A linha de sedãs e cupês grandes teve no motor V8 de 5,2 litros — o maior dos carros nacionais — um de seus destaques
Texto: Fabrício Samahá* – Fotos: divulgação
Em um tempo em que os maiores sedãs produzidos no Brasil são carros médios com motor de quatro cilindros e 2,0 litros, pode ser surpresa para muitos que, meio século atrás, nosso mercado recebesse um automóvel de oito cilindros com cilindrada de 5,2 litros — a maior já vista em um modelo nacional. Lançado em outubro de 1969, o Dodge Dart deu origem a uma família de grandes sedãs e cupês que deixaram saudades em seus admiradores.
A Chrysler Motor Corporation, fundada nos Estados Unidos em 1925, chegou ao Brasil em 1949 por meio da empresa Brasmotor, que montava seus automóveis importados em regime CKD (completamente desmontados) e um ano depois faria o mesmo com o Volkswagen. Em 1958 instalava-se no País uma subsidiária da Simca francesa, da qual 25% pertenciam à Chrysler, para produzir o Chambord e seus derivados.
A empresa era absorvida em agosto de 1967, o que fez surgir a Chrysler do Brasil S.A., com sede no quilômetro 23 da Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, SP, de frente à Volkswagen. Após manter por mais de 10 anos a fabricação dos modelos Simca, a subsidiária brasileira optou pela introdução da marca Dodge. Antes mesmo que chegassem ao mercado os novos Esplanada, Regente e GTX, em abril de 1968, foi aprovado o investimento para a produção de caminhões Dodge e o projeto de desenvolvimento e fabricação dos automóveis Dart.
O motor V8 de 318 pol³ ou 5,2 litros fazia valer seu destaque na publicidade do primeiro Dart: com 198 cv brutos, era o carro nacional mais potente até então
A linha Dart contava com 10 anos de história nos Estados Unidos, onde era um dos modelos mais populares da marca. O sedã brasileiro, similar ao norte-americano, era apresentado em versão de quatro portas e acabamento único, equipada com motor V8 de 5.212 cm³ (318 polegadas cúbicas) e potência bruta de 198 cv. Ele inaugurava uma nova faixa de mercado, localizada abaixo do Ford Galaxie 500 e acima do Chevrolet Opala 3800.
O grande sedã, de 4,96 metros de comprimento e 1.500 kg de peso, era cerca de 20 centímetros mais longo que o Esplanada, mas tinha apenas 2,5 cm a mais na distância entre eixos. O interior trazia bancos de três lugares cada, painel bem-equipado (incluindo manômetro de óleo e voltímetro, mas não conta-giros) e recursos interessantes como a iluminação do miolo de ignição para inserção da chave, que se acendia ao se abrirem as portas e se apagava meio minuto após seu fechamento.
O Dart oferecia o motor mais potente entre os carros nacionais até então, com 198 cv brutos e grande torque, além de se revelar um dos mais duráveis e robustos
Era fácil gostar do Dart à primeira vista, por suas linhas retas e imponentes com cantos vivos, grade larga e pela traseira com vidro côncavo, que parecia encravado na carroçaria. Os passageiros tinham bom conforto, embora o espaço interno não fosse tão grande como o aspecto do carro fazia supor, e havia um amplo porta-malas. O acabamento, entretanto, deixava a desejar com excessivo ruído de vento, má vedação contra poeira e água e fechamento deficiente do capô — que não trazia comando interno da trava, facilitando furtos ou vandalismo.
Nosso primeiro Dodge oferecia o motor mais potente entre os carros nacionais fabricados até então, com grande torque (bruto) de 41,5 m.kgf. Outro fator positivo evidenciou-se com o tempo: o motor revelou-se um dos mais duráveis e robustos do mercado. Mesmo que o alto consumo de gasolina fizesse pouca diferença naquele tempo, anterior à primeira crise do petróleo, a autonomia limitada era um inconveniente, pois o tanque comportava apenas 62 litros. A transmissão manual de três marchas tinha a alavanca na coluna de direção.
Suspensão firme para boa estabilidade e elevado torque eram atributos de destaque do Dart, mas havia críticas ao acabamento, à autonomia e à relação de direção
Como novidade, a suspensão apresentava braços sobrepostos com barra de torção longitudinal na dianteira, em vez da mais comum mola helicoidal. Na traseira havia um eixo rígido com molas semielípticas. A direção, ainda sem assistência hidráulica, evitava o peso excessivo ao adotar uma relação muito alta (24:1), que exigia grande movimento ao volante para curvas e manobras.
A suspensão firme permitia boa estabilidade, mas havia críticas aos freios a tambor nas quatro rodas (apesar de as dianteiras terem dois cilindros de roda) diante do peso do veículo e as velocidades que podia alcançar. A mesma crítica aplicava-se aos pneus de construção diagonal, que a própria fábrica não recomendava para mais de 150 km/h. Havia opção de radiais Pirelli CF67 Cinturato, garantidos até 180 km/h. Nas rodas, uma curiosidade: as roscas das porcas eram esquerdas, isto é, soltavam-se no sentido oposto ao usual. O manual indicava a particularidade, mas omitia que isso só acontecia nas rodas esquerdas.
No primeiro teste do Dart, a revista Quatro Rodas observou que “é um carro bonito. Já o seu acabamento geral, embora bom, é relativamente pobre. O que mais entusiasma no carro é sua excepcional potência e seu grande torque. É agradabilíssimo calcar o acelerador e sentir o Dart arrancar, com os pneus cantando no asfalto. Nas subidas, ele continua como se estivesse na horizontal”.
Próxima parte
Nos Estados Unidos
O Dart teve uma história mais longa e variada nos Estados Unidos, onde foi lançado em novembro de 1959 com linhas imponentes, 5,35 metros de comprimento e opções de sedãs de duas e quatro portas, hardtop de duas portas e perua de cinco portas e até nove lugares. Os motores variavam do seis-cilindros em linha de 3,7 litros e 145 cv ao V8 de 6,3 litros e 330 cv (brutos), passando pelo 318 de 5,2 litros que teríamos aqui, e a transmissão automática podia ter comando por botões. O motor 6,8 de até 375 cv vinha em 1961. A segunda geração, em 1962, trazia menores dimensões, um hardtop de quatro portas e o conversível de duas. O novo topo de linha era o 6,8-litros com 410 cv.
O Dart 1963 já era outro carro, compacto pelos padrões de lá, com 4,98 m de comprimento e motores menores (2,8 de seis cilindros e V8 4,5). O Dart Charger, dois anos depois, vinha com o motor 4,5 retrabalhado para 235 cv e freios dianteiros a disco.
O Dart assumia para 1967 o estilo com que o teríamos no Brasil, incluindo o vidro traseiro côncavo. Havia cupê, hardtop e sedã de duas portas, sedã de quatro portas e conversível, mas não perua. Os motores iniciais eram os seis de 2,8 e 3,7 litros e o V8 de 4,5 litros, mas um ano depois apareciam os V8 de 5,2 e 5,6 litros, este com 275 cv para as versões GTS e Swinger. O GTS podia ter ainda o V8 6,3 com 300 cv. Mais rápido que ele, só mesmo o Hurst Hemi Dart, edição limitada com peças de carroceria de plástico e fibra de vidro e motor Hemi V8 de 7,0 litros e 425 cv.
Um Dart GTS com o V8 de 7,2 litros e 375 cv assumia o topo de linha em 1969. No ano seguinte, frente e traseira eram atualizadas, mas os motores 6,3 e 7,2 e o conversível saíam do catálogo. O Sport 360 aparecia em 1974 com motor 5,9 de 245 cv (agora líquidos). Nesse ano o Dart assumia o desenho frontal que recebemos em 1979. O último Dart, em 1976, ganhava freios dianteiros a disco de série, só adotados quando a lei exigiu. Ele dava lugar ao Aspen, mas o nome voltaria à linha Dodge em 2013 com um sedã compacto.
* Fernando e Ivan Resende, do site Dodge News (dodgenews.com.br), colaboraram no texto de 2003 que serviu de base para este artigo
Próxima parte