O cupê tinha forma própria no teto e linha de cintura ondulada para ar mais esportivo
Opções para todos os gostos
A Ford não demorou a ampliar a linha iniciada pelo sedã de quatro portas. O Corcel cupê aparecia já em 1969 com um estilo realmente simpático. O entre-eixos não havia sido alterado, mas a coluna traseira tinha maior inclinação, descendo suavemente até a tampa do porta-malas, e a linha de cintura ondulada seguia o conceito “garrafa de Coca-Cola”, em voga na época, soluções que lhe conferiam certa esportividade. Os vidros laterais traseiros baixavam nesse que foi o primeiro cupê brasileiro derivado de um sedã quatro-portas. Com o grande êxito de vendas da versão, a incompreensível preferência nacional pelas duas portas ganhava força.
Aparecia em seguida o Corcel GT, “esportivo” de duas portas com teto revestido de vinil, rodas especiais, faixas pretas no capô e nas laterais, faróis circulares de longo alcance (ainda presos ao para-choque) e pneus radiais. Por dentro, com o acréscimo de mostradores no console, a instrumentação era completa. O motor recebia carburador de duplo corpo e coletores de maior fluxo para obter 80 cv brutos. Não havia alterações na suspensão.
Apesar dos 12 cv a mais, o GT era mais esportivo no visual que no desempenho
Embora agradasse pela aparência, o desempenho do GT era modesto, como demonstrou o teste da Quatro Rodas: “A principal diferença é que seu motor alcança as altas rotações mais facilmente, chegando a 6.500 rpm nas provas de aceleração. Fora isso, até o ruído é o mesmo. A velocidade máxima foi de 138,5 km/h. O carro é ótimo, bonito e econômico. Sugeriríamos apenas que o fabricante o equipe com outro motor, que lhe dê a performance esportiva característica de um verdadeiro Grã-Turismo”.
O Corcel fez sucesso como principal carro da família (a Belina), segundo carro (cupê), táxi (sedã) ou o carro dos jovens (GT)
Vinha na sequência (março de 1970) a perua Belina, também parecida com a da linha Renault 12, mas com apenas três portas — a Ford chegou a estudar uma versão de cinco, fotografada como protótipo pela imprensa, que nunca chegou ao mercado. Oferecia certo conforto para cinco pessoas mais bagagem, além de contar com bagageiro de teto opcional e tanque de combustível maior, de 63 litros, ante 51 do sedã.
Detalhe peculiar da versão de topo, a Luxo Especial, eram os painéis laterais adesivos que imitavam madeira — tipo jacarandá, como dizia a Ford — e os pneus com faixa branca, bem ao estilo norte-americano. Nos Estados Unidos esse adereço fazia lembrar os tempos em que a estrutura e a parte traseira da carroceria das peruas eram de madeira, adaptadas sobre os chassis dos sedãs.
A Belina acrescentava bom espaço para bagagem e oferecia decoração de madeira
Comparada à principal adversária, a Variant da VW, a Belina tinha a vantagem de um amplo porta-malas com base de carga mais baixa, por não haver abaixo dele o motor (veja quadro abaixo sobre a disputa na publicidade). Em contrapartida, nas subidas enlameadas com carro carregado, a concorrente era superior: o peso concentrava-se sobre as rodas de tração, ao contrário do modelo da Ford.
No teste da Quatro Rodas a Belina acelerou de 0 a 100 km/h em 23,3 segundos e mostrou boas marcas de consumo: “Sua capacidade de carga é bastante boa, levando-se em consideração o motor pequeno e as dimensões. A dirigibilidade é a mesma do Corcel: ela é ultramacia, apesar do reforço da suspensão traseira, e sua direção é precisa e suave. A perua é mais pesada; por isso, um pouco mais lenta nas arrancadas. O carro, sem ter perdido nenhuma das qualidades que fizeram do Corcel um sucesso de vendas, está em perfeitas condições para disputar o mercado das peruas”.
No GT 1972, capô preto e tomada de ar; a potência subia com o XP 1,4(direita)
O Corcel fez sucesso em todas as classes sociais, tanto como principal carro da família (a Belina), segundo carro (cupê), táxi (quatro-portas) ou o carro dos jovens esportistas, na versão GT. O esportivo ganhava para 1971 capô todo preto com tomada de ar, que completava o modismo da época oriundo da Europa e dos EUA, e faróis auxiliares incorporados à grade preta, que trazia no centro o logotipo da versão. Em todo Corcel, quatro lanternas quadradas substituíam as duas retangulares na traseira.
Na TV, a publicidade mostrava-o correndo entre um Ford Mustang e um Mercury Cougar. O Corcel — como o Mustang, batizado com o nome de um cavalo — avançava entre os dois vigorosamente, fazendo malabarismos dignos de carro esporte. A música da trilha sonora da propaganda era de Emerson, Lake & Palmer, grupo famoso de rock, do disco Pictures at an Exhibition.
O tão esperado ganho de desempenho para o GT tinha de esperar até 1972, quando surgia a versão XP, sigla para extra performance ou desempenho extra. Com cilindrada ampliada para 1,4 litro, desenvolvia 85 cv brutos, com os quais o cupê acelerava de 0 a 100 km/h em 17 segundos e atingia 145 km/h de velocidade máxima. A propaganda na época o identificava como “carro de briga”.
A frente era remodelada para 1973 e as lanternas traseiras cresciam (fotos do cupê: Jason Vogel)
Em toda a linha, a frente tinha as luzes de posição reposicionadas (antes junto à grade, agora abaixo do para-choque) e adotava um logotipo no centro da grade. No mesmo ano a fábrica da Ford atingia a histórica marca de um milhão de veículos fabricados no País, para o que a linha Corcel vinha contribuindo de forma decisiva. Era a gama mais completa de versões de carroceria do mercado.
Corcel e Belina ganhavam em 1973 uma remodelação na frente, que vinha com as laterais do capô mais altas que o centro, para destacar os faróis, e grade com o logotipo do cavalo no meio e frisos verticais. As lanternas traseiras estavam maiores, ainda horizontais, embora as da perua fossem mantidas. Todos passavam a ser equipados com o motor do GT XP de 1,4 litro. Para se diferenciar, o “esportivo” trazia duas faixas pretas paralelas no capô e nas laterais e faróis auxiliares retangulares na grade, esta também de desenho diferente.
O GT 1973 e a linha Corcel 1975, que incluía o acabamento mais refinado LDO
Para se juntar às versões básica e luxo era apresentado em 1975 o acabamento LDO, sigla em inglês para Decoração Luxuosa Opcional, como existia nos carros da Ford nos Estados Unidos. Por fora notavam-se o teto de vinil, a grade cromada e as rodas esportivas antes usadas no GT, só que agora na cor prateada. Por dentro era mais requintada com forrações e bancos nas cores marrom e bege.
Todas as versões tinham leves retoques na aparência, com o capô mais avançado sobre a nova grade e luzes de ré integradas às lanternas. Estas cresciam no caso da Belina, assim como o vidro traseiro, e o interior recebia painel, comandos e alavanca de câmbio redesenhados. Foram as últimas novidades do Corcel até que chegasse o momento de sua substituição.
Próxima parte
A disputa na propaganda
Assim como ocorrera anos antes entre o Renault Gordini da Willys e o Volkswagen Sedã (Fusca) na questão do arrefecimento a água ou a ar, a linha Corcel travou uma interessante guerra publicitária com seus concorrentes da marca alemã, a gama formada pelo sedã 1600 L “Zé do Caixão”, o fastback TL e a perua Variant. Contrastes técnicos e de arquitetura eram explorados por ambos os fabricantes — cada um, claro, destacando as vantagens de suas escolhas.
Diante da concorrência da Belina, um anúncio da Variant pregava: “Exija porta-malas na frente, porta-malas atrás e mecânica VW. Não aceite limitações. Nem imitações”. A Ford respondia com uma comparação entre os sedãs: “O Corcel tem o motor no lugar do motor e o porta-malas no lugar do porta-malas”. E acrescentava que “alguns têm um pseudo-porta-malas, e aí você precisa colocar malas e sacolas dentro do carro”.
Diferenças mecânicas também levavam a discussões. A VW sempre destacou a confiabilidade e a facilidade de manutenção do motor arrefecido a ar, sem radiador, mangueiras ou outras fontes de problemas naquele tempo de carros bem menos confiáveis que os de hoje. A Ford defendia-se com o argumento de que, graças ao circuito de arrefecimento selado — o primeiro no Brasil —, o Corcel só demandava a troca do líquido a cada dois anos ou 30 mil quilômetros. Ou seja, não tinha manutenção tão mais trabalhosa que o rival “a ar”.
A primeira convocação
O eixo dianteiro do Corcel não demorou a apresentar problemas. Dificuldades de alinhamento do sistema de direção traziam desgaste prematuro dos pneus (ainda de construção diagonal) e as juntas homocinéticas da transmissão vez por outra davam algum trabalho.
Em 1970 o norte-americano Joseph W. O’Neill assumia a direção da Ford no Brasil, no lugar de William Max Pearce, que dera o arrancada ao projeto Corcel. O novo comandante queria a solução desses problemas — e rápido. Foi constatado que o desalinhamento da direção estava relacionado à complicada regulagem da convergência das rodas dianteiras. Aconteceu então a primeira convocação, ou recall, de que se tem notícia no País: a Ford chamou 65 mil proprietários do carro para a correção gratuita do problema.
A operação resumia-se em adotar uma altura média da caixa de direção e fixá-la em definitivo. No afã de uma precisa geometria dianteira, a Renault havia incorporado o ajuste de altura desse componente em função da altura do veículo em relação ao solo, o que requeria conhecimento e algum cálculo, e a rede de assistência técnica não estava preparada. Solucionada a questão, a aceitação do Corcel só aumentou.