Turbo, injeção direta, dupla embreagem, controle de estabilidade:
recursos técnicos ganham presença em carros mais acessíveis
Depois de anos de tímida evolução, a tecnologia dos carros nacionais — e daqueles importados vendidos a preços competitivos aos deles — parece afinal avançar mais rápido, reduzindo a distância que nos separa dos mercados de vanguarda ou de produtos importados de alto preço. São soluções técnicas voltadas ao desempenho, à eficiência — entendida como economia de combustível e menores emissões poluentes e de gás carbônico, CO2 —, à segurança e ao conforto que, a passos cada vez mais largos, vão-se tornando comuns nos automóveis de produção local.
É o caso do turbocompressor, lançado aqui em 1994 em um carro de série (Fiat Uno, seguido pelo Tempra, embora já existisse em picape a diesel desde o Ford F-1000 de 1990), mas visto por muito tempo como equipamento de carros esportivos. De fato, o comportamento dos motores turboalimentados dos anos 90 — incluindo o Marea de 1998 — era mesmo arisco, “tudo ou nada”. Notava-se uma pronunciada hesitação (lag) em baixa rotação ou após abrir o acelerador, pela inércia da turbina, até que os gases de escapamento a fizessem girar e, por meio do compressor, a pressão nos cilindros aumentasse. Então o motor ganhava súbita potência, forma que não agradava ao motorista comum, desinteressado em emoções fortes.
O cenário atual é bem outro: os turbos são desenvolvidos para atuação cada vez mais rápida — tem sido comum atingir o torque máximo a 1.500 rpm ou menos — e o fornecimento de potência tornou-se suave, lembrando um motor aspirado de maior cilindrada. É o que se nota em unidades como o Prince de 1,6 litro empregado por BMW, Peugeot e Citroën e o 1,4 do VW Golf e de alguns Audis.
A injeção direta é uma solução conhecida
como “10-10”, no sentido de trazer 10% de potência
adicional com mais 10% de economia média
Outra evolução em termos de motores é a injeção direta de combustível, já presente em modelos médios como Ford Focus, o citado Golf, Peugeot 308 e 408 e Citroën C4 Lounge (com motor THP). Trata-se de recurso que passa despercebido ao motorista — nota-se, quando muito, um discreto som de tec-tec em marcha-lenta que pode lembrar o de motores a diesel —, mas que se traduz em benefícios tanto ao desempenho quanto à economia e à redução de emissões. No meio de engenharia é uma solução conhecida como “10-10”, no sentido de trazer 10% de potência adicional com mais 10% de rendimento médio por litro.
Na base do mercado, o ainda importante segmento de 1,0 litro de cilindrada, a novidade não é um acréscimo, mas uma redução: motores de três cilindros ganham o espaço antes dominado pelos quatro-cilindros. Começou em carros nacionais com o Hyundai HB20, passou pelo VW Fox Blue Motion, seguiu pelo Up e chega agora ao Ford Ka — e certamente não parará por aqui. As vantagens são diminuir tamanho, peso e atritos internos do motor, com benefícios à economia, sem prejudicar potência e torque. Como não se pode ganhar sempre, a tendência do três-cilindros a vibrar desafia os engenheiros na missão de obter funcionamento suave, o que algumas marcas têm conseguido melhor que outras.
Ainda em motores, sistemas automáticos de parada e partida espalharam-se pela indústria europeia como solução de baixo custo para economizar combustível e emitir menos gás carbônico, pois o motor deixa de funcionar durante as paradas no trânsito. Nos Estados Unidos o dispositivo é menos comum, seja por questões culturais dos motoristas, seja pelo menor custo da gasolina, seja por fazer pouca diferença nos ciclos oficiais de medição de consumo (há casos como o do Porsche Panamera em que o sistema precisa ser ativado a cada partida, ao contrário do carro vendido aos europeus).
No Brasil o dispositivo ficou restrito a modelos importados até que a Fiat o adotasse na versão Evolution do Uno 2015. Seus resultados práticos ainda precisam ser constatados, pois o clima quente do País costuma implicar uso intenso do ar-condicionado, que deixa de operar enquanto o motor está desligado — em muitos casos, acredito que o motorista inibirá o sistema para manter o conforto térmico. Mas é um passo a caminho da eficiência, certamente.
Duas agem melhor que uma
Eficiência que também norteou a criação dos câmbios automatizados de dupla embreagem, tendo o primeiro deles — o DSG do grupo Volkswagen — surgido há 11 anos no Audi TT V6. Caixas automatizadas vinham em uso desde os anos 90, mas costumavam simular mal a operação de uma automática tradicional, pois o roteiro de desacoplar embreagem, desengatar, engatar nova marcha e acoplar embreagem consumia tempo, durante o qual o motorista ficava com a incômoda percepção de interromper a potência transmitida às rodas.
Para acabar com o “soluço”, a dupla embreagem mostrou-se ideal: a próxima marcha está sempre engatada, bastando desacoplar uma embreagem e acoplar a outra, sem interromper a potência de modo perceptível. Mesmo quando se pede uma redução de marcha ou duas trocas para cima, a atuação desse tipo de câmbio é rápida o bastante para eliminar o desconforto. Oferecido em carros médios como Golf e Focus, já chegou a modelos pequenos com o Ford Fiesta.
Simples em termos de equipamento, o
controle de estabilidade é precioso em sua ação
de buscar manter o carro na trajetória
Em meio às técnicas que afetam motores e câmbios, outros elementos dos carros também vêm evoluindo, como os itens de segurança. Enquanto os freios ganham funções como a assistência adicional em frenagem de emergência, aumenta a presença no mercado do controle eletrônico de estabilidade e tração. Não se trata de novidade, pois equipava em 1999 o Mercedes-Benz Classe A e apareceu em outros carros nacionais há mais de 10 anos, como Fiat Stilo Abarth e VW Golf GTI, mas só nos últimos anos o item se tornou frequente do segmento de carros médios para cima — e hoje aparece em modelos mais baratos, como Ford Ka SEL, Fiesta SE Powershift e Fiat 500.
Embora simples em termos de equipamento — usa grande parte do aparato que serve ao sistema antitravamento de freios, ABS —, o controle de estabilidade é precioso em sua ação de buscar manter o carro na trajetória, corrigindo derrapagens que poderiam afetar seu controle pelo motorista. No passado houve quem lamentasse sua interferência indesejada na condução mais vigorosa, mas esse inconveniente pode ser contornado com uma boa calibração eletrônica, como constatamos em vários modelos recentes.
Como se percebe, quem se interessa por soluções tecnológicas mais avançadas já dispõe de boas opções no mercado sem precisar alcançar os segmentos de alto preço, em uma tendência que tem tudo para se ampliar nos próximos anos. Resta saber se serão vencidos os “adeptos do óleo 20W40” — como se refere um meu amigo —, aqueles consumidores que preferem a simplicidade de uso e manutenção, mesmo que abram mão de conforto, eficiência e segurança.
Editorial anterior |