Enquanto o PowerShift é o primeiro dupla-embreagem
nacional, o 4WD leva o “Eco” longe do asfalto, mas não muito
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A “era dos soluços”, causados pela interrupção de potência durante as lentas mudanças de marcha das caixas de câmbio automatizadas monoembreagem, parece estar chegando ao fim no Brasil. Cinco anos depois que o Fiat Stilo introduziu na produção nacional esse tipo de transmissão — mais tarde usado em outros modelos da mesma marca, da General Motors e da Volkswagen —, chega afinal nosso primeiro carro com câmbio automatizado de dupla embreagem, o Ford EcoSport PowerShift.
A dupla embreagem está longe de ser novidade: foi em 2003 que a Audi lançou no TT V6 a caixa DSG (Direct Shift Gearbox, caixa de câmbio com engate direto), logo aplicada a inúmeros modelos do fabricante e da Volkswagen, incluindo o A1, o novo Fusca e o Jetta TSI, que eram as opções mais acessíveis com esse recurso à venda no Brasil. Contudo, o fator custo ainda garantia mercado para os automatizados de embreagem única, que comparados aos de dupla embreagem parecem um mero paliativo de baixo custo.
Para a Ford, que já usava o câmbio PowerShift no Fiesta produzido no México, não seria difícil adotá-lo em nosso novo EcoSport, derivado da mesma plataforma. E foi o que a marca do oval azul decidiu fazer para substituir a antiquada caixa automática de quatro marchas do EcoSport anterior. As vendas começam de imediato, mas foi apresentada em simultâneo à outra nova versão do utilitário esporte, a 4WD de tração integral, que chega às concessionárias em janeiro.
A versão de topo Titanium é uma das que oferecem o câmbio de dupla embreagem;
o item representa aumento de R$ 4,4 mil, mas na versão SE o acréscimo é maior
O PowerShift estreia em duas versões do “Eco”, ambas com motor Duratec flexível de 2,0 litros e 16 válvulas. A SE, ao preço sugerido de R$ 63.390, traz como equipamentos de série controles eletrônicos de estabilidade e tração, assistente de partida em rampa, freios com sistema antitravamento (ABS) e assistência de emergência, faróis de neblina, bolsas infláveis frontais, cintos de três pontos e encostos de cabeça para todos os ocupantes, faróis com faixa de leds, sistema de áudio com toca-CDs/MP3, sistema Sync com interface Bluetooth e comandos de voz, ar-condicionado, direção com assistência elétrica, volante com regulagem de altura e distância, banco traseiro com ajuste de encosto e controle elétrico dos vidros, travas e retrovisores. As rodas são de 15 pol em aço. O custo adicional é expressivo, R$ 6.900, mas cabe notar que o controle de estabilidade não equipa a versão manual.
No modo manual, a atuação depende da forma como o acelerador é movimentado: se o motorista pisa até o fim de forma gradual, lenta, o câmbio mantém uma marcha alta para permitir o método carga
A outra opção é o acabamento de topo da linha, o Titanium, que custa R$ 70.890 e acrescenta rodas de alumínio de 16 pol, ar-condicionado automático, acesso ao interior e partida do motor sem chave, computador de bordo, controlador de velocidade (inédito no modelo), faróis e limpador de para-brisa automáticos, sensores de estacionamento na traseira e retrovisor interno fotocrômico. Um pacote com bolsas infláveis laterais dianteiras e de cortina e bancos revestidos em couro sai por R$ 3.700. Sem tais opcionais, o preço supera em adequados R$ 4.400 o do Titanium manual, ou seja, o novo câmbio é oferecido por valor compatível com o de caixas automáticas.
E o FreeStyle, o mais vendido dos EcoSports? Ficou sem a opção de PowerShift por enquanto, ao menos até que a Ford detecte essa demanda no mercado. Em contrapartida, foi essa a versão escolhida para receber a tração integral 4WD (Four Wheel Drive ou tração nas quatro rodas), ao valor de R$ 66.090, acréscimo de R$ 3.600 sobre o carro com tração dianteira e o mesmo motor de 2,0 litros. O conteúdo é igual, com os itens do SE acrescidos de repetidores laterais das luzes de direção nos retrovisores, rodas de alumínio de 16 pol, computador de bordo, sensores de estacionamento e controle elétrico de vidros com função um-toque e fechamento a distância, além de detalhes estéticos. O mesmo pacote de couro e bolsas do Titanium acresce R$ 3.700.
A aparência da alavanca e suas posições são típicas de caixas automáticas; o
botão na lateral efetua as mudanças manuais, ativas mesmo em posição D
Mais rápido, mais econômico
Ao lado da grande vantagem em funcionamento em relação aos automatizados monoembreagem — trocas muito mais rápidas e quase sem interromper a transmissão de potência às rodas —, sistemas como o PowerShift são melhores em alguns aspectos também em comparação a caixas automáticas tradicionais. O câmbio do EcoSport pesa 20 kg a menos que um automático de seis marchas, faz trocas em um terço do tempo e reduz o consumo de combustível em cerca de 10%, segundo a Ford. Também dispensa fluidos (que nos automáticos requerem substituição) e, ainda de acordo com o fabricante, tem vida útil prevista de 240 mil quilômetros, incluindo as embreagens.
A configuração escolhida para o primeiro PowerShift no Brasil tem seis marchas e um modo de mudanças manuais por meio de botão na lateral do pomo da alavanca seletora, sem comandos no volante. A alavanca em si traz apenas as posições P, R, N, D e S já habituais em caixas automáticas, ou seja, não adota os padrões pouco usuais dos automatizados monoembreagem.
A operação manual pode ser feita mesmo na posição D (Drive, dirigir), como ao preparar o motor para uma ultrapassagem, mas nesse caso a atuação automática retorna tão logo a velocidade se torne constante (em descida íngreme, por exemplo, a caixa pode manter a marcha selecionada por longo tempo para evitar que o carro se “solte”). Ao passar à posição S, de Sport, o câmbio assume um programa que mantém o motor em rotações mais altas para ganho em agilidade e maior freio-motor ao desacelerar. A sexta marcha sai de ação ao colocar em S, mas pode ser reaplicada manualmente.
O câmbio e o mostrador de marcha no painel são novidades do interior do
EcoSport Titanium, assim como o esperado controlador de velocidade
O uso do botão é que aciona — desta vez em caráter permanente — o modo manual, que foi calibrado de maneira bastante interessante: sua atuação depende da forma como o acelerador é movimentado. Se o motorista pisa até o fim do curso de forma gradual, lenta, o câmbio mantém uma marcha alta para permitir o uso do método carga de direção, mais econômico. Já uma acelerada rápida até o mesmo ponto (não há o batente no fim de curso que alguns modelos têm) leva a reduções imediatas, de até três marchas se for o caso. No limite de rotações do motor ocorre troca automática para cima.
O PowerShift conta com efeito de “rastejar” (creeping no inglês), ou seja, acoplar a embreagem assim que se libera o freio para que o carro se mova lentamente, o que é útil em manobras e no tráfego pesado. Esse efeito depende de condições como piso plano ou declive: se houver aclive a embreagem volta a desacoplar, já que o motor não teria como manter o movimento. O desacoplamento acontece também quando o carro está reduzindo velocidade próximo de parar, como se o motorista acionasse a embreagem em um modelo manual. A presença das seis marchas constitui vantagem efetiva em conforto no uso rodoviário, pois a 120 km/h em sexta o motor está a apenas 2.650 rpm, contra 3.000 rpm da quinta do modelo manual.
Sem qualquer alteração no motor de 2,0 litros, o EcoSport automatizado obtém desempenho próximo ao da versão manual: a aceleração de 0 a 100 km/h passa de 10,8 segundos com gasolina e 10,5 s com álcool para 11,4 e 11,6 s, na ordem. Parte da perda explica-se pela impossibilidade de levar o motor a rotações muito altas com o carro ainda parado: a forma de arrancada rápida mais indicada é simplesmente “calcar o pé” em posição S com o freio já liberado. O aumento de peso não é grande, de 1.275 para 1.316 kg no caso do Titanium.
Apesar de alguma perda em aceleração, o PowerShift convence pelas mudanças bem
rápidas e suaves, sem comparação com os precários câmbios monoembreagem
Os consumos não podem ser comparados porque a Ford não divulgou os índices para o EcoSport 2,0 manual. Mesmo assim, o confronto com a versão de 1,6 litro indica sua eficiência: com gasolina, piora de 10,2 km/l em ciclo urbano e 12,2 km/l em ciclo rodoviário do 1,6-litro para 9,7 e 11,8 km/l, na ordem, no 2,0 PowerShift; com álcool, passa de 7,0 e 8,4 km/l para 6,7 e 8,0 km/l, na ordem. Certamente o prejuízo ao rendimento seria maior com uma caixa automática, mesmo de seis marchas, sobretudo no ciclo urbano (em rodovia, o bloqueio de conversor de torque anula parte da perda de energia).
Tração integral e nova suspensão
A tração integral da versão 4WD faz parte da linha EcoSport desde 2004, e não se esperava que ficasse de fora da nova geração. A exemplo do sistema usado antes, o apresentado agora tem sua origem em seu “primo rico”, o modelo maior Escape da Ford norte-americana, só que em geração mais moderna e com diferente configuração.
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