De um primo do Opala ao Omega cupê, o nome foi usado pela marca australiana em esportivos que devoravam asfalto
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Um potente V8 na frente, uma cabine de duas portas e as rodas traseiras empurrando o grande cupê com velocidade. A fórmula que fez muitos adeptos norte-americanos e alguns europeus também alcançou um país-continente abaixo do Equador: a Austrália, terra de carros amplos com motores de alta cilindrada, como o Holden Monaro.
A subsidiária local da General Motors produziu entre 1968 e 1979 um cupê derivado de seus sedãs de diversas gerações, uma fórmula que voltaria a usar entre 2001 e 2005. O HK Monaro surgiu em julho de 1968 como primeiro projeto de carro esporte desenvolvido na Austrália. Para os brasileiros, qualquer familiaridade com seu estilo não é apenas coincidência: o cupê era derivado do Opel Rekord alemão de 1967, o mesmo que originaria nosso Chevrolet Opala de duas portas.
Mas o Monaro tinha linhas e mecânica distintas do modelo germânico. Seu desenho era inspirado no do Oldsmobile Toronado, com detalhes típicos da época como vidros laterais descendentes sem coluna central e para-lamas traseiros ondulados. A versão GTS trazia faixas no capô e nas laterais e lanternas em toda a largura da seção posterior, enquanto o interior exibia um largo console e volante esportivo com raios de alumínio.
Primeiro Monaro, o HK oferecia motores de até 5,4 litros e 250 cv e muitos opcionais; na série HT (em prata) já havia evoluções em painel e suspensão
A distância entre eixos (2,81 metros) era a mesma do sedã, mas bem maior que a do Rekord ou do Opala (2,67 m): a Holden a havia ampliado para se equivaler à do arquirrival Ford Falcon. Com reforços estruturais para eliminar a coluna central, o resultado foi um cupê pesado, que partia de 1.320 kg (90 kg mais que o sedã HK Kingswood que lhe dera origem). O nome, que significa “alto plano” em dialeto aborígine, foi sugestão do estilista Noel Bedford, que via uma ligação ao carro esporte Camaro da Chevrolet.
A série HQ de 1971 foi desenhada na Austrália, embora não escondesse a inspiração em modelos norte-americanos como o Pontiac GTO
Nada menos que 19 combinações de motores e transmissões estavam disponíveis, dos seis-cilindros em linha australianos de 2,6 e 3,0 litros aos Chevrolets V8 de bloco pequeno (small block) norte-americanos de 5,0 litros (307 pol³) e 5,4 litros (327 pol³, com potência de 250 cv). Oferecia caixa manual de três marchas na coluna de direção ou de quatro marchas no assoalho, além da automática Powerglide de duas marchas. Freios dianteiros a disco, direção assistida, diferencial autobloqueante, bancos reclináveis e rádio estavam entre os opcionais.
“O GTS 307 era o Monaro que todos lembramos. O espaço à frente e atrás era ótimo, e o acabamento interno, tão bom quanto em qualquer importado. A aparência externa era realmente excelente. Na estrada o GTS era bem previsível, com suspensão muito firme, mas não desagradável. Os tempos de aceleração eram ótimos”, observa o site australiano Unique Cars and Parts, que acrescenta: “O 327 era uma besta. Desenhado para corridas, tinha molas que deixavam o rodar muito, muito firme. Um toque no acelerador fazia a traseira sair, reduzindo o subesterço. Era adequado para as rodovias, mas não tão bom quanto o 307″.
Na publicidade dos modelos iniciais, destaques ao desempenho e ao estilo imponente
A série HK durou apenas um ano: já em 1969 era lançado o HT Monaro, com a grade destacando a seção frontal, tomadas de ar no capô (GTS) e lanternas traseiras separadas. O conta-giros passava do console para o painel, os bancos estavam mais envolventes e a suspensão melhorava em absorção de irregularidades, enquanto os pneus e a bitola traseira vinham mais largos.
Esse foi o primeiro Monaro com o motor V8 australiano de 4,2 litros (253 pol³). Pouco depois vinha o 5,7-litros (350 pol³) com 300 cv e torque de 52,5 m.kgf para a versão GTS 350, que recebia ainda rodas e suspensão esportivas e pneus radiais de perfil baixo (com transmissão automática eram 279 cv). Em comparação ao Ford Falcon GT, tinha aceleração e estabilidade superiores, mas não oferecia ar-condicionado: faltava espaço para seu compressor no cofre ocupado pelo grande motor.
O HG Monaro vinha em 1970 com novas lanternas traseiras, grade menos ostensiva e a eliminação dos arcos dos para-lamas — estava mais sofisticado e discreto. O V8 308 australiano substituía o Chevrolet 307, havia opção pela caixa automática Trimatic de três marchas e a suspensão tornava-se mais confortável no GTS 350, atendendo a pedidos. O tanque de combustível de 114 litros dava conta da sede do V8.
Nova carroceria na geração HQ, que em 1973 ganhava o primeiro Monaro quatro-portas
A revista sul-africana Car testou o GTS com motor 308 e caixa automática, que acelerou de 0 a 100 km/h em 9,7 segundos: “É tremendamente responsivo. A marcha superior entra a 80 km/h com habilidade de oferecer desempenho de tirar o fôlego. Sob aceleração, o escapamento emite um estrondo de V8. Os pneus dão muito boas qualidades de aderência e conforto, a direção é bem direta. É um carro grande para os padrões de um GT, mas bem equilibrado, com um sonoro motor e robusta caixa automática. Um carro muito bom e repleto de empolgação!”.
Outra revista, a Wheels, relembrou em 2007 os tempos em que o HG 350 enfrentava nas estradas o Dodge Charger R/T E38 e o Falcon GT-HO: “Em 1971 viajamos com o GTS e, quando percebemos, o Monaro amarelo estava totalmente em casa a 200 km/h. Só uma vez alcancei a máxima de 210 km/h, com o carburador Rochester de quatro corpos bebendo combustível à razão de 28 litros por 100 km. O monstro fazia médias acima de 190 km/h, seguindo reto mesmo sob fortes ventos laterais”.
A série HQ de 1971 representava uma efetiva mudança de geração, com a carroceria toda desenhada na Austrália, embora não escondesse a inspiração nos modelos europeus e norte-americanos da GM. Maior que os anteriores, oferecia mais espaço interno. As curvas nos para-lamas e as lanternas traseiras no para-choque lembravam as do Pontiac GTO. A versão LS tinha teto revestido em vinil preto e faróis duplos.
O último cupê Monaro da série, o HJ, vinha para 1975 com o motor 308 revitalizado
Os motores V8 podiam ser o 253 (185 cv), o 308 (240 cv) e o 350 (275 cv), com carburador duplo no primeiro e quádruplo nos outros — todos com caixa manual de quatro marchas e opção de diferencial autobloqueante. A linha de cores incluía púrpura, rosa, verde-limão, vermelho vivo e outros tons chamativos. Eram novos as suspensões (com subchassi dianteiro), o painel e o ar-condicionado, agora integrado.
Ainda no HQ aparecia em 1973 o primeiro Monaro de quatro portas: o GTS, com faixas na carroceria, rodas largas, suspensão esportiva e duplo escapamento. Uma versão conceitual era mostrada no Salão de Sidney com grande aerofólio traseiro e suspensão rebaixada, mas não foi produzida. Era um passo curioso da Holden, ao mesmo tempo em que a Ford lançava um Falcon fastback de duas portas para fazer companhia aos sedãs de quatro portas.
Lançada para 1975, a série HJ compreendia cupês e sedãs e trazia para-choques mais robustos, defletores dianteiro e traseiro e painel esportivo. A frente lembrava muito a de nosso Opala da mesma época. O motor Chevrolet 350, que havia perdido potência por causa de normas de emissões mais severas nos EUA, não mais fazia sentido: em seu lugar a Holden aumentava a potência do 308 local, ao lado da opção de transmissão automática Turbo-Hydramatic 400. Um seis-cilindros de 3,3 litros (202 pol³) e 111 cv era a opção básica.
O HX Monaro (em cima) vinha só com quatro portas; o cupê LE já não usava o nome; a série HZ (em branco) encerrava a linhagem com a chegada do Commodore
O Monaro cupê desaparecia com a série HX de 1976: o GTS oferecia apenas carroceria de quatro portas, com motores V8 253 e 308 e para-choques na cor do carro. Embora sem o tradicional nome, a Holden ofereceu uma edição limitada de cupês LE com motor V8 308 de 245 cv, caixa automática, quatro faróis e defletor traseiro, todos eles em vermelho-cereja com rodas douradas. O interior trazia controles elétricos de vidros e sistema de áudio sofisticado.
De 1977 a 1979 o Holden GTS da série HZ existiu apenas com quatro portas, mas sem a denominação Monaro. Trazia suspensão aprimorada para uso de pneus radiais, defletores dianteiro e traseiro, quatro faróis e motores V8 de 4,2 e 5,0 litros: era uma despedida do modelo, pois a marca lançava em 1978 o novo sedã Commodore e cancelava seus planos de renovar os modelos maiores, em vista da crise do petróleo e da esperada retração de mercado para carros grandes.
Quase 20 anos passaram-se até que projetistas da Holden formulassem nas horas vagas um belo cupê a partir do VT Commodore, o sedã trazido ao Brasil como Chevrolet Omega. O resultado originou um carro-conceito para o Salão de Sydney de 1998 e, diante da aceitação do público, um modelo de produção em 2001, já na série VY. O carismático nome Monaro não poderia ser mais adequado para ele.
Renascimento: o conceito (preto) chegou à produção em 2001 (o amarelo, ao lado de um 1968) e teve poucas alterações até 2005; em vermelho, a série CV8-R
Com linhas suaves e teto 4 cm mais baixo que o do sedã, o novo cupê usava sua moderna plataforma de tração traseira, originária do Opel Omega alemão, com suspensão traseira independente por braços semiarrastados. Os motores V6 de 3,8 litros com compressor (320 cv) e V8 de 5,7 litros (333 cv) garantiam desempenho exuberante e havia recursos como bolsas infláveis frontais e laterais, rodas de 17 ou 18 polegadas, controle de tração e caixa manual de seis marchas ou automática de quatro marchas.
Para 2003 vinham painel e volante redesenhados. Pouco depois o V6 deixava o mercado, após representar só 5% das vendas, e aparecia a edição limitada CV8-R, com 350 unidades em cinza e 320 em vermelho. No fim do ano a GM anunciava nos EUA o novo Pontiac GTO, um Monaro com grade dupla e as adaptações necessárias para sua venda por lá, caso do tanque de combustível na parte dianteira do porta-malas (mais protegido de impactos, mas prejudicial ao espaço de bagagem). O motor V8 5,7 fornecia 354 cv para 0-100 km/h em cerca de 5,5 segundos.
Embora bem recebido pela combinação de alto desempenho, boa estabilidade e custo acessível, o GTO teve vida breve: a última série de Monaros, a VZ, era lançada em 2004 com novos para-choques e revisões em transmissão e freios e seria produzida apenas até o ano seguinte. Uma edição final de 1.200 carros, a CV8-Z, oferecia tomadas de ar no capô, detalhes especiais de acabamento e teto solar, além de exclusiva cor laranja.
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