
Uns vão, outros chegam — mas nesses casos os fabricantes abandonaram o cliente sem opção
Assim como todo pai espera que os filhos sigam seus melhores exemplos na vida — mesmo que a personalidade deles se reflita em diferentes escolhas —, no mundo do automóvel é habitual que um carro tenha sucessor. Acaba-se um modelo e o fabricante oferece outro em seu lugar, para que o consumidor fiel à marca continue a ser atendido. Foi o que se deu do segundo Chevrolet Corsa para o Onix, do Fiat Palio para o Argo, do Ford Escort para o Focus ou, de certa forma, da Volkswagen Spacefox para o T-Cross.
Contudo, isso não acontece sempre. Por desinteresse da marca em um segmento ou pela falta de produto adequado em seu portfólio, alguns modelos importantes em nossa história simplesmente saíram de cena sem deixar substituto. De repente, o cliente que trocava de carro sem mudar de modelo ficou órfão — e teve de recorrer à concorrência. Vamos relembrar 10 casos em ordem cronológica pelo fim de produção.
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O Omega foi uma combinação única de aerodinâmica, tração traseira, comportamento dinâmico e motores de seis cilindros em linha
• Ford Galaxie/Landau (1967-1983) – O primeiro automóvel da Ford brasileira (antes, só picapes e caminhões) foi também o último modelo de seu tamanho fabricado no País. Por 16 anos não houve competidor à altura do Galaxie em conforto e maciez de rodar, embora a linha Dart da Dodge também tivesse grande porte e motor V8. Quando o preferido de governantes e executivos saiu de linha, a Ford continuou a receber insistentes pedidos para que produzisse mais unidades. Mesmo com a importação de Taurus (1994) e Fusion (2006), a lacuna não mais se fechou.
• Volkswagen Passat (1974-1988) – O Passat não esteve entre nós até poucas semanas atrás? Sim, o sedã importado desde 1994 e que sucedeu ao Santana. Mas o Passat em questão é o fastback de primeira geração que marcou uma revolução técnica na marca, com motor arrefecido a líquido e tração dianteira, e brilhou nas estradas com o desempenho e a estabilidade das versões TS e GTS Pointer. Seu lugar foi preenchido em parte só em 1994 pelo Golf, de formato diferente.
• Chevrolet Omega (1992-1998) – Embora tenha havido a importação do Holden Commodore australiano, o Omega brasileiro entrou para a história como um grande carro sem sucessor. Foi uma combinação única de aerodinâmica eficiente, tração traseira, ótimo comportamento dinâmico e motores de seis cilindros em linha notáveis pela velocidade (o de 3,0 litros) ou pelo torque (o 4,1). Quando o australiano também nos deixou, em 2012, a GM abandonou de vez o segmento de sedãs grandes.
• Chevrolet Silverado (1997-2001) – A Silverado teve vida curta e atribulada por aqui: feita na Argentina, logo passou a ser brasileira e a ser registrada como caminhão leve para contornar a alta do dólar e os impostos. Mesmo assim, em poucos anos a GM desistia de um segmento do qual participara por meio século, incluindo as linhas 3100 “Brasil”, C-14/C-10 e série 10/20. Entregou-o para a Ford F-250, que ao sair o deixou todo nas mãos da Dodge Ram. Duas décadas depois, enfim há perspectiva de retorno da Silverado por importação.
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• Fiat Marea (1998-2007) – Desde a inauguração da Fiat em Betim, MG, em 1976, por 15 anos a imprensa anunciou que um modelo médio seria produzido aqui, do 131 ao Regata e ao Croma, até que em 1991 ganhamos o Tempra. Foi uma sucessão natural para o Marea, mas parou nele — o Linea, derivado do Punto, pertencia a um segmento inferior, hoje ocupado pelo Cronos. Como o Tipo europeu nunca chegou por aqui, hoje a linha de automóveis da Fiat é o que foi antes do Tempra: restrita a modelos compactos.
• Toyota Fielder (2004-2008) – Os brasileiros já estavam sem opções de peruas em outras marcas (como Chevrolet e Ford) quando a Toyota, combinando a frente norte-americana à traseira europeia, lançou a Fielder no Brasil. Eficiente, robusto e com os mesmos atributos do sedã, esse Corolla familiar fez uma clientela fiel. Para nosso azar, a geração do sedã lançada em 2008 não oferecia mais a perua nem na Europa — só no Japão, cuja carroceria mais estreita não era compatível com a parte dianteira de nosso Corolla. Mais um carro ficava sem sucessor.
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Das cinco gerações que a Kombi teve na Europa, qualquer uma desde a terceira representaria avanço para o mercado brasileiro, que nunca saiu da segunda
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• Renault Scénic (1998-2010) – Como criar um segmento e desprezá-lo? Fazendo como a Renault, que teve a primazia mundial e depois a brasileira entre as minivans compactas com a Scénic. Muitos foram seus fãs, mas por aqui a marca não acompanhou a renovação da similar francesa — tentou apenas importar a segunda geração em 2008 como Grand Scénic, sem sucesso. Depois dela, tudo que seu público pôde encontrar foram os SUVs Duster e Captur.
• Chevrolet Zafira (2001-2012) – Alguns podem argumentar que a GM não saiu do segmento de minivans depois dela, pois lançou a Spin, hoje isolada na categoria. O problema é que a “sucessora” nunca igualou o leque de atributos da Zafira, desde o desenho agradável até a eficaz solução de embutir os bancos da terceira fila no assoalho, passando pelo motor de 2,0 litros e até 140 cv. Não à toa, até hoje seus fãs conservam — ou caçam no mercado — os melhores exemplares que restaram.
• Volkswagen Kombi (1957-2013) – Não é que eu desejasse ver a “velha senhora” ainda à venda, com o mesmo formato básico e o padrão de (in)segurança que a caracterizaram durante 56 anos, mas a marca alemã ter abandonado uma legião de fãs é difícil de entender. Das cinco gerações que o utilitário teve na Europa, qualquer uma desde a terceira representaria avanço para o mercado brasileiro, que nunca saiu da segunda. Quem agradece são Fiat, Citroën, Peugeot e outras com furgões que, de alguma forma, atendem aos órfãos da Kombi.
• Ford Focus (2000-2019) – “Não venderemos mais hatches e sedãs quando os atuais saírem de linha”, anunciou a Ford nos Estados Unidos em 2018. Se a Europa manteve sua autonomia, na América do Sul a ordem do Norte parece ter sido seguida. E lá se foi em 2019 o Focus, após três gerações de um carro reconhecido pelo acerto de suspensão, as boas soluções internas e o desenho com forte identidade, deixando sem sucessor mais um público fiel.