Com inspiração nas linhas e no interior, os italianos tiveram êxito em uma fórmula bem conhecida na indústria
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Os italianos sempre sonharam com Ferrari, Lamborghini, Maserati — mas quem não podia comprar um deles contava com opções mais acessíveis. A Fiat, embora mais conhecida por automóveis populares, tem em sua história carros esporte como o 8V, o Dino e o pequeno X 1/9 de motor central-traseiro, além de pequenos cupês como os das linhas 850, 124 e 128. E, claro, o assunto de nossa história: o Coupé dos anos 90.
A origem do Coupé não foi diferente da de muitos outros esportivos, como Ford Capri (lançado em 1968), Opel Manta (1970) e Calibra (1989), Renault Fuego (1980) e Volkswagen Scirocco (1974) e Corrado (1988). A plataforma de um modelo de grande produção — no caso o Tipo de 1988 — serviu de ponto de partida para criar um cupê empolgante, tanto no desenho quanto no desempenho das versões mais “quentes”.
Quase um desconhecido à época, o autor de seu estilo faria fama — para o bem e para o mal — na década seguinte ao criar desenhos controversos na BMW: o norte-americano Chris Bangle, que trabalhou sob supervisão do centro de estilo da Fiat. Apresentado no Salão de Bruxelas de 1993 e colocado à venda em fevereiro de 1994, o Coupé chamava atenção pela frente “limpa” com faróis duplos (os baixos elipsoidais) sob coberturas de policarbonato, os nove elementos de admissão de ar sob a grade principal e o enorme capô que encontrava os arcos de rodas dianteiros.
Detalhes nos para-lamas já constavam do desenho inicial do Coupé (embaixo), mas não as lanternas circulares; à direita, quatro dos cupês da Fiat que o precederam
Também vinham sem adornos as laterais, com as maçanetas embutidas nas colunas, e a tampa traseira, ladeada por quatro lanternas circulares inspiradas em Ferraris. Os para-lamas de trás eram cortados por vincos que combinavam com o recorte do capô, detalhe criado ainda nos primeiros modelos de estilo — que ainda não tinham a traseira saliente e as lanternas circulares. Charmosa era a tampa de alumínio do tanque de combustível, inspirada em antigos carros de corrida. Apesar de manter a distância entre eixos do Tipo (2,54 metros), o Coupé era 29 cm mais longo (4,25 m), 7 cm mais largo (1,77 m) e 9 cm mais baixo (1,34 m), o que lhe conferia boas proporções. O coeficiente aerodinâmico (Cx) era bom, mas não expoente: 0,31.
Um dos destaques era o criativo interior assinado pelo estúdio italiano Pininfarina, que muitos pensam ser também o autor da carroceria — a Fiat chegou a receber uma proposta de estilo da empresa, mas não a adotou. Com uma faixa na cor do carro que ligava porta a porta, passando pelo painel e englobando os instrumentos, o ambiente interno conseguia um ar diferenciado apesar do compartilhamento de peças com o Tipo e outros modelos da marca. A capacidade de bagagem era adequada, 295 litros.
De início o Coupé usava dois motores de 2,0 litros, quatro cilindros e quatro válvulas por cilindro: o aspirado, com potência de 139 cv e torque de 19 m.kgf, e o turboalimentado com 190 cv e 29,6 m.kgf, similar ao do Lancia Delta Integrale. Com este, acelerava de 0 a 100 km/h em 7,5 segundos e alcançava velocidade máxima de 230 km/h, de acordo com a fábrica. Ambos tinham árvores de balanceamento para anular vibrações e ligavam-se a uma transmissão manual de cinco marchas com tração dianteira.
O desenho de Chris Bangle e o interior da Pininfarina ocultavam bem suas origens: plataforma de Tipo, seu motor de 2,0 litros e o turbo de 190 cv do Lancia Delta
Para lidar com a elevada potência, o Turbo trazia diferencial autobloqueante por acoplamento viscoso Ferguson Viscodrive, recurso então raro. As suspensões independentes, cedidas pelo Tipo, eram McPherson à frente e por braços arrastados na traseira. Com freios a disco nas quatro rodas e sistema antitravamento (ABS) de série, o Coupé usava pneus 195/55 R 15 na versão aspirada e 205/50 R 16 na Turbo e pesava a partir de 1.250 kg. Era produzido em Turim na Pininfarina.
Com o motor de cinco cilindros e 2,0 litros do Marea, ajustado para 220 cv, o Coupé alcançava a máxima de 250 km/h: era o carro mais veloz que a Fiat havia feito
A revista inglesa Top Gear comparou o Turbo ao Honda Prelude, ao Nissan 200 SX e ao VW Corrado VR6: “De 0 a 96 km/h o Fiat e o Nissan foram pescoço a pescoço, com tempos idênticos de 6,8 segundos, mas o motor do Coupé é muito mais fácil de lidar. Ele começa a trabalhar com menor rotação e empurra solidamente até 7.000 rpm. Os freios do Fiat são os melhores do grupo e seu comportamento é ótimo. O Coupé tem desempenho soberbo, um chassi que não fica para trás, um motor refinado e interior com espaço para quatro adultos. E ainda torce pescoços”.
Menos vigoroso, o Coupé aspirado ainda agradou à alemã Auto Motor und Sport: “O motor soa forte, mas não esportivo. A velocidade máxima de 208 km/h e 0-100 km/h em 9,7 s estão em uma classe convencional. Direção e transmissão enfatizam a sensação de agilidade e estabilidade. Mesmo em curvas velozes, ele é bem controlável e quase neutro. Em vista do acerto esportivo, o rodar é curto e seco e os impactos chegam quase sem absorção aos passageiros. Mesmo com motor aspirado, o Coupé provoca emoções e é, sem dúvida, o carro de melhor qualidade da marca. É apenas um pequeno passo para a humanidade, mas um grande salto para a Fiat”.
Motores de cinco cilindros e até 220 cv deixavam o Coupé mais rápido e atraente; a Limited Edition (em cinza) tinha bancos Recaro, freios Brembo e seis marchas
Os motores davam lugar na linha 1997 aos de cinco cilindros em linha e 2,0 litros, que teríamos no Marea: o aspirado de 147 cv e o turbo de 220 cv (no sedã foi limitado a 182 cv), ambos com quatro válvulas por cilindro e árvore de balanceamento. Capaz de 0-100 em 6,5 segundos e máxima de 250 km/h, o Turbo era o carro mais veloz que a Fiat havia feito. Aparecia também uma versão com o motor do conversível Barchetta de 1,75 litro, 131 cv e 16,7 m.kgf, que equiparia Brava HGT e Marea no Brasil. O interior recebia novos console e sistema de áudio.
Outra inglesa, a Car, pôs o novo Coupé Turbo lado a lado ao Prelude e ao 200 SX: “O Fiat é aquela coisa incomum, um carro que não parece nenhum outro. É o mais curto, mas o mais espaçoso. Bom gosto visual e qualidade sólida fazem-no se sentir bem no Fiat. Que ele anda mais rápido não é surpresa diante de seus músculos monstruosos: 0 a 96 km/h em 6,6 segundos contra 7,2 s do Nissan e 8,8 do Honda. Nós ‘babamos’ no Coupé desde o começo de sua brilhante carreira e, com o novo motor para justificar seu estilo, ele é uma fantasia que se realiza. A escolha entre as qualidades dos outros dois é acadêmica: compre o Fiat e leve todas elas”.
O motor 2,0 aspirado passava a 154 cv, em 1998, pela adoção de coletor de admissão variável. A série Limited Edition aparecia para o ano seguinte com bancos Recaro de couro, caixa de seis marchas e freios Brembo mais potentes, além de botão de partida e um pacote aerodinâmico de efeito questionável sobre seu estilo. Ainda mais rápida, cumpria o 0-100 em 6,3 s. Elementos semelhantes chegavam mais tarde à versão regular. Uma série final, a Last Edition, foi oferecida em 2000.
O Coupé despedia-se em 2000 com a Last Edition, também com itens especiais: depois dele a Fiat não mais participou da classe dos cupês esportivos
O Coupé foi trazido ao Brasil em 1995 na versão 2,0 aspirada, que compartilhava o motor do Tipo 16V vendido aqui com 137 cv. Como lá, despertava grande atenção nas ruas e não dava pistas de que a plataforma se originasse do hatch. Sua carreira foi curta por aqui: encerrou-se em 1997 após 980 unidades vendidas e não recebemos as versões mais potentes, embora se saiba que vieram alguns Turbos de quatro cilindros.
Foram fabricados 72 mil Coupés até 2000. Ele nunca teve sucessor, assim como o Calibra, o Prelude, o 200 SX (Silvia) ou o Ford Cougar de 1998, derivado do Mondeo. Para boa parte dos grandes fabricantes, infelizmente, esse segmento de carros empolgantes sobre plataformas comuns perdeu sentido nas últimas décadas.
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