Herdeira de uma tradição em ralis, a CRF 1000 estreia no Brasil com foco na versatilidade e no uso fora de estrada
Texto: Geraldo Tite Simões – Fotos: divulgação
Num belo dia de dezembro de 1978, um ano após ter-se perdido no deserto do Ténéré durante um rali, o francês Thierry Sabine inventou o Rali Paris-Dakar, que ligava a capital francesa à do Senegal, na África. Em meio a carros e caminhões, os pilotos de motos tinham de atravessar parte do continente africano com modelos pesados e velozes, usando bússolas normais e uma tremenda dose de coragem. Uma das motos que marcou essa geração foi a Honda NXR 750, com motor V2, que serviu de inspiração para a XRV 650 Africa Twin (depois 750) de produção.
Desde então o Dakar saiu da África, veio para a América do Sul (mas manteve o nome africano, vai entender…), as motos encolheram para leves e ágeis 450 e os grandes modelos de uso misto ficaram só para viagens ao redor do mundo. Como estamos vivendo a fase de resgatar coisas boas do passado, a Honda decidiu trazer de volta a Africa Twin, agora com motor de dois cilindros em linha e 1.000 cm³, que desenvolve potência de 90,2 cv e torque máximo de 9,3 m.kgf.
Antepassadas: as versões 650 e 750 da Africa Twin, com motor V2, foram baseadas na Honda NXR 750 que competia no Rali Paris-Dakar
Esses números não traduzem exatamente o que a CRF 1000 Africa Twin pode fazer: uma moto efetivamente pronta para rodar no asfalto com conforto e na terra com eficiência. Feita para coisa braba mesmo, pegajosa, com pedra, erosão, rios sem pontes, pontes de troncos, essas coisas que fazem a cabeça de todo aquele que gosta mesmo de fora de estrada e não apenas faz pose para Instagram.
A Africa Twin oferece bom conforto para piloto e garupa, com posição de pilotagem que não deixa as pernas tão recuadas; pode-se rebaixar o banco em 20 mm
Embora disponível no exterior também com transmissão automatizada de dupla embreagem, ao Brasil vem apenas a opção com trocas convencionais em duas versões: a básica, ao preço sugerido de R$ 64.900, e a Adventure, equipada com bolsas laterais, para-brisa alto e outros detalhes por R$ 74.900. Por concorrer mais com as motos de 800 a 950 cm³ da categoria, esperava-se um valor um pouco menor, mas sobre o preço voltaremos adiante.
Parada, a Africa Twin mostra-se menor e mais magra do que o padrão atual das grandes uso-misto. Aliás, seria injusto classificá-la na mesma categoria de BMW R 1200 GS, Yamaha Super Ténéré 1200 ou Triumph Tiger Explorer 1200, todas com transmissão por cardã e porte bem maior.
A nova Honda chega em versões básica e Adventure, ambas com motor 1.000 de dois cilindros; a transmissão automatizada do exterior não veio
À parte o preço, que realmente está fora da curva, a nova Honda não compete com esses modelos: trata-se de uma moto muito mais simples e versátil. Enquanto as citadas BMW, Triumph e Yamaha ou mesmo a Ducati Multistrada usam roda dianteira de 19 polegadas e pneus mais esportivos, a Africa Twin tem aro dianteiro de 21 pol, pneus com câmara de uso misto e suspensão calibrada para fora de estrada.
O painel de instrumentos digital, com mostradores separados por funções, é fácil de ler mesmo durante o dia — só o marcador de temperatura fica obstruído pelo cabo da embreagem. Novidade em mercado brasileiro são as luzes de direção dianteiras que permanecem ligadas junto com o farol, como nos Estados Unidos: é boa ideia porque o motorista bate o olho pelo retrovisor e já identifica que é uma moto, não um carro de farol queimado.
A simplicidade domina nos punhos com poucos comandos, bem acessíveis. Como vem se repetindo na linha Honda, as posições da buzina e da seta são invertidas. Nada de manoplas aquecidas, controlador de velocidade, regulagem do para-brisa: a Africa Twin traz apenas o essencial e entre eles está o seletor para uma das funções mais importantes, o controle eletrônico de tração.
Mais “magra” que as uso-misto da classe 1.200, a Africa Twin tem instrumentos digitais fáceis de ler e controle de tração com seletor de programas
Ao guidão da Africa Twin
A avaliação da imprensa não poupou aventura: começou por rodovias asfaltadas saindo de Ribeirão Preto, SP, para Passos, MG, porta de entrada da Serra da Canastra, onde teríamos pela frente 100 km de terra. Assim que o motor é acionado, percebe-se que o bicilíndrico é bem silencioso. Mesmo na velocidade de cruzeiro de 120 km/h, cumprida a 4.000 rpm, os níveis de ruído e vibração são bem baixos. Além de contar com três contrarrotores no virabrequim, a ignição é defasada em 270°, o que deixa o 1.000 com funcionamento parecido ao do um motor em “V”, em especial em baixa rotação.
No primeiro trecho foi possível avaliar o bom conforto para piloto e garupa, com posição de pilotagem que não deixa as pernas tão recuadas mantendo o banco na posição mais alta. A altura original do banco ao solo é de 870 mm, mas se pode rebaixá-lo em 20 mm, o que facilita muito a vida dos pilotos com menos de 1,75 metro. O para-brisa original não desvia bem o vento e é preciso se abaixar para conseguir alguma proteção. Para a versão Adventure é oferecido um conveniente para-brisa maior.
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