QQ, Mobi, Kwid e Up: estilo em edição concentrada

Chery, Fiat, Renault e Volkswagen mostram que os subcompactos não só evoluíram, como se diversificaram

Texto: Danillo Almeida – Fotos: divulgação

 

O público brasileiro teve uma concepção muito rígida de carro pequeno durante décadas: modelos como Fiat Palio e Volkswagen Gol. Hatchbacks de porte compacto, mas espaço interno suficiente para receber uma família pequena; lista de equipamentos modesta, mas suficiente para garantir certo nível de conforto; e motores econômicos, mas potentes o bastante para as tarefas do dia a dia e até alguma diversão. O modelo alemão liderou nosso mercado de 1987 a 2013 por ser um símbolo dessa fórmula.

É fácil perceber que essa concepção prima pelo equilíbrio; ela nasceu quando as opções de carros no Brasil eram poucas e o volume de vendas do mercado não justificava a vinda de outras. Seu maior problema é que o contexto que a tornou popular não existe mais. O mercado está mais aberto sob os pontos de vista político e econômico e, ao mesmo tempo, o público está se libertando das opiniões formadas e repassadas cegamente e fazendo análises mais justas. Seria impossível que o conceito ideal de carro permanecesse inalterado.

 

 

Hoje, além dos variados estilos de carroceria, observa-se um desdobramento do mercado quanto ao tamanho físico de cada estilo. Entre os hatches, os fabricantes subdividiram a fórmula antiga em três: vieram os superiores, mas ainda abaixo dos médios, e os subcompactos abaixo de todos para formar a nova base do mercado. A linha atual da Volkswagen apresenta exemplos suficientes: estão lá o médio Golf, o compacto superior Polo, os compactos veteranos Fox e Gol e o subcompacto Up.

Ao comparar compactos e subcompactos, a diferença mais importante não é tamanho ou preço, mas sim proposta de uso. O Renault Kwid, por exemplo, é menor e mais simples que o Sandero, mas oferece um apelo emocional que não se vê nas versões convencionais deste último; o Kwid é comprado por quem não precisa e, em especial, não quer o que o Sandero tem a oferecer. Enquanto o equilíbrio dos compactos continua atraente para famílias, o comprador ideal dos subcompactos é mais jovem e geralmente sem filhos, faz um uso mais leve do carro e tem perfil mais emocional.

Subcompactos começaram a chegar ao Brasil nos anos 1990, devido à reabertura das importações, mas fracassaram porque o mercado ainda estava no momento mencionado alguns parágrafos atrás. Hoje, esse nicho de mercado não só está se estabelecendo cada vez mais, como já conta com um modelo desenvolvido localmente, o Fiat Mobi. Aqui, o Best Cars o coloca lado a lado com os rivais diretos Chery QQ, Renault Kwid e Volkswagen Up, para comparar seus detalhes de estilo e analisar como cada um interpreta a proposta de automóvel subcompacto.

 

 

Mesmo um primeiro olhar percebe que os subcompactos de Fiat e Renault guardam grandes semelhanças entre si: ambos procuram passar uma imagem de imponência e volume. O que requer mais atenção, no entanto, é perceber que QQ e Up são mais parecidos (entre si) do que se poderia pensar a princípio. Essa divisão é tão forte na análise da parte dianteira que vale para todos os itens destacados. É um belo indicador de que não há somente uma forma de desenhar carros subcompactos com resultado agradável, como era comum pensar até não muito tempo atrás.

Em Mobi e Kwid, o capô avança sobre os faróis. Isso força estes últimos a adotar aparência mais ousada, quase como olhos em expressão de raiva. QQ e Up usam formato mais amendoado e independente; é o capô que se adapta aos faróis, o que lhes dá aparência mais suave e discreta e faz a dianteira parecer mais alta e “limpa”. Alguns apreciam a sensação de leveza dessa solução; outros preferem o caso contrário pela certa sensação de esportividade.

 

 

Divisão similar à anterior. Mobi e Kwid dão continuidade à imagem forte e impactante ao destacar as entradas de ar superiores, tanto pela cor preta como pelo tamanho. Em QQ e Up, ela adota um perfil baixo e com decoração discreta, denotando o papel secundário. Como a entrada de ar e os faróis têm uma conexão visual íntima na maioria dos carros, isso prova de que o estilo recebeu mais esmero do que se costuma esperar de carros de entrada.

Com entradas de ar superiores tão destacadas, já era de se esperar que Fiat e Renault aplicassem desenhos mais discretos às inferiores. O que surpreende é a semelhança, tanto no formato como no tamanho — que não é notada com facilidade porque todo o entorno é diferente, seja no relevo ou nas cores. Nos outros dois, a única semelhança é o fato de destacar a entrada de ar inferior. Forma, posição, tamanho e cores têm diferenças gritantes.

Mobi e Kwid usam os faróis de neblina em posição elevada e com suporte quadrado, mas o primeiro aplica uma solução de acabamento levemente esportiva; no Renault o suporte é mais simples porque a porção inferior da carroceria é preta, o que combina com sua intenção de parecer um utilitário esporte. QQ e Up usam faróis integrados ao desenho da entrada de ar inferior, mas o chinês os destaca levando às pontas, enquanto o alemão os usa praticamente sem qualquer ressalto.

 

 

Uma das razões de críticas aos subcompactos dos anos 1990 era sua aparência de bolha, muito diferente do padrão. Essa semelhança só é preservada pelo QQ; o Mobi, por sua vez, usa um volume frontal tão alto e horizontal que poderia servir a um modelo de porte maior. Kwid e Up alcançam resultados intermediários, mas com soluções diferentes: a dianteira do Renault, mais retilínea, disfarça a área da carroceria com os para-lamas em plástico preto; o visual do alemão é mais esguio e esportivo.

O uso de vincos requer cuidado nesses carros, porque a carroceria diminuta torna fácil cometer excessos. Renault e Volkswagen foram cautelosas e fizeram escolhas genéricas: um vinco simples para a linha de cintura e outro abaixo para quebrar a área limpa. Mobi e QQ fizeram o contrário. A Fiat apostou em vincos fortes acima das rodas para sugerir esportividade e sensação de porte, enquanto os do chinês parecem aleatórios, sem conexão com o restante da carroceria.

Mobi e Up usam puxadores de alça — discretos quanto a forma e posição — e os alinham, de maneiras diferentes, ao vinco da linha da cintura. Em QQ e Kwid, o acabamento plástico só não é indiscreto em carrocerias pretas; de resto, confere visual antiquado e pobre. O destaque vai para o Chery: a maçaneta traseira colada à janela tenta emular o visual oculto que ficou famoso no Alfa Romeo 156, mas as formas e o acabamento deixaram o resultado esquisito.

Qualquer retoque nas janelas traria um custo de produção elevado, portanto é comum investir em um desenho duradouro. Em carros de baixo custo, aplicar acabamento plástico à frente das janelas é um luxo, visto em QQ e Up. Kwid e Up têm colunas traseiras espessas para sensação de robustez. Só o alemão, porém, usa linha de base horizontal: a Volkswagen brasileira o refez assim para não provocar claustrofobia nos ocupantes.

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São carros pequenos, mas a exigência de espaço permanece. Uma solução é deixar o teto retilíneo e elevado, que prejudica o visual. Kwid e Up lidam com isso usando colunas traseiras espessas, para sensação de robustez. Em QQ e Mobi as lanternas invadem mais as laterais. O Fiat vai além e estende visualmente o vidro traseiro com acabamento plástico, de modo a dissimular a largura da coluna.

O público-alvo dos subcompactos não tem no espaço de porta-malas uma prioridade. Isso se observa nas tampas: só a do Kwid é convencional, com formato largo e de base baixa. Em QQ e Mobi ela é feita de vidro, decisão que impôs uma posição mais protegida de impactos leves, mas prejudicou o acesso da bagagem. A do Up europeu também é assim, mas o modelo brasileiro ganhou uma feita de aço. Como a mudança não agradou, ela passou a ser pintada nas versões com motor TSI e, depois da reforma para 2018, em todas.

 

 

QQ e Up usam lanternas verticais, o primeiro com formato arredondado e posição elevada e o outro com as soluções opostas. Mobi e Kwid usam forma quase quadrada e posição convencional. QQ e Mobi investem em tamanho exagerado, enquanto Kwid e Up buscam a discrição. Mobi e Up usam desenho interno rebuscado, ao passo que o Kwid obtém a aparência mais neutra. No QQ a disposição, o tamanho e até a montagem das lanternas dão aparência pobre.

Embora a aparência delicada do QQ divida opiniões, o trabalho com vincos e plástico preto preencheu uma área extensa sem ficar vazio ou carregado. Kwid e Up usam soluções mais simples, o primeiro apenas com plástico preto e o segundo com vincos. Ambos pecam pelo suporte de placa exagerado, medida típica para evitar outras de custo maior. Destaque negativo para o Mobi: chega a estranhar que um desenho tão elaborado chegue ao para-choque traseiro só com um vinco e uma abertura simples.

 

 

Aplicar desenho integrado entre portas e painel implica padrões rígidos de alinhamento de peças, o qual encarece a produção. Não surpreende, então, que estes carros usem desenhos independentes, nos quais as portas não tiram a atenção do painel. Como os revestimentos são feitos em geral de plástico rígido, vale-se de cores e texturas diferentes para quebrar a pobreza visual. O Up chama a atenção pela porção das portas com a carroceria exposta e pintada na cor externa, solução que divide opiniões.

Em Mobi e Up as formas horizontais dão mais espaço aos componentes e reforçam a sensação de espaço, porque a cabine parece mais larga. Entretanto, o Fiat peca pelo excesso de informações e o VW pela aparência simples. O painel do QQ tem elementos numerosos sem cair em excesso, mas peca pelo aspecto geral bruto. O Kwid volta a ser genérico: seu console central é quase quadrado e usa formas simples.

 

 

Renault, novamente, com a solução intermediária: a central de áudio domina seu painel central, como em todos os carros recentes, mas usa a posição convencional (em vez de isolada, como no Fiat Argo). Fiat e Volkswagen têm soluções parecidas, mas usam o celular do usuário como tela principal para cortar custos. O Chery promove uma viagem aos anos 2000: a geração atual (nem tão antiga assim, de 2013) previu sistema de áudio pequeno e não está preparada para uma central.

Em todos os casos, a ornamentação do lado direito do painel é feita mas pelas formas que por texturas e cores. O Mobi mais chama atenção pelas formas grandes e arredondadas, ao passo que o Up se aproxima de uma sensação de requinte. Em QQ e Kwid, discrição. Essa variedade de diretrizes mostra o quanto os subcompactos evoluíram.

 

 

O QQ é o único com quadro de instrumentos todo digital, que integra de modo interessante o conta-giros ao marcador de combustível. Os outros usam mostradores analógicos, salvo o do tanque no Kwid. QQ e Mobi têm tela central digital, o que dá ao conta-giros ou ao velocímetro mais espaço. Entre o Renault e o Volkswagen, o quadro do primeiro tem aparência mais limpa.

As telas de Kwid e Up têm tecnologia e executam funções que já eram comuns 10 anos atrás. No QQ chama atenção o velocímetro digital, mas a melhor impressão é causada pelo Mobi com a tela LCD de alta resolução das versões superiores, com diversas informações e grande colaboração para a aparência.

 


 

A Análise de Estilo ajuda a perceber que o segmento de subcompactos não só evoluiu muito ao longo dos últimos 20 anos, como também se permitiu diversificar. A fórmula “tradicional”, com componentes grandes e de contorno arredondado, sobrevive no Brasil apenas no Chery QQ. O Volkswagen Up dá uma interpretação tipicamente alemã a tudo isso, por meio de formas retilíneas, aparência geral mais sóbria e raras concessões ao lado emocional.

Fiat Mobi e Renault Kwid são casos interessantes: adaptaram o conceito de subcompacto ao contexto dos países emergentes, o primeiro com foco no Brasil. Isso explica a atenção redobrada com o estilo, as tentativas de dissimular o tamanho reduzido, as escolhas de tecnologia focadas em agradar o público jovem e um investimento geral em características emocionais: o modelo da Fiat tem leve inclinação à esportividade, enquanto o da Renault sugere um apelo fora de estrada. Tudo, é claro, sem perder a igualmente brasileira preocupação com o baixo custo.

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Com sabor de aventura

Visual “aventureiro” caiu no gosto do brasileiro há quase 20 anos, mesmo quando não encontra resposta nas especificações técnicas do carro. A Renault aproveitou isso no projeto do Kwid como um todo, o que motivou o fabricante a divulgá-lo como um SUV. Fiat e Volkswagen seguiram um caminho mais conservador: dotaram Mobi e Up de caráter mais neutro, para tentar agradar a todos, e investiram nos nichos de mercado usando as versões.

Mobi Way e Cross Up tiram inspiração da receita inaugurada pela Palio Adventure em 1999. As peças externas em plástico preto estão lá, assim como a suspensão elevada (apenas no Fiat) e os acessórios de estilo com tema “aventureiro”. Contudo, os dois respeitaram a necessidade de uma interpretação moderna. O plástico preto foi limitado a detalhes, as barras de teto são menores e a oferta de equipamentos deu prioridade a conforto e segurança em vez do visual.

 

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