Ao adquirir projeto e ferramental, a BMW trocou o motor por um próprio a quatro tempos e fez evoluções decisivas para o sucesso do carro
BMW salva o Isetta — e a si própria
Mais caro que o Topolino, o Isetta conquistou poucos adeptos na Itália, onde a Iso fabricaria 1.000 deles até 1956. Diante do fracasso, Rivolta passou a licenciar o projeto para fabricação em tantos países quanto conseguisse: Bélgica, Espanha, França e, como veremos adiante, Brasil. Enquanto isso, a alemã BMW verificava queda nas vendas de motocicletas, sua especialidade desde antes do conflito, enquanto automóveis de luxo como o 501 eram caros e, vendidos em baixos volumes, demoravam a trazer retorno financeiro. Era preciso ter na linha um carro simples, popular e econômico para melhorar a situação financeira da marca.
A solução veio quando o representante suíço da empresa viu o estande da Iso no Salão de Genebra de 1954. Feito o contato, a BMW adquiriu não apenas a licença sobre o nome e o projeto, mas também o ferramental para fabricar a carroceria. Em um processo rápido o minicarro passava a ser feito em Munique, Alemanha, em abril de 1955. Embora mantivesse o estilo, a BMW havia reprojetado grande parte da mecânica, como suspensão e transmissão, e adotado o próprio motor de um cilindro e 247 cm³ a quatro tempos com 12 cv.
Por 20% do preço do sedã 502, o Isetta trouxe à BMW um lucrativo volume de vendas, que alcançaria 160 mil unidades em sete anos
Com essa versão despotenciada do R/27 de motocicleta, o Isetta conciliava confiabilidade e relativo desempenho: velocidade máxima de 85 km/h e aceleração de 0 a 60 km/h em cerca de um minuto. O tanque de apenas 13 litros de gasolina demorava a chegar à reserva, indicada por uma luz-piloto no painel. O peso havia subido para 350 kg. Com preço atraente — um quinto do que custava um sedã 502 de motor V8 —, a marca da Baviera obteria tanto sucesso que muitos ainda pensam ser ela a criadora do veículo.
Aos que estranharam a diminuta bitola traseira do Isetta, a BMW assegurou: “Quem nunca o dirigiu não acredita quão bem esse veículo se comporta”
Em sua apresentação, o chefe de desenvolvimento Fritz Fiedler justificou a escolha: “Deliberadamente, ele não pretende ser um sedã, mas é mais que algo para levá-lo do ponto A ao B. Ele dá aos ocupantes proteção completa contra as intempéries, você o dirige com mais facilidade que um carro grande, e ele pode ser conduzido com tal segurança que nem mesmo motoristas ineptos se colocariam e aos outros em risco”. Aos que estranharam a diminuta bitola traseira, assegurou: “Esses veículos desempenharam bem em provas de subida de montanha, e descobrimos o mesmo em nossos testes. Quem nunca o dirigiu não acredita quão bem esse veículo se comporta”.
A revista inglesa Motor Sport aprovou o Isetta alemão: “Ele mostrou-se uma revelação. O rodar é muito bom para um veículo tão leve e a direção macia é agradável. Ele é ideal para compras e pequenas viagens. Sua velocidade lida bem com um sedã médio inglês. No tráfego urbano é uma diversão: se a frente passa por uma fresta, não se preocupe com a traseira. O Isetta representa êxito em fornecer transporte a baixo custo, evitando as complicações de um carro e as desvantagens de uma moto”.
Na divulgação para os EUA, atributos técnicos, versatilidade e fácil estacionamento
A legislação alemã permitia que veículos com motor de até 250 cm³ fossem dirigidos com habilitação de moto, razão da escolha do motor inicial, mas essa norma mudava em 1956. Pelas novas regras, que exigiam habilitação de automóvel, automóveis podiam ter até 300 cm³ com a mesma alíquota de imposto. Isso motivou a BMW a oferecer como alternativa um motor maior, ocasião em que seu Isetta recebeu também alterações de carroceria.
Chamada de Isetta Moto Coupé De Luxe, a nova versão adotava janelas laterais corrediças, que abandonavam a forma de bolha e levaram a um vidro traseiro menos envolvente. Com 298 cm³, o motor passava a 13 cv e 1,9 m.kgf e melhorava o desempenho em baixas rotações, sem aumento de velocidade máxima. Outras novidades eram suspensão dianteira com amortecedores telescópicos e calibração mais macia (também na traseira) e, nas versões de exportação, para-choque dianteiro maior e opção de capota rebatível no lugar do vidro traseiro.
A Motor Sport avaliou-o na nova fase, na versão inglesa de três rodas (leia quadro abaixo), ao lado dos concorrentes Bond, Frisky, Heinkel, Messerschmitt e Scootacar: “A suspensão dá um rodar bastante macio, enquanto a direção responde bem. As mudanças de marcha são melhores que na maioria dos modelos e os acessórios são de melhor qualidade, como faróis e limpador de para-brisa”.
Próxima parteEm outros países
Além da alemã BMW e da brasileira Romi, empresas europeias fabricaram o Isetta sob licença na Áustria, Bélgica, Espanha, França, Inglaterra e Suécia. Ingleses, suecos e austríacos fizeram-no com uma só roda traseira, como no protótipo, em função das taxas de licenciamento mais baratas para motos e triciclos nesses países.
A versão britânica, feita pela Isetta of Great Britain Ltd. em Brighton de 1957 a 1964, usava motor BMW e foi exportada para outros países de circulação “invertida” como a Austrália. Como o volante ficava na direita, a porta tinha abertura contrária de modo a facilitar o acesso pelo lado usual da calçada quando estacionada em paralelo. Um problema era que o motorista estava do mesmo lado do motor, desequilibrando o leve veículo quando ele rodasse só: para compensar, havia um contrapeso de 27 kg do lado esquerdo do carro, o que não ajudava o modesto desempenho. No mesmo país a empresa Smiths oferecia um sistema de embreagem automática por acoplamento magnético.
A francesa Velam (Véhicule Léger à Moteur, veículo leve com motor) fez seu modelo entre 1955 e 1958 com motor de 236 cm³ e desenho próprio, mais arredondado, que realçava a semelhança com um ovo. Era conhecido por lá como “pote de iogurte” pela semelhança com as embalagens da época e pela cor de muitas unidades, a mesma do produto lácteo.
Outras diferenças eram botão para abrir a porta (em vez de maçaneta), velocímetro no meio do volante e a construção sem chassi separado: havia apenas um subchassi na traseira ao qual se fixavam motor, transmissão e rodas. A Velam elaborou também versões especiais: a Ecrin, com janelas corrediças, rádio, material de absorção de ruídos e suspensão mais elaborada; a Sport e a Course, voltada a competições. Fez cerca de 5 mil unidades, ante apenas mil da própria Iso. No anúncio com a Velam Course, o título: “A ta santé, et bonne course!” (À sua saúde, e boa corrida!).