Do sedã à Pampa, passando por Belina e Del Rey, a variada linha conquistou um público fiel por 30 anos
Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Até 1968 a Ford, que havia adquirido no ano anterior a Willys-Overland, fabricava no Brasil um sedã de grande porte — o luxuoso Galaxie 500 de origem norte-americana —, as picapes F-100 e caminhões médios e grandes. Não tinha nenhum modelo de automóvel que pudesse ser adquirido pelo grande público, um carro com dimensões compactas, simples, de bom desempenho, moderno e familiar.
A Willys, em parceria com a Renault, estava desenvolvendo o projeto “M” de carro médio, que na França daria origem ao bem sucedido R12 (leia quadro abaixo). Aqui a carroceria seria diferente, mais adequada ao gosto brasileiro. Embora a plataforma e o conjunto mecânico fossem projetados pela fábrica francesa, que era líder de vendas naquele país, haveria adaptações pela Ford ao motor, caixa de câmbio e suspensão para atender às condições mais severas no Brasil quanto a piso e combustível.
O Corcel no departamento de estilo da Ford: projeto herdado da Willys e da Renault
Em setembro de 1968 começava a produção na unidade de São Bernardo do Campo, SP, e em novembro era apresentado no VI Salão do Automóvel — já realizado no palácio de exposições do Anhembi — o Ford Corcel, com carroceria três-volumes de quatro portas. Junto dele também faziam sua estreia o Volkswagen 1600 quatro-portas, seu concorrente direto, que seria apelidado de “Zé do Caixão” devido às formas e às quatro maçanetas cromadas, e o Chevrolet Opala, maior que ambos e posicionado em outro segmento. O nome do carro havia sido escolhido entre 400 opções.
Seu desenho era simples e equilibrado, com predomínio de linhas retas, faróis circulares e pequenas lanternas traseiras retangulares. A grade com numerosos frisos cromados horizontais talvez fosse seu elemento mais chamativo. O capô do motor com abertura de trás para frente revelava preocupação com a segurança: em caso de destravamento acidental, tenderia a se manter fechado pelo ar que passava pelo veículo em movimento (a Chevrolet adotaria o mesmo padrão no Opala em 1975). A desvantagem era que as manutenções tinham de ser feitas pelos lados.
O primeiro modelo: quatro portas, linhas sóbrias, motor de 1,3 litro, 68 cv brutos
O interior mostrava acabamento simples, mas correto. O espaço interno era muito bom para os padrões da época, com boa posição de dirigir e ampla visibilidade, e havia escolha entre banco dianteiro inteiriço ou dois individuais e reclináveis. Já o porta-malas dispunha de adequado espaço para bagagens.
O Corcel trazia inovações tecnológicas como coluna de direção bipartida e circuito selado de arrefecimento
O motor de quatro cilindros e 1,3 litro usava comando de válvulas no bloco e cinco mancais de apoio do virabrequim, diferença para o anterior do Willys Dauphine/Gordini, que tinha apenas três. Embora derivasse da unidade do Renault 8, sua cilindrada ainda não havia sido adotada pela marca francesa. Com potência de 68 cv e torque de 10,4 m.kgf (valores brutos, padrão em nossa indústria na época), obtinha desempenho discreto para o peso de 930 kg.
Na mecânica, novidades como o sistema de arrefecimento selado com reservatório
O Corcel trazia soluções tecnológicas inéditas no Brasil, como coluna de direção bipartida e circuito selado de arrefecimento: o líquido expandia-se para um reservatório, em vez de evaporar para a atmosfera, o que evitava perdas e frequentes reposições (segundo a fábrica, seria trocado só a cada 30 mil quilômetros). A estrutura era monobloco. Embora a tração dianteira já fosse conhecida da linha DKW-Vemag, a da Ford era um sistema bem mais moderno. Suspensão e freios (com discos opcionais na frente, até então oferecidos apenas no Gordini) traziam segurança.
As rodas de 13 polegadas vinham fixadas por apenas três elementos, uma herança Renault, e usavam pneus diagonais ou radiais. A suspensão dianteira independente por dois braços transversais sobrepostos usava um arranjo peculiar: como a mola helicoidal ficava sobre o braço superior e apoiava-se na caixa de roda, mais acima, muitos acreditavam que se tratasse de um conceito McPherson. Era um conjunto macio e robusto, com curso mais longo que o do R12 e por isso adequado a nosso solo, mas uma escolha da fábrica quanto à caixa de direção logo traria problemas (leia quadro na página seguinte).
A publicidade: destaque para soluções técnicas incomuns ou mesmo inovadoras
No primeiro teste pela revista Quatro Rodas, o Corcel mostrou conforto: “Logo de início, a suavidade de marcha impressiona. A suspensão é boa, o câmbio engata fácil e o carro na arrancada responde com presteza, mas o peso reduz suas possibilidades esportivas. São formidáveis os freios. Era o carro que nos faltava. Suas linhas agradáveis envolvem um conjunto mecânico de alta qualidade e eficiência”.
O bom desempenho nas vendas, esperado do médio da Ford, confirmou-se. No primeiro mês de produção foram vendidos 4.500, número que chegava perto de 50 mil já em 1969. Corrigido o mal da direção, em 1971, ele se consolidou como um grande sucesso de mercado.
Próxima parte
Na Europa
O projeto da Renault que deu origem ao Corcel demorou um pouco mais para chegar ao mercado que o nosso: o R12 (acima) era lançado em outubro de 1969, um ano depois do “primo” brasileiro, com linhas pouco mais arredondadas e motor de 1,3 litro e 60 cv. A perua de cinco portas — opção que a Belina nunca teria — aparecia no ano seguinte, seguida pela versão esportiva Gordini do sedã (em azul na foto), com motor 1,6 de 125 cv, dois carburadores, cinco marchas e freios a disco nas quatro rodas. Atingia a máxima de 185 km/h. Uma variação só para competições, a 807/G de 160 cv, alcançava 205 km/h.
Líder de vendas na França em 1974, o R12 passava por evoluções de estilo e recebia transmissão automática. Saía de produção em 1980 na França depois de dois milhões de unidades, mas continuava em linha na Argentina, na África do Sul (com o nome de Virage), na Colômbia, na Espanha (pela FASA) e na Turquia.
Foi fabricado também na Romênia pela Dacia como a série 1300 (fotos acima), lançada antes mesmo do francês e que teve variadas opções: perua, furgão (uma perua fechada), picapes de cabines simples e dupla, um hatchback. Recebeu numerosas alterações técnicas e de estilo para tentar se adequar aos novos tempos, com formas mais arredondadas, para-choques de plástico e até injeção eletrônica. O sedã durou até 2004, e a picape, mais dois anos, superando 2,5 milhões de unidades em toda a família.