Similar na aparência ao Mulsanne, o Turbo R resolvia seus problemas de estabilidade
com uma suspensão recalibrada, pneus mais largos e direção menos assistida
O Mulsanne Turbo, primeiro carro exclusivo da Bentley na combinação de carroceria e chassi — e não compartilhado com a Rolls-Royce — desde o Continental R de 1952, diferenciava-se pouco da versão básica na aparência: recebia apenas grade dianteira com moldura na cor da carroceria, rodas de alumínio, dupla saída de escapamento no lado direito e os logotipos Turbo. Até a medida dos pneus era a mesma, embora eles ganhassem código de velocidade mais alto (V). No interior, a distinção fazia-se pela palavra Turbo no painel, que nem mesmo nessa versão trazia conta-giros. O carro não chegou a ser homologado para venda nos EUA.
No teste da revista inglesa Autocar, seu desempenho cativou: “É um deleite maravilhoso sentir um carro tão grande empurrar-se para frente como o Bentley Turbo faz. Há um surto perceptível quando o turbocompressor realmente começa a girar, mas sem qualquer violência; o carro apenas acelera e acelera, com uma progressão acompanhada pelas trocas de marcha virtualmente imperceptíveis da caixa GM. Este é um automóvel muito rápido, em especial considerando-se seu porte e peso”.
A revista elogiou também o nível de ruído (“um típico som de V8, nunca incômodo e não tão mais alto que no carro sem turbo”) e o requinte do interior “espaçoso e bem-acabado”. Ele acelerava de 0 a 96 km/h em 7 segundos, mais rápido que o Ferrari 365 GT, o Mercedes-Benz 500 SE, o Maserati Kyalami, o Daimler Double Six SE e o Aston Martin Lagonda, mas tinha a velocidade máxima mais baixa, por haver limitador a 217 km/h. Em preço, porém, só o Aston se aproximava do Bentley, que custava três vezes o valor do Daimler e mais que o dobro do Mercedes ou do Maserati.
Mesmo fabricantes tão nobres quanto a Bentley às vezes buscam um segmento mais acessível. Em 1984 a marca inglesa apresentava o Eight — uma versão simplificada, por assim dizer, do Mulsanne para obter menor preço. Além das diferenças de acabamento interno, como a eliminação dos espelhos de cortesia nas colunas traseiras, o Eight tinha grade dianteira em tela e suspensão um pouco mais firme e não dispunha da versão mais longa entre os eixos, o que sugeria um Bentley algo mais esportivo. De início restrito ao mercado do Reino Unido, ele foi bem aceito a ponto de motivar a empresa a vendê-lo também na Europa continental e nos EUA.
Sem abrir mão do requinte e do conforto de um Bentley, o Turbo R conquistou novos
admiradores para a marca; era mais rápido para acelerar que os concorrentes
Turbo R, com R de… aderência
Embora o Mulsanne Turbo oferecesse doses generosas de desempenho associadas ao conforto tradicional desses britânicos, havia críticas ao comportamento da suspensão. No livro Bentley Since 1965, James Taylor descreve: “Lá estava o problema do carro. Não havia dúvida de que sua dinâmica desapontava. Molas e amortecedores eram inalterados do Mulsanne básico, com o resultado de que o carro flutuava. Os pneus Avon Turbospeed podia lidar com o grande peso do carro a até 217 km/h, mas sua aderência era menor do que motoristas entusiastas poderiam desejar”.
Para honrar a tradição da Bentley, a suspensão foi recalibrada com o objetivo de aumentar a resistência à inclinação da carroceria em 50%
A solução foi desenvolver um sucessor mais voltado à esportividade. Esse automóvel aparecia no Salão de Genebra de 1985 com o nome Turbo R — o significado da letra nunca foi confirmado, mas um executivo da empresa a atribuiu a roadholding, ou aderência à estrada, o que faz sentido. Esse sedã nasceu em uma época de mudanças na Rolls-Royce. O responsável pelo carro foi Mike Dunn, novo engenheiro chefe do grupo, que fora diretor de engenharia de chassi e trem de força na Ford europeia.
Dunn decidiu que, para honrar a tradição da Bentley, a suspensão do Mulsanne Turbo — praticamente a mesma do pacato Silver Spirit — deveria ser toda recalibrada, tendo como objetivo aumentar a resistência à inclinação da carroceria em nada menos que 50%. O resultado foi o emprego de amortecedores mais firmes, estabilizadores mais espessos e uma barra Panhard acrescentada ao eixo traseiro. A assistência de direção era reduzida à metade para a sensação de um carro mais “à mão”. Com rodas e pneus (255/65 R 15) mais largos, o conjunto mudou por inteiro o padrão de rodagem em relação ao do Mulsanne. Pela primeira vez em décadas, um Bentley gostava de fazer curvas.
Mostrado com os faróis circulares adotados em 1989, o Turbo R passou por evoluções
discretas com o tempo, como injeção, caixa de quatro marchas e aumento de velocidade
O Turbo R posicionava-se na linha de quatro modelos da marca entre o Mulsanne básico (similar ao Silver Spirit) e o Continental (equivalente ao Corniche da RR). Seu motor era o mesmo do Mulsanne Turbo, mas a tomada de ar e o defletor sob o para-choque dianteiro, somados às rodas diferenciadas, traziam um leve toque esportivo ao carro ainda conservador. Entre os opcionais estavam teto revestido de vinil Everflex, mesas de piquenique — de madeira, claro — atrás dos encostos dianteiros, minigeladeira no porta-malas e porta-bebidas no console. Apesar da intenção de manter as duas opções em paralelo, a adesão dos compradores à novidade fez com que o Mulsanne Turbo saísse de produção em poucos meses.
A revista Automobile dos EUA definiu em 2009 o que o Turbo R representou a seu tempo: “Ele não foi o primeiro Bentley com turbo, mas foi o mais bem-sucedido. Embora haja modelos mais rápidos e refinados na marca depois dele, poucos tiveram tanto caráter. Os números contam: 96 km/h chegavam em 6,7 segundos — quase a aceleração de um supercarro da época. Quase todo o torque de trovão do V8 estava disponível desde a marcha-lenta. Mais importante era o fato de que o Turbo R parecia um verdadeiro Bentley. Diante de seu volante, a mística da marca começava a fazer sentido. Era um carro com o poder de converter pagãos, e sinalizou o início do retorno da Bentley”.
Comparado ao Mercedes-Benz 500 SEL pela revista inglesa Motor, o Turbo R foi mais rápido em acelerações e retomadas de velocidade, como ao passar de 0 a 96 km/h nos citados 6,7 segundos contra 8,1 s do alemão. “Dinamicamente, a questão é facilmente resolvida. Mesmo sem freios ABS, o Bentley vence por uma reta de Mulsanne. O desempenho é sensacional, a estabilidade excelente, o comportamento está ao nível do Mercedes. O que realmente lhe falta é um refinamento de topo de classe, em especial na suspensão. Então, você tem o Bentley para o prazer do motorista e o Mercedes pelo conforto”, concluiu a revista.
A imprensa aprovou as modificações que resultaram no Turbo R, elogiado como
um carro de luxo com tradição, forte identidade e comportamento esportivo
O modelo 1987 trazia como novidades injeção eletrônica, os esperados freios com sistema antitravamento (ABS) de série e a remoção do limitador de velocidade a 217 km/h. Na Alemanha a empresa agora anunciava 328 cv, aumento de 30 cv sobre o antigo motor com carburador. O teste da Autocar apontou 0-96 km/h no mesmo patamar de antes (7 segundos), tendo a maior potência sido compensada pela relação final 15% mais longa. Mesmo assim, o Turbo R foi elogiado: “Não há indício de retardo do turbo. O motor exibe uma silenciada, mas sincera, pulsação reminiscente dos ‘carros musculosos’ norte-americanos de uma geração atrás. Mas há tanta potência à mão a, digamos, 190 km/h — que representam apenas 3.400 rpm — que cruzar estradas é tão relaxante quanto poderia ser”.
Em um sentido amplo, a concorrência era formada pelo Bristol Brigand Turbo, o Ferrari 412, o Mercedes-Benz 560 SEL, o Porsche 928 S4 e os já conhecidos Lagonda e Double Six. Em aceleração o Bentley perdia apenas para o Bristol (o mais rápido) e o Porsche. A conclusão da revista foi: “Carros tão competentes quanto ele podem ser comprados por metade do preço, mas dirigir um automóvel desse confere benefícios, sobretudo na forma como se é tratado ao chegar”.
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Nas pistas
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Para quem imagina que a tradição da Bentley nas competições ficou no passado — embora fosse retomada nos anos 2000 com o retorno a Le Mans, incluindo uma vitória em 2003 —, a versão de corridas do Turbo R pode ser uma surpresa. O modelo 1990 das fotos foi modificado pela Phantom Motors, de Crondall, Surrey, para ser pilotado pelos irmãos Simon e Stuart Worthington. Outras poucas unidades teriam seguido o mesmo caminho.
O motor V8 de 6,75 litros com dois turbos fornecia potência declarada de 530 cv, transmitida a uma caixa manual sequencial com comando no console. Molas e amortecedores bem mais firmes, freios Alcon e redução de peso da ordem de 500 kg contribuíam para o comportamento dinâmico, enquanto o interior ganhava bancos do tipo concha, novo volante, mais instrumentos e uma estrutura para proteção em capotamento. O Turbo R das fotos obteve uma vitória em Silverstone, em 2004, e participou de provas para carros antigos do encontro anual do Bentley Drivers Club.
Para ler
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Bentley Since 1965 – por James Taylor, editora Crowood. O livro de 2012, com 192 páginas, cobre os bons e maus momentos por que a marca inglesa passou nas últimas décadas, da série T dos anos 60 à recente linha Continental. Tem informações técnicas, dados sobre edições especiais e a atuação nas pistas.
Bentley: A Legend Reborn – por Graham Robson, editora Haynes. Publicada em 2010, a obra de 184 páginas abrange toda a história da empresa desde 1921 até a atual fase sob o guarda-chuva do grupo Volkswagen.
Rolls-Royce and Bentley: The Crewe Years – por Martin Bennett, editora Haynes. A fase em que as empresas produziram carros na cidade de Crewe é abordada em um grande livro de 480 páginas, cuja terceira edição foi lançada em 2012. O autor edita publicações sobre Rolls e Bentley na Austrália.
The Rolls Royce Motor Car – And the Bentley Since 1931 – por Brendan James, Anthony Bird e Ian Hallows, editora Batsford. Mais antigo (2003), o livro de 432 páginas já está na sexta edição. Propõe-se a trazer dados detalhados de cada modelo, desde o primeiro Rolls de 1904 e do Bentley de 1931 até o período recente.
Rolls-Royce and Bentley: Classic Elegance – por Paul W. Cockerham, editora New Line Books. Duas das marcas mais renomadas em carros de luxo estão em um pequeno livro de 80 páginas, publicado em 2005.
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