A indústria sempre acrescenta recursos aos automóveis para
ampliar o conforto e a segurança, mas eu abriria mão de alguns deles
Enquanto você lê este Editorial, engenheiros de fabricantes nos quatro cantos do mundo estão pensando em que itens de conveniência e segurança poderiam ser criados para facilitar a vida do motorista, afastar o risco de acidentes ou, simplesmente, tornar mais desejados os automóveis das marcas para as quais trabalham.
Algumas vezes eles acertam e surgem ideias geniais, recursos que ganham a aprovação da crítica e do público e logo se espalham pela indústria. Outras vezes, porém, o dispositivo inventado não é tão interessante assim e acaba caindo no esquecimento — ou permanece no mercado por alguns anos sem representar, de fato, um incentivo à escolha daquele modelo.
Distinguir as boas das más ideias, nesse caso, envolve parâmetros pessoais. Como um Editorial é por definição um espaço opinativo, reuni aqui alguns itens que considero de grande utilidade e outros que, em minha opinião — e respeito quem pense de outra forma —, pouco acrescentam ao uso do carro.
Vamos primeiro aos que considero úteis, em ordem alfabética e não de importância.
• Abertura e fechamento de vidros a distância – Para mim, a abertura é essencial em um país quente como o nosso, no qual é comum o carro “tostar” ao sol por horas. Assim, nada melhor que poder abri-los antes mesmo de entrar. A abertura do teto solar no mesmo comando é útil, desde que apenas o levante: se o fizer correr para trás, a incidência solar sobre os bancos anula a vantagem da ventilação. Para o fechamento a distância não tenho uso frequente, mas é válido para evitar vidros esquecidos abertos ou a necessidade de voltar ao carro e religar a ignição ao detectar um deles.
Navegador é ótimo, mas precisa ter
um modo prático de inserção de endereço
por toque na tela ou comando de voz
• Acesso ao interior sem uso de chave – Muitas vezes chegamos ao carro com mãos ocupadas, o que torna conveniente poder destravar as portas com a chave no bolso.
• Articulações pantográficas em tampa de porta-malas – Bem melhores que os ultrapassados braços que invadem o espaço da bagagem e podem amassá-la ao fechar a tampa, caso não se reserve o espaço necessário. Uma pena que mesmo as marcas de prestígio as estejam abandonando.
• Comandos de marchas no volante – Câmbios automáticos e automatizados deveriam ter sempre a seleção manual, útil ao descer uma serra e ao dirigir com vigor em trecho sinuoso. Mas mudanças sequenciais pela alavanca não são ideais: bom mesmo é ter aletas junto ao volante para esse fim.
• Controlador de velocidade – Muito conveniente em longos trajetos em rodovias de tráfego moderado, embora elas sejam cada vez mais raras.
• Freio de estacionamento com comando elétrico – Útil, desde que a aplicação e a liberação sejam automáticas. Mas está longe em minha lista de prioridades.
• Interface Bluetooth para telefone celular – Grande criação, embora eu não seja do tipo que passa o dia falando pelo aparelho móvel. Sistemas viva-voz são uma necessidade para o uso seguro do celular ao volante e o Bluetooth tornou-se um padrão bem-resolvido para esse fim.
• Monitor de pressão de pneus – Válido, pois muitas vezes ocorre esvaziamento gradual que demora a ser notado pelo comportamento do carro. Lamentável é sabermos que, nos Estados Unidos, se tornou obrigatório para compensar o descaso de muitos motoristas com a verificação periódica.
• Navegador – Dispensa justificativas. Uma ressalva: é essencial haver modo prático de inserção de endereço, por toque na tela ou comando de voz, por exemplo. Uma vez precisei usar, com pressa, um daqueles com comando giratório para selecionar letra por letra — foi mais rápido tirar da pasta meu velho aparelho portátil com entrada por toques.
• Para-brisa com faixa degradê – Essencial em um país com tanto sol e calor, mesmo porque os para-sóis não fecham toda a área superior do vidro. Lamentável vê-la eliminada por marcas que antes a ofereciam.
• Porta-luvas refrigerado – Ótimo poder levar bebidas em uma viagem e mantê-las em temperatura agradável, mas não se consegue isso sem a extensão do ar-condicionado ao porta-luvas.
• Sensores de estacionamento – Embora me considere hábil para manobras, gosto de contar com o alerta de proximidade de obstáculos. Se houver indicação gráfica, melhor, para diferenciar a parede de trás de uma lateral, por exemplo.
• Teto solar – Apesar de nossas latitudes não serem ideais para seu uso, é agradável de usar nos horários de sol mais baixo e serve para renovar o ar (quando basculado) em uso rodoviário em temperatura amena. Por outro lado, tetos envidraçados fixos eu dispenso.
• Ventilação nos bancos – Boa ideia para um país tropical, sobretudo hoje, com os bancos de couro tornados “obrigatórios” pelo mercado em carros de padrão médio ou superior. Mais útil que o aquecimento dos bancos, que é bem mais frequente aqui, por ser necessário nos países frios de onde vêm muitos carros de luxo.
Os recursos que dispenso
E quais os dispositivos de que eu abriria mão? Vamos a eles.
• Ajuste elétrico de bancos – Vivo bem sem ele. Qual o trabalho de acionar duas ou três alavancas para regular distância, altura e posição do encosto?
• Alerta para atar cinto – Os fabricantes colocam-no porque ganham pontos no teste de impacto dos institutos NCap, mas alguns irritam de verdade com sua sineta, mesmo em manobras de baixa velocidade. Não, não vou afivelar o cinto para levar o carro da rua até a garagem.
• Alerta para cansaço do motorista – Recurso típico para quem não tem autocrítica e abusa da sorte, dirigindo com sono ou muito cansado. Dispenso um sistema que fique monitorando minhas ações para avisar o que eu deveria perceber por conta própria.
• Assistente para estacionamento – Não, obrigado. Usei em alguns modelos apenas para avaliar os sistemas. Quando precisei manobrá-los, fiz por mim mesmo.
O pneu que roda vazio não pode ser
consertado, segundo os fabricantes, o que
exige substituição por um simples furo
• Câmera traseira para manobras – Se acrescentada aos sensores de estacionamento, é um bom recurso. Mas tem sido usada sem eles, como em modelos Honda e Toyota, o que a torna muito limitada. Muitas manobras exigem atenção também aos retrovisores externos, de modo que não se deve olhar apenas para a tela da câmera (há alerta a esse respeito no aparelho). Com isso, o aviso sonoro faz grande diferença para apontar um obstáculo — ou uma criança. Entre só a câmera e só os sensores, voto nos sensores.
• Destravamento de portas por senha – Usado pela Ford, e acredito que só por ela, no Brasil. Para que serve? Alguns dizem que você pode ir à praia e deixar a chave guardada no carro. Ah, tá…
• Espelho adicional para ponto cego – Como nos EUA o retrovisor do lado esquerdo tem de ter lente plana (uma aberração legislativa, pois o convexo tem campo visual muito maior), algumas marcas aplicam um segmento bastante convexo ao espelho a fim de mostrar veículos que estariam em pontos cegos do motorista. Testei nos Fords Fiesta (não mais usado) e Fusion e não gostei: a imagem mostrada é muito pequena e não se tem noção adequada da proximidade do carro. Sem dúvida, prefiro um bom retrovisor biconvexo.
• Estepe temporário ou de medida diferente dos demais pneus – Economias que rejeito. O temporário, porque às vezes precisamos rodar longas distâncias até encontrar local apropriado para troca ou reparo do pneu danificado — quando não se trata de simples furo. O de medida diferente, porque representa pequena redução de custo em relação ao pneu de medida correta, mas fica restrito ao uso como estepe, sem poder substituir um pneu danificado ou que se gastou. De resto, quando esses estepes são usados, é comum o pneu trocado não caber no alojamento previsto.
• Massagem no encosto – Desnecessária. Se a viagem está longa a ponto de cansar as costas, é melhor parar, esticar as pernas e arejar a cabeça.
• Porta-copos – Os norte-americanos adoram. Eu não uso, salvo como depósito de chaves, moedas e outros objetos que podem ficar em locais com outro formato.
• Pneu que roda vazio – Benéfico à segurança pessoal, é verdade, por não ser preciso parar para a troca em local inseguro. O problema é que o run-flat não pode ser consertado, segundo os fabricantes, o que exige substituição por um simples furo. Aconteceu comigo em viagem com um BMW X3 e, sem loja ou concessionária nas centenas de quilômetros adiante, tive de repará-lo como um pneu convencional para ser descartado depois. Muito custo por pouca vantagem.
• Retrovisor interno fotocrômico – Entre os vários automatismos que a indústria criou, este me parece o menos útil. Ao contrário de operações como acender faróis e ajustar o ar-condicionado, o espelho interno requer no máximo uma ação à noite (passar ao modo noturno) e outra cedo (voltar ao diurno). Dispenso uma comutação automática para tarefa tão rara e simples. Em alguns casos o sensor não “pega” a luz alta do carro de trás, por haver um encosto de cabeça no caminho, e o incômodo permanece sem haver ao menos a velha chave para mudança de posição.
• Televisor e toca-DVDs – Úteis para os passageiros, mas a meu ver não se justifica tê-los no carro diante do motorista do modo que prevê a legislação, sem imagem em movimento. Sobretudo porque, como diz um amigo, todo automóvel já vem com a maior e mais importante das telas que devemos ver: o para-brisa.
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