gosto, requinte e qualidade — recorrendo a um funk para atrair atenção de forma barata ao novo Classe A. O fascinante mundo da publicidade poderia passar sem essa.
P.S.: Acrescentado o do Mitsubishi Lancer, que não poderia ficar de fora da lista dos melhores (8/4).
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