Em meio a carros que nunca vêm ao Brasil, o evento constata
uma avalanche de utilitários em detrimento de outras categorias
Para muitos de nós, aficionados por automóveis, a cada dois outubros há um programa reservado na agenda: o Salão do Automóvel de São Paulo. Para jornalistas como este editor, são dias de muito trabalho em um ambiente repleto de grandes carros; para o público, um dia — ou mais — de muita caminhada em meio a milhares de pessoas para conhecer as novidades do setor mais de perto do que permitem coberturas como a do Best Cars.
Para quem já esteve lá, o que marca a edição de 2014 de nosso maior salão?
Um dos aspectos, certamente, é a definitiva descoberta do segmento de utilitários esporte compactos pelas fábricas. Muitos (meu caso) não entendem como a primeira geração do Ford Ecosport teve vida tão fácil no mercado, correndo praticamente sozinha entre 2003 e 2011, quando surgiu o Renault Duster. É verdade que a concorrência tentou dar ares “aventureiros” a hatches como Renault Sandero Stepway e VW Crossfox, peruas como Palio Adventure (justiça seja feita, anterior ao Ecosport por quatro anos) e Peugeot 206/207 Escapade e até minivans como Citroën Aircross e Idea Adventure, mas ninguém desenvolveu um concorrente à imagem e semelhança do Ford até que viesse o Renault.
Ninguém desenvolveu um concorrente
direto para o Ecosport até que viesse
o Duster, mas agora tudo será diferente
De agora em diante, tudo será diferente. Honda HR-V, Jeep Renegade e Peugeot 2008 serão nacionalizados em alguns meses e, ao lado do já envelhecido Duster (para não falar em importados de menor volume, como Chevrolet Tracker e JAC T6), farão intensa concorrência ao Ecosport de segunda geração. Para o consumidor, nada melhor que poder escolher entre marcas, estilos e propostas variados e se beneficiar da competição entre elas.
Em outras categorias, porém, o Salão decepciona. Do lado de cá do mercado de luxo, no qual várias marcas têm mantido o catálogo Brasil em sintonia com os países de vanguarda, o evento lança apenas novas versões — Chevrolet Spin Activ, Fiat 500 Abarth — e alguns poucos modelos importados — como o citado T6 —, além de renovar de leve carros bem conhecidos, a exemplo de Fiat Bravo, Renault Fluence e VW Spacefox e Crossfox.
Categorias em extinção
Essa concentração nos utilitários esporte tem como consequência o encolhimento ou mesmo extinção de outras categorias, como as de peruas e minivans. Alegam os fabricantes que não há demanda suficiente para a renovação dos produtos, mas como manter o interesse do consumidor se as opções, há anos, andam escassas e ultrapassadas? Até hoje, um público relevante lamenta os fins da Toyota Fielder e da Chevrolet Zafira, que não tiveram sucessoras (por favor, não me venha com a Spin para tentar ocupar a lacuna deixada na linha GM).
No Salão, novas gerações da Citroën C4 Picasso e da VW Jetta Variant (agora Golf) são mostradas apenas como estudos de viabilidade de importação: boas e atraentes opções que podem não vir, o que seria uma pena. Fico me perguntando se um mercado do tamanho do brasileiro não justifica, realmente, oferecer opções a diferentes gostos e necessidades. Será que todo motorista quer sentar-se nas alturas e perder em desempenho, economia e estabilidade só para estar na “moda aventureira”?
Um mercado do tamanho do brasileiro
não justifica, realmente, oferecer
opções a diferentes gostos e necessidades?
O evento paulistano tem outra particularidade. Quando cobrimos um salão de Detroit, Frankfurt, Genebra, Paris ou Tóquio, podemos dividir os modelos apresentados entre lançamentos (carros de produção imediata ou no futuro próximo) e conceitos (estudos futuristas ou, cada vez mais comuns, versões que antecipam automóveis a serem lançados em um ano ou menos, mas o fazem de forma disfarçada).
Aqui é diferente: apesar de estarmos entre os maiores mercados do mundo, bastante relevante seja em quantidade ou em margens de lucro, criou-se a figura do “carro de exposição” — aquele em produção normal no exterior, mas que é mostrado aqui apenas para atrair público ao estande e/ou demonstrar tecnologia, sem previsão de importação. É o que ocorre com Chevrolet Corvette e Camaro Z/28, Nissan GT-R e VW Golf GTE, entre outros. O Ford Mustang só escapa dessa definição porque está prevista para 2016 sua chegada ao País, embora negada pela fábrica local.
O Salão do Automóvel de 2014 deixa, portanto, expectativas — para quem visita e para quem acompanha do lado de fora do Anhembi o mercado nacional. Do ponto de vista do jornalista, dois registros: a sala de imprensa oficial foi claramente subdimensionada e, apesar da instalação de climatizadores no pavilhão, o calor ainda incomoda. Isso nos dias de imprensa, com uma fração da quantidade de pessoas que se avoluma no evento em dias de público. É preciso, sem dúvida, procurar um lugar melhor para sediar um evento com a importância de nosso salão.
P.S. 1: Renovo as boas-vindas a Roberto Nasser, que volta a publicar no site sua coluna semanal De Carro por Aí.
P.S. 2: O volume de trabalho nas últimas semanas (primeiro com a edição de aniversário, depois com o Salão) impediu que a 17ª. Eleição dos Melhores Carros começasse hoje, 31, como eu pretendia. A previsão é para daqui a duas semanas. Aguarde!
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