Responsável por tornar seus esportivos mais acessíveis, ele lançou o padrão visual que até hoje domina esses ingleses
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Todo fabricante tem seus marcos em termos de estilo, modelos que introduzem padrões visuais a serem estendidos a outros modelos. Foi assim com as formas angulosas do primeiro Volkswagen Passat em 1973, os faróis carenados do BMW Série 3 E36 em 1990, as linhas fluidas do Jaguar XF em 2007. O mesmo se deu com o DB7 na linha da inglesa Aston Martin.
Foi uma revolução quando o DB7 apareceu como carro-conceito, no Salão de Genebra em março de 1993 — e não só pelo retorno das iniciais do fundador David Brown, fora de uso desde 1972, que denominaram Astons marcantes como DB4 e DB5, o carro do agente secreto James Bond. O imponente padrão de desenho da Aston vigente na época, com a série V8 Vantage/Virage, seguia formas retilíneas que refletiam tendências de quando a linha chegara ao mercado, em 1977.
Uma grande mudança era planejada desde 1987, quando a Ford assumira parte da marca em um processo que se completaria após oito anos. A nova empresa-mãe representava expressiva injeção financeira e o acesso a recursos de engenharia, desenvolvimento e testes nunca antes acessíveis pela marca. Embora à Aston Martin estivesse reservado o topo da hierarquia do grupo em termos de carros esportivos, haveria compartilhamento de plataformas, motores e sistemas com a Jaguar, também britânica e sob controle da Ford.
Evolução de um projeto da Jaguar, o DB7 estreava formas e padrões de estilo que seriam duradouros na marca, caso da grade dianteira
O projeto XJ-41 ou F-Type da marca do felino, abandonado na década de 1980 (e cujo nome reapareceria em um carro-conceito em 2000 e no modelo de produção em 2013), foi o ponto de partida para o novo grã-turismo. Ele seria baseado na plataforma do XJ-S e usaria um motor derivado do AJ6 do mesmo cupê e do sedã XJ6, embora com bloco inédito. Mais tarde a Jaguar ganharia sua derivação do projeto, o XK8.
O DB7 Vantage fazia a estreia do motor V12 de 5,9 litros com tecnologia Cosworth, que com evoluções ainda move os carros da marca
Posicionado abaixo dos modelos V8 na linha, o DB7 visava a um importante crescimento de mercado: de 100 carros por ano vendidos com prejuízo, a Aston Martin buscava alcançar 1.200 a 2.000 exemplares anuais em operação lucrativa. Para atingi-los o carro teria de ser não só mais acessível — custaria metade de um Virage ou Vantage V8 —, mas também sedutor aos olhos. A tarefa de desenhar suas linhas curvas, quase sensuais, coube ao jovem escocês Ian Callum (que trabalhara no estúdio italiano Ghia, outra propriedade da Ford) a partir do desenho elaborado por Keith Helfet para a Jaguar.
Callum teve êxito na missão de adaptá-lo ao estilo da Aston Martin. Lançado em setembro de 1994, o DB7 ostentava uma longa frente com quatro faróis circulares atrás de carenagens, estilo que já foi comum em carros esporte, e uma grade longa e baixa que duraria mais de 20 anos — ainda hoje a marca usa uma variação desse tema, que acabou transposto para modelos da Ford. A linha suave de teto encerrava-se na traseira longa e baixa.
Interior sofisticado, 2+2 lugares, motor de seis cilindros com compressor, 340 cv
No interior, o DB7 mantinha o padrão de formas curvas e suaves e esbanjava requinte no acabamento, com farto uso de couro e madeira. O painel com seis mostradores adotava fundo branco, tendência na época (como no primeiro Dodge Viper), e o volante tinha quatro raios. A alavanca de freio de estacionamento, junto à soleira da porta do motorista, liberava espaço sobre o console central. Com 2+2 lugares, o cupê media 4,65 metros de comprimento, 1,83 m de largura, 1,24 m de altura e 2,59 m de distância entre eixos e pesava 1.750 kg.
A carroceria de aço — não de alumínio, como em Astons anteriores — era parte do esforço para reduzir custos, mas para-lamas dianteiros, saias laterais e tampa do porta-malas feitos de compósito contribuíam para menor peso. O motor dianteiro de seis cilindros em linha e 3,2 litros tinha bloco de alumínio, duplo comando, quatro válvulas por cilindro e compressor Eaton do tipo Roots e produzia potência de 340 cv e torque de 50 m.kgf.
A fábrica anunciava velocidade máxima de 265 km/h e aceleração de 0 a 96 km/h em 5,8 segundos com a transmissão manual da Getrag alemã de cinco marchas (uma automática General Motors de quatro marchas era opcional). As suspensões independentes usavam braços sobrepostos à frente e atrás e os freios eram a disco nas quatro rodas, ventilados à frente. Rodas de 18 polegadas recebiam pneus 245/40. A tração era traseira.
A versão conversível Volante aparecia após dois anos com suspensão mais macia
O DB7 não era produzido na fábrica tradicional de Newport Pagnell, que fazia os modelos V8 em lento e oneroso processo artesanal: a Aston recorreu à unidade de Bloxham, da qual saíra o supercarro Jaguar XJ 220, com carrocerias enviadas pela Motor Panels de Coventry. Motores vinham de Kidlington, mesma cidade da TWR de Tom Walkinshaw, que havia colaborado com a engenharia do projeto.
Na avaliação da norte-americana Motor Trend, o DB7 foi elogiado pelo acabamento luxuoso, o desempenho e o som cativante: “Em baixas rotações ele parece um motor de grande cilindrada. De 2.000 a 3.000 rpm, lembra a suavidade de um rotativo Wankel, mas com torque de V8. De média rotação para cima, a aceleração a fundo desencadeia um uivo sinistro e o motor soa como se tivesse inalado ar profundamente, com pulmões quase explodindo, e em seguida jorrado para fora”.
Ao colocar o DB7 entre os carros mais relevantes da década de 1990, a inglesa Octane escreveu em 2014: “Foi o primeiro Aston moderno, o primeiro para o qual os avaliadores não precisavam dizer ‘cheio de caráter’ para não usar ‘truculento’. Foi o primeiro que você poderia considerar como transporte diário. Ao mostrar que um Aston da nova era e produzido em volume poderia vender e dar lucro, o DB7 criou fundações para tudo o que se seguiria”. E não só: “Ali estava um GT inglês que poderia disputar com o Porsche 928 e o BMW 850i, referências em GT de alto desempenho abaixo de 80 mil libras”.
Edições especiais mantiveram o DB7 atraente até que viesse um novo motor, o V12
A versão conversível, chamada Volante dentro da tradição da marca, era acrescentada à linha no Salão de Detroit de 1996. A capota macia tinha acionamento elétrico e a suspensão vinha mais macia que no cupê, mas o espaço para pernas no banco traseiro praticamente se extinguia. Uma reforma do interior na mesma época adotava novos bancos, volante regulável também em distância (antes, só em altura) e bolsas infláveis frontais.
Nos anos seguintes o DB7 aparecia em edições especiais, a começar pela GTS (1996 a 1998), cupê e conversível com moldura amarela na grade, rodas no tom da carroceria, volante de madeira e escapamento esportivo. Depois vieram a Alfred Dunhill Edition (1998), com 150 unidades em cinza-platina; a Neiman Marcus Edition (mesmo ano), com 10 carros pretos para o catálogo de Natal de mesmo nome; a Stratstone Edition (1999), com nove cupês e 10 conversíveis em preto; e a Beverly Hills Edition (mesmo ano), com seis unidades em azul.
Se com seis cilindros o DB7 era bom, como ficaria com o dobro? A Aston Martin revelava no Salão de Genebra de 1999 sua versão Vantage, que fazia a estreia do motor V12 de 5,9 litros e quatro válvulas por cilindro, obtido pela fusão de dois Duratecs V6 do Ford Taurus e dotado de tecnologia Cosworth — tradicional na Fórmula 1 — na construção com ligas de alumínio. Com o devido desenvolvimento, é o motor que move os carros da marca até hoje.
Com 426 cv e 55,1 m.kgf, podia ser associado a uma transmissão manual de seis marchas ou uma automática ZF de cinco e trazia ganho expressivo de desempenho: o cupê acelerava de 0 a 96 km/h em 4,9 segundos e alcançava 296 km/h, embora fosse limitado a 264 km/h com a caixa automática, que oferecia botões no volante para mudanças manuais. Além de rodas de 18 pol com pneus 245/40 na frente e 265/35 na traseira, a versão V12 trazia reforços estruturais, suspensão revista, grade ampliada e novos para-choques.
Com 5,9 litros e 426 cv, o 12-cilindros revitalizava o DB7 Vantage no modelo 2000
Como habitual, todo esse desempenho vinha associado a requinte e conforto no interior, que oferecia sistema de áudio Kenwood e opções como navegador por satélite, jogo de malas adaptadas ao carro, porta-guarda-chuva e a troca do banco traseiro por mais espaço para bagagens. Um botão de partida no console acionava o motor. O modelo de seis cilindros manteve-se em produção reduzida por pouco tempo.
A Car and Driver comparou um Vantage Volante ao BMW Z8 e ao Ferrari 360 Spider: “A fórmula é tradicional britânica: motor dianteiro, construção sólida, acabamentos de qualidade. Este conversível tem potência e exuberância para competir com os melhores. É pesado, mas pode ir a 96 km/h em 5 segundos, mesmo com transmissão automática. Seu conforto de marcha é superior ao dos outros carros. O ponto alto do DB7 é alta velocidade: cruza sem esforço a mais de 190 km/h, estável como uma rocha. Ele seria nossa escolha para uma viagem de 1.600 km pelo continente europeu”.
Revisões técnicas e de estilo vinham em 2002 com o DB7 GT (ou GTA no caso da transmissão automática); o V12 passava a 441 cv e 56,1 m.kgf com caixa manual, os freios adotavam discos Brembo e havia evoluções na suspensão. Por fora, o GT e o GTA distinguiam-se do anterior pela grade em tela, saídas de ar no capô, novas rodas e defletor na tampa do porta-malas, enquanto o interior recebia apliques de fibra de carbono como opção.
No GT, mais potência e freios Brembo; o estúdio Zagato fez dois modelos especiais
O Vantage também ofereceu edições limitadas: em 2002 houve a Keswick Limited Edition, em preto; no ano seguinte a Jubilee Limited Edition, com 50 carros azuis para comemorar 50 anos de reinado da Rainha Elizabeth II, e a Anniversary Edition, com 33 exemplares azuis para encerrar a fabricação do modelo. Foram feitas ainda a versão de corridas GT com auxílio da Prodrive (conhecida por fazer os Subarus de rali) com vistas a uma categoria monomarca, que não se concretizou.
O DB7 rendeu ainda duas carrocerias especiais. O DB7 Vantage Zagato de 2002, em 100 unidades, foi elaborado pelo estúdio italiano — “pai” do clássico DB4 GT Zagato de 1961 — com novo desenho de Henrik Fisker e Andrea Zagato, construção em alumínio e chassi encurtado 60 mm entre eixos e 211 mm no total. Acabamento interno, freios e suspensão também eram refeitos. O Zagato não estava homologado para venda nos EUA, o que levou o estúdio a criar o AR1 (American Roadster 1). Elementos de estilo do cupê especial eram aplicado ao conversível, mantendo as dimensões originais do chassi e o motor V12. Foram produzidos 99 carros.
A fabricação do DB7 encerrava-se em 2004 após cerca de 7.000 exemplares, o Aston Martin de maior volume até então. Deu lugar ao DB9, também longevo e um dos vários modelos da marca a reinterpretar as linhas do pioneiro grã-turismo.
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