Clássico na receita mecânica, esse hatch apimentado cativa
pela facilidade com que se pode desfrutar todo seu desempenho
Texto e fotos: Fabrício Samahá
Respeito às tradições é sempre um atributo de destaque em um fabricante de automóveis. Teria a Porsche o mesmo carisma se já não fabricasse um 911 com motor traseiro de seis cilindros horizontais opostos? Seria a Ferrari tão desejada sem um carro esporte de motor V12, ou a Lamborghini se abandonasse as “portas tesoura” em seus modelos de topo? O que significaria para o Chevrolet Corvette abrir mão do grande motor V8 com comando de válvulas no bloco?
Respeito às tradições é algo muito prezado também em Munique, sede da Fábrica de Motores da Baviera ou, na sigla em alemão, BMW. Enquanto sua arquirrival Mercedes-Benz aderiu aos motores V6 e lança cada vez mais modelos com tração dianteira, das pranchetas bávaras continuam a sair brilhantes motores de seis cilindros em linha e chassis com tração traseira aplicados a praticamente toda sua linha. Enquanto Audi, Lexus e Infiniti compartilham plataformas com as marcas generalistas de cada grupo, a BMW permanece independente e exclusiva.
Motor grande em carro pequeno: a clássica fórmula dos “musculosos”, com
algumas variações, aplica-se bem a esse hatch médio de seis cilindros
Essa característica traz um sabor especial a quem dirige um BMW representante de suas melhores tradições, como o M 135i, que avaliamos para a edição do 17°. aniversário do Best Cars (leia também sobre a Audi RS6 Avant). O hatchback mais apimentado da linha Série 1 — que bem poderia se chamar M1, se não fosse um sacrilégio com a memória do supercarro de motor central feito entre 1978 e 1981 — associa os ingredientes clássicos da marca, como motor de seis cilindros em linha e tração traseira, a condimentos atuais como turbocompressor, injeção direta, câmbio automático de oito marchas e um farto conteúdo eletrônico. O preço sugerido é de R$ 209.950.
Diante do motorista, um para-brisa mais
vertical e capô bem visível, como que o
lembrasse todo o tempo do que há ali embaixo
As más intenções do M 135i ficam à mostra em sua aparência. Mesmo que o atual Série 1 não possa ser considerado o mais belo BMW na história, o pacote visual da versão torna-o bastante atraente, com grandes tomadas de ar no para-choque dianteiro (o carro até dispensa faróis de neblina para poder admitir mais ar), belas rodas de 18 polegadas em tom grafite e difusor de ar no para-choque traseiro. As alterações em relação ao modelo básico têm seu preço no coeficiente aerodinâmico (Cx), que passa de 0,30 para 0,33.
Interior sóbrio é outra tradição na marca, e não seria diferente no M 135i, que oferece um ambiente funcional e sem firulas. Mesmo sem plásticos espumados, a impressão é de acabamento bem cuidado. Diante do motorista estão um para-brisa mais à vertical do que se espera hoje — consequência do motor longitudinal com tração traseira, mas também da preferência de desenho da marca para valorizar essa arquitetura — e um capô bem visível, como que o lembrasse todo o tempo do que existe ali embaixo.
Rodas escuras de 18 pol, grandes tomadas de ar na frente, difusor atrás:
elementos esportivos para diferenciar a versão mais potente do Série 1
Os bancos dianteiros, perfeitos em forma e densidade de espuma, têm ajuste manual do apoio para as coxas e intensos apoios laterais com regulagem elétrica, que vale também para os demais ajustes; o do motorista conta com duas memórias de posição. O apoio de pé esquerdo é exato, assim como o volante de três raios e aro dos mais grossos. Contudo, os pedais mais à esquerda que o ideal são consequência do largo túnel central de transmissão.
No quadro de instrumentos, que segue o padrão visual — e a eficiente iluminação em tom âmbar — em uso há décadas pela marca, a seção abaixo do conta-giros é um mostrador digital (embora pareça analógico) que se alterna entre mostrador de consumo médio e indicação de uso da potência do motor ou, ao desacelerar, da recarga da bateria mediante regeneração de energia. Outros mostradores de uso da potência e do torque podem ser dispostos na tela central, mas não há termômetros do líquido de arrefecimento e do óleo lubrificante, este bem-vindo em um esportivo.
Essa tela — grande, de 8,8 polegadas — atende a numerosas funções como sistemas de áudio e vídeo (DVD, que só mostra imagens com o carro parado, como exigido por lei) com alto-falantes Harman/Kardon de ótima qualidade, navegação, telefonia por interface Bluetooth, computador de bordo, monitores de pressão dos pneus e nível de óleo, configurações do carro e manual do proprietário.
A função domina a forma no interior, que traz bancos perfeitos (até com regulagem dos apoios laterais) na frente, mas um espaço traseiro limitado
Tudo é controlado por teclas e um grande botão no console central, que admite a escrita de letras e números com o dedo — pode-se, por exemplo, escrever os dígitos de um CEP para inserir o destino de navegação. Há também comandos por voz, mas em português lusitano e que compreendeu pouco do que dissemos. O conjunto, entretanto, poderia ser mais intuitivo no uso: algumas tarefas, como ajustar os tons de áudio, requerem navegar por vários menus e tomam mais tempo do que deveriam. Além disso, falta um controle de volume de áudio no console, próximo aos demais comandos.
Bons detalhes estão por toda parte, como ar-condicionado automático de duas zonas de temperatura, teto solar, sensores de estacionamento à frente e atrás com indicação gráfica de obstáculos e câmera traseira para manobras com linhas-guia que seguem os movimentos do volante. O controle elétrico de vidros inclui função um-toque para todos, abertura e fechamento comandados a distância (o teto solar fecha com eles, mas só abre em uma segunda etapa, de modo que pode ser mantido fechado ao abrir vidros). Ambos os retrovisores externos são biconvexos e fotocrômicos (como o interno) e o direito focaliza o meio-fio ao se engatar marcha à ré.
Outros itens são limpador de para-brisa (com ótima área de varredura) e faróis com acionamento automático, quatro alças de teto e luzes de leitura, alerta específico de qual porta está mal fechada, vidros traseiros que descem por inteiro e recirculação de ar com ativação automática ao lavar o para-brisa, para evitar a entrada de cheiro de detergente. Os faróis usam lâmpadas de xenônio em ambos os fachos e, para abrir o capô, não se precisa procurar a trava de segurança em meio à sujeira: basta acionar duas vezes a alavanca sob o painel e então puxá-lo.
Instrumentos conforme as tradições, seletor de programas de uso, parada/
partida automática, soleira com identificação, memórias para o banco
Nem tudo é perfeito no M 135i, porém: a seção inferior do quadro de instrumentos tende a ser encoberta pelo volante em algumas regulagens, os espaços para objetos são escassos, o acabamento do cofre do motor é típico de carros populares, o tanque de combustível de 52 litros restringe a autonomia ao dirigir rápido e faltam conveniências como porta-luvas refrigerado, limitador de velocidade (presente no 118i avaliado tempos atrás) e faixa degradê no para-brisa.
Banco traseiro nunca é prioridade em um carro esportivo. O desse BMW oferece espaço adequado para cabeça, mas pouco para pernas e ombros, além de apoiar mal as coxas por ser um tanto baixo. Eventual passageiro central, embora também disponha de encosto de cabeça e cinto de três pontos, sofre com o encosto desconfortável e o volumoso túnel central, além de forçar os colegas ao lado a se sentar fora do local previsto pela concavidade do banco.
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