
O primeiro carro nacional da marca surpreendeu pelo formato e trouxe boas soluções, mas ficou longe do sucesso esperado
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Reconhecida desde a década de 1920 por automóveis luxuosos e esportivos, a Mercedes-Benz por longo tempo flertou com o segmento de carros compactos. Em 1980 apresentava o conceito Nafa (sigla em alemão para veículo de curta distância), um minicarro de 2,5 metros de comprimento com motor de 1,0 litro, portas corrediças, transmissão automática e até rodas traseiras esterçantes. Anos depois, no Salão de Frankfurt de 1993, o estudo Vision A 93 mostrava em 3,35 metros e um perfil alto o caminho a ser seguido pelo Classe A. O capô proeminente, porém, seria descartado.
O projeto não foi mantido em segredo, pelo contrário: jornalistas puderam dirigir protótipos já em 1994 e, um ano depois, o conceito do interior era mostrado ao público. A Mercedes anunciava em 1996 que o Classe A seria produzido também no Brasil, em nova fábrica em Juiz de Fora, MG, e iniciava na Europa suas campanhas publicitárias.
O formato monovolume já estava no diminuto Nafa de 1980, mas o capô ficou saliente no Vision A 93, que antecipou em boa parte o Classe A, quatro anos antes
O Classe A apareceu em março de 1997 no Salão de Genebra, com vendas iniciadas dois meses depois, e causou sensação. Com 3,60 metros de comprimento, era 90 centímetros mais curto que o sedã Classe C, então o menor dos Mercedes, mas a altura de 1,59 m superava a desse modelo em 17 cm. Apesar do formato monovolume, sem um capô destacado da carroceria, não se tratava da arquitetura de minivan, que a Renault Scénic havia trazido a uma faixa de menor porte: em vez de destinar a altura adicional à cabine, os alemães haviam adotado a “construção sanduíche”, elevando o assoalho.
O principal objetivo da técnica era criar uma zona de absorção de impactos laterais, mantendo os ocupantes protegidos em posição mais alta. Foi possível também programar o conjunto motor-transmissão para se deslocar para baixo em caso de colisão frontal, sem atingir os passageiros. O “sanduíche” não era a única inovação do primeiro Classe A, de código interno W168, dentro da marca.
Modularidade interna era um ponto alto do Classe A; o volante ficava mais à vertical; a estabilidade teve problemas e foi alvo de correções logo após o lançamento
No interior amplamente modulável, o banco traseiro e (como opcional) o do passageiro da frente podiam ser removidos, deixando o carro com um, dois, três, quatro ou cinco lugares. A capacidade de bagagem de 390 litros crescia então para 1.340 litros, com bancos rebatidos, ou 1.740 litros com sua retirada. A quinta porta era de plástico, assim como os para-lamas dianteiros, que voltavam à forma original após pequenas deformações. Os faróis tinham unidades de neblina na mesma peça.
No teste de manobras evasivas, o Classe A capotou e exigiu medidas urgentes, como adoção de controle eletrônico de estabilidade e recalibração da suspensão
O Classe A trazia novos motores, pelo menos 25% mais leves que os disponíveis na marca até então. No lançamento oferecia as versões A140 de 1,4 litro (potência de 82 cv) e A160 de 1,6 litro (102 cv) a gasolina, seguidas por A160 CDI e A170 CDI com o turbodiesel de 1,7 litro (60 e 90 cv, na ordem). A transmissão automática, adicionada em 1998, era a mais curta e leve com cinco marchas na produção mundial. Como alternativa, o sistema AKS combinava operação automática da embreagem, sem o pedal correspondente, à caixa manual.
E então veio o alce — não o animal, mas o teste de manobras evasivas sem frenagem com carga total no carro, promovido pela revista sueca Teknikens Värld. O Classe A capotou e exigiu medidas urgentes da Mercedes. Após anunciar a adoção de controle eletrônico de estabilidade e tração de série, até então restrito a carros de luxo, a fábrica recalibrou molas e amortecedores, reviu a altura de rodagem e alterou os pneus, mudanças aplicadas aos 2.600 carros já vendidos.
Entre-eixos 17 cm maior vinha em 2001, junto de alterações visuais; o A210 Evolution, com 140 cv e máxima de 203 km/h, era o mais potente Classe A de série dessa geração
Uma potente versão conceitual aparecia em novembro de 1998: o A190 Twin, com dois motores de 1,9 litro (um dianteiro, outro abaixo do porta-malas) que somavam 250 cv, tração integral e aceleração de 0 a 100 km/h em 5,7 segundos. O estudo trazia para-lamas alargados, rodas de 18 pol e anexos aerodinâmicos. Um desses motores podia equipar o A190 de série, lançado em junho de 1999, com 125 cv para 0-100 em 8,8 segundos.
O Classe A passava por uma remodelação em março de 2001 com novos faróis, para-choques, console central e materiais internos. Uma versão com mais 17 cm na distância entre eixos, para comprimento para 3,78 metros, trazia amplo espaço aos passageiros de trás e maior conforto de rodagem. O banco traseiro com ajuste longitudinal podia ampliar a capacidade de bagagem para 470 litros.
Conceitos: o A190 Twin (fotos de cima), com dois motores para 250 cv e tração integral, e os estudos Necar 3 e Necar 4, que usavam pilha a combustível com hidrogênio
Os motores 1,7 turbodiesel passavam a 75 e 95 cv e surgia a opção de bolsas infláveis de cortina. Em março de 2002 aparecia o A210 Evolution, com 140 cv e torque de 20,9 m.kgf na unidade de 2,1 litros, o bastante para 0-100 em 8,2 segundos e máxima de 203 km/h. Ele vinha com rodas de 17 pol e bancos com couro e camurça sintética. O Classe A atingia um milhão de carros produzidos em setembro de 2003. Seis meses depois, dava lugar à segunda geração.
Ele foi usado para desenvolvimentos de pilha a combustível, que usa hidrogênio para obter eletricidade. O Necar 3 (New Electric Car, novo carro elétrico) surgiu em 1997 com motor elétrico de 61 cv e autonomia de 400 km. O hidrogênio era produzido no carro a partir de metanol. O Necar 4 passava a 75 cv e 450 km, abastecido com hidrogênio, e o Necar 5 voltava ao sistema do 3, mas integrado ao “sanduíche” do assoalho. Em 2004 a Mercedes colocava 60 unidades da versão F-Cell em testes em quatro países com motor elétrico de 88 cv e autonomia de 150 km.
Próxima parte
Com os A160 Classic e Elegance, a Mercedes inaugurava a produção de carros no País; desenho e interior seguiam os do alemão e havia bom aparato de segurança
O Classe A no Brasil
Lançado em março de 1999, o A160 foi o primeiro automóvel fabricado no País pela Mercedes, que desde a década de 1950 fazia caminhões e ônibus. Ele estreava em versões Classic e Elegance (mais luxuosa), com motor de 1,6 litro, duas válvulas por cilindro, 99 cv e 14,8 m.kgf. O desenho externo e interno seguia o do modelo alemão, embora com supressão de opções como o teto solar.
O Classic era simples, com ar-condicionado opcional, mas ambos tinham notável conteúdo de segurança de série: controle de estabilidade e tração, freios com sistema antitravamento (ABS) e assistência adicional em frenagens de emergência, bolsas infláveis frontais. Entre as conveniências havia ar-condicionado automático, indicador de revisões e trocas de óleo de acordo com o estilo de condução, travamento automático das portas ao rodar e retrovisor esquerdo biconvexo. O Elegance podia ter bancos e volante de couro e toca-CDs para seis discos.
Em avaliação de 2001, o Best Cars opinou: “A posição de dirigir em nada lembra as minivans a que muitos comparam o Classe A. O volante fica perto da vertical e o banco pode ser bem abaixado. O espaço surpreende no sentido longitudinal, dado o comprimento do carro. Os bancos são tipicamente alemães, bem firmes. A distribuição de torque e a suavidade de funcionamento do motor fazem prodígios para a cilindrada, deslocando bem o carrinho de 1.085 kg”.
O Classe A ganhava desempenho com o A190 de 125 cv, dois anos depois; em seguida a Mercedes o oferecia com caixa automática de cinco marchas
Aprovamos também a embreagem automática, “que a marca insiste em chamar de câmbio semi-automático, gerando confusão. Com precisão impecável, o sistema chega a segurar a embreagem por instantes em reduções agressivas de marcha, aquelas que elevariam em muito o regime de giros. No uso urbano, é uma enorme conveniência. Nas saídas em aclive o pé esquerdo fica livre para dosar o freio”. A estabilidade era um destaque: “Pôde ser arremessado nas curvas. Foi preciso abusar do volante para que o controle de estabilidade atuasse. Poderia ser melhor a absorção de impactos e irregularidades, mas é um compromisso difícil diante da altura da carroceria, que exige uma suspensão mais firme”.
“A posição de dirigir em nada lembra as minivans a que muitos comparam o Classe A: o volante fica perto da vertical e o banco pode ser bem abaixado”, observou o Best Cars
O motor de 1,9 litro aparecia em 2000 no A190, disponível nas mesmas versões. A potência crescia para 125 cv e o torque passava a 18,4 m.kgf. “Percebe-se boa distribuição de torque por todos os regimes. A maciez de funcionamento continua um ponto alto”, analisou o Best Cars. Esse Classe A acelerava de 0 a 100 km/h em 9,4 segundos, com máxima de 190 km/h, e trazia relações de marchas mais próximas entre si para maior agilidade, sendo a quinta encurtada em 19%.
A alteração de transmissão era estendida ao A160, o que melhorava a retomada em marchas altas, ao custo de maiores consumo e ruído em rodovia. O motor passava a 102 cv e 15,3 m.kgf. A edição especial Spirit, um Classic com mais equipamentos, vinha em 2001 com base no A160 e depois no A190. A transmissão automática de cinco marchas chegava em 2002 com operação manual, programa de inverno (útil para pisos de baixa aderência) e adaptação ao modo de dirigir do motorista. Apesar do prejuízo à aceleração (o 0-100 passava de 9,4 para 10,7 segundos), até melhorava o consumo em rodovia.
Apesar dos bons motores e detalhes úteis como o limitador de velocidade, o Classe A teve pouco sucesso aqui: não alcançou em seis anos o que deveria vender em um
“O funcionamento da transmissão é dos mais suaves e eficientes. A rapidez com que se tira o pé do acelerador determina se a marcha atual será mantida, para gerar freio-motor, ou se uma superior será aplicada, para aproveitar a inércia do carro. A operação manual deixa pouca autonomia ao motorista: não se consegue retomar em marcha alta com o acelerador a fundo (condição de menor consumo), o que provoca redução”, observou o Best Cars. Outras novidades eram controlador e limitador de velocidade, este o primeiro em carro nacional.
A caixa automática tornava-se padrão no A190 Elegance para 2003, enquanto o A190 Avantgarde aparecia com detalhes externos e internos mais esportivos. O Classic podia ter ambos os motores e mantinha a opção de embreagem automática. Depois disso, o Classe A 2004 ganhava repetidores das luzes de direção nos retrovisores, em vez dos para-lamas, e o modelo 2005 tinha novos para-choques.
O pequeno Mercedes nacional saía de produção em agosto de 2005 após 63,4 mil unidades. Ficou longe do sucesso esperado pela marca: o acumulado de seis anos não atingiu 70 mil unidades, a meta anual de vendas na América Latina. À parte questões culturais e a fama de manutenção complexa e onerosa, foi prejudicado pela alta de quase 50% da cotação do dólar no começo de 1999, que afetou o custo dos muitos componentes importados e o afastou da faixa de preço prevista.
Mais Carros do Passado