Do motor potente a gasolina à suspensão mais baixa e macia, era uma proposta bem diferente das picapes japonesas, que ofereciam tração 4×4 e motor a diesel
Talvez pela pressa em chegar ao mercado antes da GM, a Ford não pôde evitar uma prematura modificação, feita na linha 1995 norte-americana e trazida ainda no primeiro trimestre desse ano: um painel de linhas mais arredondadas e refinadas, que agradou a ponto de ser mantido por mais 17 anos sem grandes alterações. Também nesse ano chegava a versão XLT, com cabine simples e acabamento intermediário entre a XL e a STX. A Splash, com sua caçamba de estilo peculiar, vinha apenas por importadores independentes.
Embora o motor V6 tenha feito muitos adeptos, era um fato que a S10 havia conquistado a liderança da categoria apenas com os de quatro cilindros a gasolina e a diesel. Ao mesmo tempo, o breve período de imposto reduzido para importar pertencia ao passado, o que penalizava a Ford diante da concorrente. Era preciso iniciar sua nacionalização.
A primeira Ranger fabricada na Argentina estreava em 1997 em acabamento XL e com cabine simples. O “novo” motor de quatro cilindros era, na verdade, um velho conhecido nosso: o 2,3-litros fabricado em Taubaté, SP, lançado em 1975 para equipar o Maverick e exportado na década seguinte para os EUA, onde equipou até o Mustang. Agora com injeção multiponto e duas velas por cilindro, desenvolvia 114 cv e 18,7 m.kgf, o bastante para enfrentar a S10 de igual para igual. Essa versão pode ser considerada um ensaio para a grande renovação da picape, que passaria a vir apenas da Argentina com importantes novidades.
O modelo 1998 adotava o novo estilo norte-americano, suspensão elevada e dois tamanhos de caçamba; logo depois vinha a cabine dupla, que os EUA não tiveram
Mudança de perfil
Lançada em março de 1998, a nova Ranger representava uma alteração radical de proposta: em vez do “automóvel com caçamba”, era agora uma picape em seu sentido estrito — a começar pela maior altura do solo, padronizada em toda a linha conforme a 4×4 norte-americana. A capacidade de carga crescia (entre 740 e 1.100 kg de acordo com a versão) e havia opções de tração nas quatro rodas e motor turbodiesel. A variedade era um destaque: três motores, dois comprimentos de caçamba (1,8 e 2,1 metros, sem contar a de 1,5 m para cabine dupla, lançada mais tarde), duas versões de acabamento (básica e XLT) e duas de tração.
O próprio estilo indicava seu novo perfil: estava mais bruto, imponente, com uma ampla grade (com desenhos diferentes para versões 4×2 e 4×4) e as luzes de direção abaixo dos faróis. A cabine simples era alongada em 76 mm, para maior espaço atrás dos bancos, e a estendida deixava de ser oferecida — em seu lugar viria a cabine dupla de quatro portas, inexistente nos EUA, com grande entre-eixos de 3,19 metros. O modelo com caçamba longa era desajeitado na aparência, mas tinha espaço para carga cerca de 20% maior. No acabamento XLT, a novidade das bolsas infláveis frontais de série.
Ao lado do conhecido V6 estavam dois novos motores de 2,5 litros: um a gasolina com 121 cv e 20,2 m.kgf, obtido a partir do 2,3 anterior, e outro a diesel, com turbo e resfriador de ar, fornecido pela Maxion, com 115 cv e 29 m.kgf. O diesel e o V6 podiam ser combinados à tração 4×4, dotada de reduzida e acionada por botões elétricos no painel. Na suspensão dianteira, no lugar do arcaico sistema Twin-I-Beam, vinha um arranjo independente com braços sobrepostos, semelhante ao da S10. Rodas de 15 pol (uma a mais que antes) tornavam-se padrão com pneus de 215 mm na versão básica e de 235 mm na XLT. A capacidade de carga aumentava para 740 a 1.100 kg, de acordo com a versão.
A turbodiesel foi desenvolvida para nossa região e podia ter tração 4×4; a Supercab (embaixo) chegava em 1999 com pequenas portas abertas para trás
O Best Cars dirigiu três versões: “A Ford se rende à preferência do brasileiro pelo diesel com um motor suave e eficiente. Pudemos confirmar a valentia da versão 4×4 e o forte desempenho da V6. A nova suspensão dianteira revelou bom compromisso entre robustez e conforto, mas a traseira mais firme (por causa da capacidade de carga ampliada) faz a picape pular mais em piso irregular. Manter a antiga capacidade nas versões mais curtas, em troca de maior suavidade, teria sido oportuno para quem não faz transporte pesado. O motor de quatro cilindros agradou pelo desempenho bem razoável e pelo funcionamento suave. Pena que faltem à versão básica itens indispensáveis hoje”.
A Ranger 1998 representava uma alteração radical de proposta: em vez do “automóvel com caçamba”, uma picape em sentido estrito, a começar pela altura do solo
Enquanto a Ford renovava sua picape, a concorrência se fortalecia: a S10 ganhava opções de motor V6 de 4,3 litros (desde 1997) e tração 4×4, a Nissan trazia a Frontier, Toyota e Mitsubishi começavam a fazer no Mercosul os modelos Hilux e L200. Se a GM desistia de oferecer cabine estendida na S10, a Ford inseria essa opção em sua linha 1999. Na Ranger, porém, havia a novidade de duas pequenas portas traseiras, de abertura inversa e com maçanetas embutidas, só alcançadas com as dianteiras abertas. Como não havia coluna central, a ideia resultava em amplo acesso aos bancos de trás ou para colocação de bagagem.
O Best Cars avaliou uma XLT V6 Supercab: “O estilo robusto da Ranger não sofreu — para alguns, pelo contrário, tornou-se mais equilibrado. A caçamba da versão de cabine simples, maior que a da dupla, torna a Supercab ainda mais longa. Os banquinhos traseiros são suficientes apenas para crianças ou para adultos em percursos (muito) curtos. O motor V6 não é um ícone de potência, mas permite um dirigir agradável, sem esforço e com suavidade. Na estrada, mantêm-se 120 km/h com baixa rotação e boa reserva para retomadas. A Ford poderia oferecer diferencial autobloqueante para arrancadas mais seguras. A cabine estendida traz vantagem na absorção de impactos, pois as rodas traseiras ficam mais distantes dos passageiros e o entre-eixos é bem mais longo. Para uma picape, o comportamento dinâmico é correto”.
Depois dos motores a gasolina, o turbodiesel era substituído pelo International de 2,8 litros e até 135 cv; embaixo a Limited, nova versão de topo para 2003
Os motores a gasolina eram substituídos em maio de 2001, como ocorrera nos EUA. A versão de quatro cilindros trazia o novo 2,3 com 16 válvulas e 137 cv. Na V6, evolução ainda maior: ganhava 50 cv, chegando aos 210, com o novo 4,0-litros de comando no cabeçote. Este motor podia vir com inédita transmissão automática de quatro marchas, mas duraria pouco, vítima do desinteresse do mercado por picapes de alto consumo.
Diesel revigorado
Com a escalada do preço dos combustíveis na década de 2000, os motores a diesel ganhavam participação cada vez maior no segmento. Inferiorizada pela GM em potência desde que a S10 recebera um motor de 132 cv, a Ford respondia à altura em 2002 com o International de 2,8 litros dotado de turbo de geometria variável para 135 cv (uma versão com turbo convencional e 132 cv também estava disponível). O acabamento Limited chegava na linha 2003 com retrovisores, estribos e estrutura de caçamba cromados e bancos de couro de série. Vinha apenas com motor turbodiesel, tração 4×4 e cabine dupla.
A Ranger 2,8 foi avaliada pelo Best Cars: “As respostas do motor são muito boas em qualquer regime, embora atingir altas velocidades exija uma boa pressão no acelerador. Um ponto onde o Power Stroke supera tanto o 2,5 anterior quanto o MWM da S10 é o nível de ruído e vibração. Agradou a valentia da versão 4×2, que avançava pela lama e barro sem dificuldades — não há dúvida do importante auxílio do diferencial autobloqueante. As demais qualidades da Ranger estão intocadas: interior agradável e bem-acabado, painel e comandos bem funcionais, posição de dirigir melhor que na S10 e um estilo que, apesar da idade, não faz feio diante dos concorrentes”.
Próxima parte
Nas pistas
Nos Estados Unidos a Ranger participou até de recorde de velocidade. Em 2001 a Rocket Ranger (foguete) atingiu, nos famosos Lagos Salgados de Bonneville, Utah, a marca de 205,2 milhas por hora (330,1 km/h) na chamada milha lançada, ou seja, 1,6 km iniciado já em velocidade — um recorde para picapes. Modificada pela SPAL Advanced Technologies, ela usava motor V8 de 6,1 litros das provas de Nascar Winston Cup, fornecido pela Roush, com carburação quádrupla e cerca de 800 cv.
No Brasil, entre 2001 e 2009, a Ranger competiu na categoria Pick-up Racing contra Chevrolet S10 e Dodge Dakota. Os veículos tinham chassi original e peso mínimo de 1.320 kg. Os motores V6 preparados para mais de 300 cv usavam gás natural (de 2002 a 2005) e depois álcool.
Em 2014, um protótipo com estilo da Ranger competiu no 35°. Rali Dakar com os pilotos Lucio Alvarez e Chris Visser. A mecânica era bem diferente da do modelo de rua: motor V8 de 5,0 litros com 354 cv e torque de 57,2 m.kgf, caixa sequencial de seis marchas, tração permanente nas quatro rodas, suspensão independente à frente e atrás com dois amortecedores para cada roda. A carroceria era de compósito e havia um enorme tanque de 500 litros. Capaz de atingir 170 km/h, o veículo pesava 1.975 kg.
Outros dois protótipos, construídos pela sul-africana NWM (Neil Woolridge Motorsports), eram usados no Rally dos Sertões 2015 pela equipe X Rally Team. Mantendo o V8, tinham redução de peso em 200 kg, melhoria da distribuição de massas e rebaixamento do centro de gravidade em relação ao do ano anterior. Os pilotos eram Cristian Baumgart/Beco Andreotti e Marcos Baumgart/Kleber Cincea. No ano seguinte a frente era modificada para lembrar a da nova Ranger de série.