Nascido tímido, o japonês abriu o leque de opções e ofereceu
recursos como turbo, tração integral e direção nas quatro rodas
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A indústria japonesa tem como hábito manter por décadas a denominação de um automóvel, como atestam exemplos como Honda Civic (desde 1972), Mitsubishi Colt (desde 1962), Nissan Bluebird e Skyline (ambos de 1957) e Toyota Crown (1955) e Corolla (1966). Isso valeu também para outra nipônica, a Mazda, que por 24 anos e cinco gerações usou a numeração 626 em seu sedã de porte médio.
O 626 foi lançado em outubro de 1978 como sucessor dos modelos 616 (com motor de 1,6 litro) e 618 (de 1,8 litro), produzidos desde 1970. Os números eram usados em mercados de exportação, pois os japoneses conheceram ambas as gerações como Capella. Com motor longitudinal e tração traseira, o 626 oferecia carrocerias de duas e quatro portas, seguia linhas retas — um abandono das curvas do antecessor — e media 4,26 metros de comprimento com entre-eixos de 2,51 m. O coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,38 era bom para seu tempo.
Dois motores estavam disponíveis: de 1,6 litro com potência de 75 cv e de 2,0 litros com 90 cv (nos Estados Unidos eram 80 cv por causa de restrições de emissões poluentes), ambos com comando de válvulas no cabeçote e carburador, associados a câmbio manual de cinco marchas ou automático de três. A suspensão dianteira era independente McPherson, mas na traseira vinha um eixo rígido. Uma reforma visual na frente e nos para-choques aparecia em 1980.
Sedã e cupê mostram a primeira geração do 626, que no Japão era chamado
de Capella; embaixo à direita, o modelo retocado na frente em 1980
Em comparativo da revista Car and Driver, nos EUA, o 626 cupê não entusiasmou: “Estilo inócuo e painel de instrumentos desinteressante que não combinam com o desempenho do carro”. Qualidade e conforto foram elogiados, mas não o nível de ruído do motor. Sua aceleração de 0 a 96 km/h em 11,8 segundos superou a do Honda Prelude, empatou com a do Dodge Omni 024 e ficou atrás das de Mercury Capri e Volkswagen Scirocco, este o mais rápido do teste.
A terceira geração do 626 ofereceu esterçamento
das rodas traseiras com controle eletrônico,
na mesma direção das dianteiras ou na oposta
A segunda geração aparecia em setembro de 1982 com outra arquitetura: agora o motor era transversal com tração dianteira, tendências em sua época. Com o mesmo entre-eixos, o 626 passava a medir 4,52 m e ganhava linhas mais modernas, ainda retilíneas, com grande área envidraçada. Além do cupê e do sedã quatro-portas, havia um hatchback de cinco portas. Os motores estavam mais potentes, com 81 cv no 1,6-litro e 102 cv no 2,0-litros (mas só 83 cv nos EUA), e havia uma opção a diesel de 2,0 litros e 66 cv para a Europa. Foi eleito Carro do Ano no Japão.
A reformulação surtiu efeito. O 626 entrou em 1984 para a galeria de 10 melhores carros da Car and Driver, que assim o descreveu: “Ele combina as virtudes tradicionais do Honda Accord de excelente uso do espaço, acomodações agradáveis e grande seleção de equipamentos com algumas qualidades que nem o Honda iguala, como o estilo de formas orgânicas, fluidas. A influência europeia continua na dirigibilidade: motor e câmbio estão prontos para as velocidades ilegais nas quais o chassi brilha. É a escolha definitiva do entusiasta entre os sedãs acessíveis”.
Grandes novidades na segunda geração, como motor transversal, versão
hatch e painel digital; o esportivo GT teve motor com turbo e 145 cv
No mesmo ano o 626 cupê de 2,0 litros era comparado pela inglesa What Car? ao Prelude e ao Scirocco, ambos 1,8. Saiu-se bem em desempenho e foi o melhor em conforto interno, mas ficou para trás em comportamento e conforto de rodagem. A revista recomendou o VW: “O Mazda tem estilo, boa relação custo-benefício, equipamentos de luxo e o maior espaço entre eles, mas achamos cansativos demais seu rodar duro e o motor ruidoso. Seus maiores inimigos talvez sejam o motor e a versão de cinco portas, com o mesmo conteúdo e mais barata”.
O modelo 1985 ganhava retoques visuais, com frente mais longa, e a opção de painel digital de cristal líquido. No ano seguinte apareciam o esportivo 626 GT, com motor turbo de 2,0 litros com injeção que fornecia 120 cv nos EUA e 145 em outros mercados, e um câmbio automático de quatro marchas. A Motor Trend aprovou: “Ficamos impressionados com a suavidade da entrega de potência, a curva plana de torque (com boa parte disponível de imediato) e o motor que gira livre”. De 0 a 96 ele precisou de apenas 7,8 segundos.
A parceria da Mazda com a Ford rendeu uma derivação do sedã 626 para a marca do oval em mercados da Ásia-Pacífico, o Telstar, com estilo diferenciado por fora e por dentro, que substituía o Sierra antes importado da Inglaterra. Essa geração teve uma sobrevida até 1993 na África do Sul, mas os demais mercados recebiam já em maio de 1987 o terceiro 626, com maior entre-eixos (2,57 m, exceto no cupê, que mantinha os 2,51 m), comprimento entre 4,51 e 4,61 m e opções de tração integral e freios com sistema antitravamento (ABS). O cupê era renomeado MX-6 para os EUA, onde daria origem ao Ford Probe.
Estilo equilibrado no 626 de terceira geração, que oferecia as carrocerias
hatch, sedã, cupê e perua e opções de tração e direção nas quatro rodas
Os motores eram de 1,6 (81 cv), 1,8 (90 cv), 2,0 (102 cv) e 2,2 litros (115 cv), além do 2,0 com duplo comando, 16 válvulas e 148 cv do GT. O 2,2 usava três válvulas por cilindro, solução que teve certo espaço na indústria japonesa. Na linha a diesel, ao lado do aspirado, foi oferecido o 2,0 RFT de 82 cv com compressor Comprex, solução incomum que vinha do utilitário Bongo. Novidades em 1988 eram a perua e o sistema de esterçamento das rodas traseiras com controle eletrônico (AWS, all-wheel steering), recurso que outras marcas (Honda, Nissan) também lançaram no Japão nesse período, em alguns casos com controle mecânico. Podia equipar apenas o hatch e o cupê. Retoques de estilo vinham em 1990.
A revista inglesa Autocar testou em 1988 o 626 GT hatch AWS: “A direção nas quatro rodas torna a direção mais fácil e segura. Acima de 35 km/h as rodas traseiras viram na mesma direção das dianteiras, com ângulo máximo de 5 graus. A estabilidade e a segurança tornam-se evidentes: a rápida direção deixa o 626 agradavelmente estável. Manobras rápidas de evasão podem ser feitas com grande margem de segurança. Em menor velocidade, o esterçamento em ângulo oposto faz de estacionar uma brincadeira de criança”. O desempenho do GT — que acelerou de 0 a 96 km/h em 9,4 segundos — foi bom, mas o nível de ruído mereceu críticas.
O 626 aderia à tendência das formas “orgânicas” — fluidas e arredondadas — dos carros japoneses na geração de novembro de 1991, que substituía o nome Capella no mercado local por Cronos para o sedã e Efini MS-6 para o hatch, estas as únicas carrocerias disponíveis em qualquer país. Quem quisesse a perua teria à disposição até 1999 o modelo de geração anterior. O carro continuava a crescer, com 4,67 m a 4,69 m de comprimento e 2,61 m entre eixos, e continuava a ter sua versão Telstar para a Ford. Carros desse período foram vendidos no Brasil por importação oficial.
No quarto modelo a Mazda seguia linhas arredondadas e inaugurava
sua produção nos EUA; apenas hatch e sedã estavam disponíveis
Pela primeira vez um Mazda era fabricado também nos EUA — o 626 que saía de Flat Rock, no Michigan. Os motores aumentavam para acompanhar os maiores tamanho e peso: 1,8 de 104 cv, 2,0-litros de 118 cv e um inédito V6 de 2,5 litros e 164 cv, além do diesel com compressor e 82 cv para a Europa. Nos EUA, a Car and Driver opinou: “O fluido V6 leva sua massa até 96 km/h em meros 7,3 segundos, o que supera completamente qualquer Accord e perde apenas para o Ford Taurus SHO. Sua velocidade máxima e a aceleração lateral impressionam. O 626 também é fácil e natural de dirigir suavemente”.
Apenas no Japão, um sedã com carroceria mais estreita foi fabricado entre 1994 e 1997 para enquadrar o 626 em faixa mais leve de tributação, que naquele país considera a largura como importante fator. Essa versão tinha motores de 1,8 e 2,0 litros e podia receber tração integral.
Na quinta e última geração, de 1997, o 626 teve três carrocerias diferentes — para os EUA, o Japão e os demais mercados —, sendo o modelo nipônico o mais estreito deles, e o norte-americano, o mais longo. A versão internacional media 4,57 m (a dos EUA, 4,74 m) e todas seguiam o entre-eixos de 2,67 m. Voltavam a existir sedã, hatch e perua com o mesmo desenho de frente e a tração integral permanecia entre as opções. A linha de motores passava pelos 1,8 (90 cv) e 2,0-litros (115 ou 136 cv) a gasolina, o V6 de 2,5 litros (170 cv) e um 2,0 turbodiesel (101 cv) para os europeus. Apenas o 2,0 (com 130 cv) e o V6 estavam disponíveis nos EUA.
Na última geração houve carrocerias distintas para EUA (abaixo à direita),
Japão e Europa (outras fotos) e a perua voltou a seguir o estilo da linha
Uma versão esportiva com motor 2,5 biturbo de 280 cv — a maior potência permitida pelo governo japonês na época —, o 626 MPS ou Mazda Performance Series, foi apresentada no Salão de Genebra de 2000, mas nunca chegou ao mercado. Nesse ano o 626 norte-americano ganhava bolsas infláveis laterais dianteiras; no Japão já estava disponível câmbio automático com seleção manual.
Em comparativo ao Honda Accord e ao Toyota Camry na Motor Trend, o 626 destacou-se em direção e foi bem avaliado em conforto interno e estabilidade, mas ficou para trás em desempenho: “Em conforto de marcha o melhor é o Camry, o Accord é mais firme e preciso e o 626 fica no meio termo, mantendo-se mais composto que o Toyota em uso severo. O Mazda enfrenta um grande desafio neste segmento tão competitivo: apesar de bons detalhes como controle de tração e travas a distância em um preço básico muito atraente, ele é bastante pressionado contra esses dois gigantes”.
O 626 foi produzido até 2002 tanto nos EUA quanto no Japão, embora tenha seguido por mais três anos na Colômbia. Em seu lugar a empresa lançou o Mazda 6, denominação que está em uso até hoje: seria o caso de mais um logotipo de longa vida?
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