Se você gosta de carro, aproveite os dias de hoje com toda intensidade: poderá sentir saudades deles
Fico entristecido quando penso que o futuro do automóvel será isso aí que leio nas revistas dos futurólogos, nem tão futurólogos assim. Isso porque nem é preciso ir tão longe no futuro para concluir que não é questão de exercício de imaginação, mas a própria realidade. Atingimos o ponto de saturação e os lugares ainda não saturados caminham em progressão exponencial para tal.
Não há mais espaço para carros em lugar algum; o carro virou um bem imóvel do tipo quitinete. É muito deprimente sentir que a máquina que eu tanto adorava parece ter se transformado em um estorvo, naqueles dias terríveis em que é impossível se mover nas avenidas abarrotadas e igualmente impossível estacionar quando se chega ao destino. Um drama.
Guiar fará parte do passado: seremos carregados por grandes artérias conectadas, onde só os credenciados da eletrônica entrarão

Quando se consegue andar com um carro, a fiscalização torna o processo policiado ao ponto de não poder vencer os 50 km/h na maioria das vias. Chatice e perseguição. E quando, finalmente, você atinge uma boa e prazerosa rodovia, não o deixam ultrapassar os 110 ou 120 km/h, naquelas de muito boa qualidade. Uma combinação horrorosa para quem gosta de dirigir: falta de espaço e excesso de regras.
Pelo visto estamos mesmo caminhando para um mundo onde guiar fará parte do passado. Seremos carregados, sentindo algo parecido com o que seria andar de ônibus, guardadas as proporções dos mimos e do conforto. Os autônomos estão aí para transformar as vias em grandes artérias conectadas, onde só os credenciados da eletrônica entrarão.
Você vai tomar seu café da manhã, escovar seus dentes, pegar sua pasta e descer para a garagem. Vai entrar no automóvel que mais parecerá uma sala de estar, sem painel, volante, instrumentos — só banco e muitas telas para seu entretenimento ou sua informação. Dirá para o aplicativo que deseja ir ao trabalho, no endereço tal. Zero ruído: como o motor será elétrico, você se sentirá zunindo montado a bordo de uma enceradeira.
O carro começará a se mover sozinho, sairá do prédio e entrará na fila que se move vagarosa e continuamente pelas ruas avenidas quando, depois de um tempo, estacionará em uma vaga qualquer determinada na garagem do trabalho. Nesse meio tempo você terá trabalhado em seu portátil usando a conexão de internet da cápsula andante, na qual se transformou essa coisa que outrora se chamava carro. Eu morrerei de tédio.
Lembra como era muito mais divertida a vida de antes? Se fosse muito, muito antes, o indivíduo só se moveria se tivesse deixado sua mula ou cavalo num bom estábulo, dado o capim em doses corretas, olhado o estado dos dentes, da sela e da carruagem pela manhã. Daí, faria uma montaria de qualidade e chegaria ao destino, com vento na cara, uma boa dor nas costas e muito estrume pelo caminho.
Logo quando basta apertar um botão para que tudo esteja perfeito para acelerar, acabou a graça: chove sopa e estamos de garfo na mão
Um tempo depois, o cidadão deveria acordar, girar a manivela do arranque, torcer para dar tudo certo e acelerar feliz da vida seus 12 ou 13 cavalos — de potência, não os animais. Décadas depois, ainda era necessário algum tempo e cuidado prévio, dando sete ou oito vezes a partida — após ter injetado gasolina no carburador e puxado o afogador —, e tomar café da manhã enquanto seu carro a álcool atingia a temperatura ideal. Sob pena de ir ao trabalho trotando um cavalo bravo, como aquele do parágrafo anterior.
Hoje, quando finalmente atingimos a perfeição técnica e o carro está pronto para trabalhar mais por nós do que trabalhamos por ele, não há mais espaço para carros. Logo quando tudo ficou bom, e basta girar uma vez a chave ou apertar um botão para que tudo esteja absolutamente perfeito para acelerar, acabou a graça. Chove sopa e estamos de garfo na mão.
Estaremos fadados a comprar carros com pouca ou nenhuma capacidade de gerar emoção, reduzindo essa pequena maravilha da mecânica à mais pífia das visões utilitaristas, movendo-se como zumbis de um lado para outro. Será que farão Ferraris, Porsches e Lamborghinis autônomos? Será que os carros de hoje ficarão fadados a trafegar em autódromos? Nós nos transformaremos em algum grupo sectário que se junta em clubes tipo Star Wars?
Ai, que tristeza sinto ao pensar no futuro do automóvel! A concluir por tudo que temos visto e lido, é bom você aproveitar. O carro tal como conhecemos hoje fará parte do passado.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars