Sem conquistar pelo estilo como outros da marca, o sedã médio compensou pela mecânica, que seguia tradições depois abandonadas
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A italiana Alfa Romeo tem uma longa tradição em automóveis de linhas sedutoras, quase femininas, de clássicos como o 6C dos anos 30 e o Giulietta dos anos 50 a modelos recentes como o 156, lançado em 1998. Mas nem sempre os Alfas foram assim: na década de 1980, tempo de formas retilíneas, a marca de Milão produziu modelos como o memorável sedã médio 75.
Último lançamento da Alfa Romeo antes da aquisição pela Fiat, o 75 chegava ao mercado em maio de 1985 para substituir o Giulietta, em produção havia sete anos. A adoção do número — referente ao septuagésimo quinto aniversario da marca fundada em 1910 — como nome seguia o padrão dos Alfas 6, 33 e 90 que se manteria nos decênios seguintes, como nos 164, 155, 145/146, 156, 166, 147 e 159.
Desenvolvido durante uma crise financeira da Alfa, o 75 não poderia ser totalmente novo: a estrutura básica e o formato da cabine eram os mesmos do Giulietta, enquanto a mecânica aproveitava componentes do Alfetta, em linha desde 1972. Por isso seu estilo seguia — com algum atraso — a tendência de linhas retas que vigorou dos anos 70 ao começo dos 80, mas adotava uma tampa de porta-malas bastante alta, solução inaugurada dois anos antes pelo Mercedes-Benz 190. Um friso preto percorria as laterais, acima das maçanetas embutidas, e dava a volta pela traseira. O coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,36 era adequado.
Em crise, a Alfa criou o 75 aplicando nova “roupa” à estrutura do Giulietta; a traseira tinha eixo De Dion e freios junto ao diferencial
O sedã de quatro portas media 4,33 metros de comprimento, 1,63 m de largura, 1,35 m de altura e 2,51 m de distância entre eixos e pesava 1.100 kg na versão básica. O padrão retilíneo era mantido no interior, como no painel um tanto alto na região central, deixando o aparelho de áudio em destaque, e nos instrumentos. Um recesso no lado do passageiro abria espaço para objetos. O volante era de três raios e os passageiros de trás contavam com apoio de braço central.
O motor de 2,0 litros recebia variação de tempo de abertura de válvulas — a primeira no mundo —, injeção e duas velas por cilindro, arranjo nomeado Twin Spark
As primeiras opções de motores eram de 1,6 litro (potência de 110 cv e torque de 14,9 m.kgf), 1,8 litro (120 cv e 17,3 m.kgf) e 2,0 litros (128 cv e 18,6 m.kgf) a gasolina, todos de quatro cilindros em linha com duplo comando de válvulas e alimentação por carburador; V6 de 2,5 litros com injeção, 156 cv e 21 m.kgf na versão Quadrifoglio Verde, o tradicional trevo de quatro folhas da marca; e o turbodiesel da VM Motori de 2,0 litros, 95 cv e 19,6 m.kgf. Todos vinham com câmbio manual de cinco marchas.
Por manter a arquitetura de modelos anteriores, o 75 não sofreu influência da Fiat ou mesmo de associações como a que resultou no 164. Isso fez com que mantivesse uma tradição da empresa — a tração traseira — e usasse recursos técnicos para obter divisão de peso ideal de cerca de 50% para cada eixo, como a montagem da caixa de câmbio em um transeixo na traseira. Outras soluções peculiares eram a suspensão dianteira com braços sobrepostos e barras de torção (não as mais comuns molas helicoidais), eixo traseiro De Dion (com o diferencial suspenso, para melhor comportamento dinâmico que com eixo rígido convencional) e freios traseiros internos, montados junto ao diferencial. As rodas eram de 13 ou 14 polegadas, conforme a versão.
O 75 Quadrifoglio Verde trazia o venerado motor V6 de 2,5 litros; no interior, linhas retas e painel volumoso com muitos instrumentos
O 75 representava Milão em um segmento repleto de opções, como os franceses Citroën BX e Renault 21, os compatriotas Fiat Regata e Lancia Prisma e os alemães Audi 80, BMW Série 3 (geração E30), Ford Sierra, Mercedes-Benz 190, Opel Ascona e Volkswagen Passat. A revista inglesa Motor comparou a versão 1,8 ao BMW 318i: “O Alfa oferece bom desempenho em um chassi competente; o motor de duplo comando longamente estabelecido é a chave de seu caráter”.
“Silencioso ele não é, mas seu som é música para muitos e a potência é entregue com suavidade até a faixa vermelha a 6.250 rpm”, definiam os britânicos. Superior ao BMW também em estabilidade, freios, espaço e equipamentos, o 75 perdeu em economia, câmbio, painel e acabamento. Conclusão: “Não há um vencedor claro. Se você quer racionalidade e imagem superior, compre o BMW. Contudo, se tem mais sensibilidade que sensatez e se ama carros, o Alfa é mais provável de ser o seu carro”.
A mesma revista aprovou o 75 V6 2,5: “O Alfa é bastante rápido, embora haja rivais com mais potência e menos peso. A verdadeira glória de seu desempenho é a forma sem esforço, mas empolgante, com a qual ele é fornecido. Das respostas precisas ao ronco em altas rotações, esta obra-prima de alumínio oferece sensações e satisfação a que até mesmo a liga júnior de V8 de Maranello tem dificuldade em se equiparar. O 75 combina habilidade real com um sedutor charme latino. É facilmente o melhor carro que a Alfa já produziu com seu fabuloso V6”.
Rodas, faixas e defletores anunciavam o 75 Turbo Evoluzione, um especial de homologação; à direita, a versão Milano para os EUA
A versão Turbo a gasolina com motor de 1,8 litro, duplo comando, turbocompressor e injeção (155 cv e 23 m.kgf) era acrescentada em 1986: potência e torque bem-vindos, sobretudo em países com penalização fiscal a carros de maior cilindrada — caso da própria Itália, onde superar 2.000 cm³ dobrava a tributação —, mas que acabaram reduzindo o interesse pelo V6 2,5. No ano seguinte a Alfa resolvia a questão deixando o seis-cilindros mais vigoroso na versão America, com 3,0 litros, 188 cv e 25,5 m.kgf. Enquanto isso, o 2,0-litros recebia variação de tempo de abertura de válvulas — a primeira no mundo —, injeção e duas velas por cilindro, arranjo nomeado Twin Spark que reduzia emissões poluentes, para obter 148 cv e 19 m.kgf.
Para homologar o 75 para o Grupo A de competição e colocá-lo em campeonatos de turismo, a Alfa lançava ao mercado em 1987 uma série de 500 unidades do Turbo Evoluzione (evolução em italiano), dotado de chamativos anexos aerodinâmicos, faixas laterais em degradê e rodas vermelhas. O motor turbo tinha cilindrada reduzida de 1.779 para 1.762 cm³, para ficar dentro da classe de 3,0 litros pelo coeficiente de equivalência de 1,7 da FIA (Federação Internacional do Automóvel), que resultava em 2.995 cm³. Embora mantivesse a potência declarada de 155 cv, há quem garanta que desenvolvia mais.
O 75 foi vendido de 1987 a 1989 também nos Estados Unidos, onde se chamava Milano e tinha alterações como para-choques mais resistentes com amortecedores, reforços estruturais e tanque de combustível montado atrás do banco traseiro — posição mais segura em colisões, mas que custou importante redução do espaço de bagagem. Acabamento e conteúdo também mudavam, sendo o carro dotado de ar-condicionado de série e controlador de velocidade. Apenas os motores V6 2,5 e 3,0, este na versão Milano Verde, foram oferecidos por lá. Como na Europa, o único câmbio automático oferecido era de três marchas por limitações de espaço no transeixo.
O 75 Twin Spark (à esquerda), com variação de válvulas e duas velas por cilindro, e o America V6 de 3,0 litros, novidades de 1987
O 3,0 para os europeus tinha o tanque maior (70 litros contra 49) atrás do banco e os para-choques volumosos do norte-americano, fazendo dele o 75 mais pesado (1.330 kg), mas também aumentando a autonomia. Ligeiras mudanças de estilo — para-choques na cor do carro, nova grade, lanternas traseiras — vinham em 1988, assim como alterações técnicas: o motor 1,8 aspirado ganhava injeção, passando a 122 cv e 16 m.kgf, e surgia um turbodiesel de 2,4 litros, 112 cv e 23,9 m.kgf.
Na linha 1990 era a vez da injeção para o 1,6 (agora com 107 cv e 13,9 m.kgf), enquanto o 1,8 e o V6 3,0 ganhavam injeção mais moderna, aumento de potência (192 cv no segundo, o mesmo motor que teríamos aqui no 164) e acertos na suspensão. O 1,8 turbo vinha na opção Quadrifoglio Verde com 165 cv e 23 m.kgf, além da inédita direção assistida. Já em fim de produção, a Alfa ofereceu em 1991 a série especial A.S.N. (Allestimento Sportivo Numerato, acabamento esportivo numerado) de 4.500 unidades com rodas esportivas, bancos Recaro e os motores 2,0 Twin Spark e 1,8 turbo. Outras edições desse ano foram a Imola e a Indy.
O 75 alcançou boa aceitação, com 375 mil unidades vendidas em oito anos, sendo a versão 1,6 a mais numerosa. Foi bastante usado por forças policiais da Itália como a Arma dei Carabinieri (arma dos carabineiros, uma das quatro forças armadas do país) e a Polizia di Stato. Um estudo de perua com o nome Sportwagon apareceu nos Salões de Turim (1986) e Genebra (no ano seguinte), construído pela Rayton Fissore, mas a Fiat decidiu não seguir o projeto.
A edição especial Indy, uma das três lançadas na fase final em 1991, e a perua Sportwagon, que não passou da fase de conceito
Em competições, o 75 ganhou versões conforme os regulamentos Grupo N, Grupo A3 e Grupo A1. O N era ligeiramente preparado para 204 cv, o A3 tinha motor e câmbio mais modificados e 280 cv e o A1, destinado à classe IMSA (Associação Internacional do Esporte a Motor), vinha com 400 cv no motor turbo e peso bastante reduzido.
O departamento de corridas Alfa Corse levou seis unidades do 75 Turbo Grupo A ao Campeonato Mundial de Carros de Turismo em 1987, com pilotos renomados (Alessandro Nannini, Gabriele Tarquini, Jacques Laffite, Jean-Louis Schlesser, Mario Andretti e Nicola Larini) e motores de mais de 300 cv, mas os resultados foram modestos e, por questões políticas, a marca deixou o certame durante a temporada. No ano seguinte Gianfranco Brancatelli venceu o Campeonato Italiano de Carros de Turismo (ITC), no qual Giorgio Francia seria segundo em 1991. O 75 Turbo Evoluzione ganhou ainda o Giro d’Italia em 1988 e 1989.
Como seu sucessor 155 usava plataforma do grupo Fiat e tração dianteira (assim como fizera o 164), muitos chamam o 75 de “último Alfa verdadeiro”. A fidelidade dos fãs fez com que a fábrica o fornecesse a alguns mercados até 1994, dois anos após o lançamento do substituto. Agora, mais de 20 anos depois, o novo Giulia promete trazer de volta à marca o apelo dos sedãs de tração traseira e alto desempenho.
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