Motor de 1,6 litro originário da Nissan, bem mais eficiente, ficou tão refinado que expôs limitações de projeto do sedã
Texto e fotos: Fabrício Samahá
Não deixará saudades o motor de 1,6 litro e duas válvulas por cilindro da Renault, usado desde o primeiro Clio nacional de 1998 até a linha 2016 de Logan e Sandero. Apesar de atributos como o bom torque em baixa rotação, era uma unidade ultrapassada, de funcionamento algo áspero e ruidoso e consumo de combustível elevado para o desempenho fornecido. Não fosse pelo custo, nunca entenderíamos a empresa tê-lo mantido em uso enquanto descartava o mais moderno de quatro válvulas, reservado desde 2013 ao Duster e à picape Oroch.
O quadro muda na linha 2017, que adota os motores SCE — sigla para Smart Control Efficiency, eficiência de controle inteligente. Não se trata de uma família: como vimos na avaliação inicial do Sandero em dezembro, a unidade de 1,0 litro e três cilindros origina-se do Renault Kwid indiano, ao passo que a 1,6 deriva da empregada pela sócia Nissan em March, Versa e Kicks, com atualizações. E foi esta que analisamos em um Logan Expression de transmissão manual.
Ao preço básico de R$ 52.750, é o Logan mais barato que se pode comprar com esse motor, mas a dotação de equipamentos de série é modesta: abertura interna da tampa do porta-malas e tanque, ar-condicionado, conta-giros, direção com assistência eletro-hidráulica, controle elétrico de vidros dianteiros e travas, controle remoto de travas, alarme perimétrico, banco do motorista e volante com altura regulável, comando de áudio no volante, computador de bordo, rádio/CD/MP3 com entradas USB e auxiliar e interface Bluetooth. Como opcionais há o pacote Techno, de R$ 1.300, composto por sistema de áudio com navegador e tela de 7 pol e sensor de estacionamento traseiro.
O novo motor gira macio e fornece boas respostas desde baixas rotações, mas sua disposição não acaba com o conta-giros pela metade: agora existe vida além de 6.000 rpm
A concorrência abrange opções como Chevrolet Prisma LT (1,4 litro, 98/106 cv, R$ 54 mil) e Cobalt LT (1,4, 97/102 cv, R$ 55,2 mil), Fiat Grand Siena Essence (1,6, 115/117 cv, R$ 56 mil), Ford Ka+ SE Plus (1,5, 105/110 cv, R$ 53.790), Hyundai HB20 S Comfort Plus (1,6, 122/128 cv, R$ 55,4 mil), Nissan Versa SV (1,6, 111 cv, R$ 54 mil), Toyota Etios XS (1,5, 102/107 cv, R$ 54 mil) e Volkswagen Voyage Comfortline (1,6, 101/104 cv, R$ 53,5 mil). Vale notar que o Logan agora é vice-líder em potência no grupo, atrás apenas do HB20 S.
O motor Nissan trazia bons atributos técnicos, aos quais a Renault associou evoluções para obter mais potência e torque, sobretudo com álcool (leia mais sobre técnica). O resultado foi bom (115 cv com gasolina e 118 cv com álcool, sempre com 16 m.kgf), embora unidades da mesma cilindrada da Ford e da Kia/Hyundai alcancem valores mais altos, até 135 cv e 16,7 m.kgf no caso do Focus. Em relação ao antigo duas-válvulas, porém, são ganhos expressivos: ante havia apenas 98 cv e 14,5 m.kgf com gasolina e 106 cv e 15,5 m.kgf com álcool, mesmo que o pico de torque chegasse mais cedo (2.850 rpm antes, 4.000 agora).
Aprimorado para ganhar até 7 cv e reduzir o consumo, o motor que veio da Nissan ficou ótimo no Logan: melhorou desempenho, economia e suavidade
Como ficou na prática? Muito, muito melhor. O novo motor gira macio e produz pouco ruído, a ponto de não ser ouvido em grande parte do tempo — até porque barulhos de rodagem e aerodinâmicos, mal isolados pelo Logan, o encobrem facilmente. Ele fornece boas respostas desde baixas rotações, mas sua disposição não acaba com o conta-giros pela metade como o anterior: seja pelo prazer de “esticar” marchas, seja para ultrapassagens, agora existe vida além de 6.000 rpm (o limite fica a 6.300).
Também para quem gosta de números não há o que questionar. Na pista de testes, o Logan acelerou de 0 a 100 km/h em 11,1 segundos e retomou de 60 a 120 km/h em quarta marcha em 16,6 s, mais rápido que o Dynamique que avaliamos em 2014. Vantagem sobre o antigo também nos bons números de consumo de combustível: o novo rodou 12,7 km/l no trajeto urbano leve e 10,6 km/l no rodoviário (veja mais números e comparação no quadro abaixo).
O SCE 1,6 vem com parada/partida automática, que funciona bem: atua apenas em ponto-morto e religa o motor ao pisar na embreagem, ou seja, deixa ao motorista a decisão de quando fazer o sistema atuar (em geral, com transmissão automática, o motor desliga em situações de parada breve em que se preferia mantê-lo ativo). Há também botão de desativação. Inesperado foi o fabricante não adotar preaquecimento de álcool para partida a frio, tão disseminado hoje: tanquinho de gasolina é muito anos-80 para 2017.
Próxima parte
Mudança não tem sinais externos, mas direção e transmissão foram aprimoradas; suspensão traz rodar confortável, salvo em irregularidades em rodovia
Desempenho e consumo
O motor SCE deixou o Logan bem mais rápido, como confirmamos em nossa pista de testes. A comparação com o Dynamique de 2014, também de caixa manual e com álcool, aponta que a aceleração de 0 a 100 km/h baixou de 12,7 para 11,1 segundos. Nosso padrão para retomadas mudou desde aquela época, de modo que os tempos hoje são pouco mais altos, o que inviabiliza a comparação.
Melhor que andar mais, só andar mais gastando menos. O SCE obteve 12,7 km/l de álcool no trajeto urbano leve e 10,6 km/l no rodoviário, contra 10,4 e 8,9 km/l (na ordem) do motor antigo. São ganhos consistentes, que deixam o Logan mais econômico que o Ford Ka+ de 1,5 litro, para o qual ele perdeu em consumo no comparativo feito na ocasião.
Aceleração | |
0 a 100 km/h | 11,1 s |
0 a 120 km/h | 15,4 s |
0 a 400 m | 18,2 s |
Retomada | |
60 a 100 km/h (3ª.) | 9,3 s |
60 a 100 km/h (4ª.) | 12,2 s |
60 a 120 km/h (3ª.) | 12,8 s |
60 a 120 km/h (4ª.) | 16,6 s |
80 a 120 km/h (3ª.) | 9,9 s |
80 a 120 km/h (4ª.) | 11,5 s |
Consumo | |
Trajeto leve em cidade | 12,7 km/l |
Trajeto exigente em cidade | 7,2 km/l |
Trajeto em rodovia | 10,6 km/l |
Autonomia | |
Trajeto leve em cidade | 572 km |
Trajeto exigente em cidade | 324 km |
Trajeto em rodovia | 477 km |
Testes efetuados com álcool; conheça nossos métodos de medição |
Dados do fabricante
Velocidade máxima | 184/186 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 10,3/9,9 s |
Consumo em cidade | 13,0/8,8 km/l |
Consumo em rodovia | 13,8/9,5 km/l |
Consumo conforme padrões do Inmetro |
Silencioso em velocidade, motor SCE evidencia mau isolamento de outros ruídos; bons faróis de duplo refletor e porta-malas dos maiores, 510 litros
A Renault aplicou outras evoluções, não tão percebidas quanto a do motor. A transmissão manual adotou acionamento por cabos em vez de varões, o que melhorou a precisão de engates, mas ainda tem um comando pesado. Na direção, se o emprego de assistência eletro-hidráulica (antes era hidráulica) pode ter deixado o volante mais leve em algumas condições, ele ainda requer mais esforço que o habitual no segmento em tempos de assistência elétrica generalizada.
Talvez fosse o caso de dedicar atenção também à suspensão. Seus pontos positivos são o longo curso, o bom controle pelos amortecedores e o rodar confortável em velocidades urbanas, além de tornar o Logan um “papa-lombadas”. Controle de rolagem e aderência de pneus estão em bom patamar para a proposta do sedã. Por outro lado, ondulações no asfalto em velocidades de viagem produzem impactos que a maioria dos carros digere melhor, o que poderia ser resolvido. Vale notar que esta versão não tem estabilizador dianteiro, restrito à Dynamique: em regra os fabricantes usam molas mais macias quando há esse item, o que favorece o conforto.
Logan tem interior simples e funcional, com amplo espaço e banco traseiro adequado para três, mas poderiam ser mais confortáveis
Quando dotado da transmissão automatizada monoembreagem de cinco marchas Easy’R, o Logan ganha controle eletrônico de estabilidade e tração e assistente para saída em rampa. Faria mais sentido ter este último na versão manual, que não pode ser freada pelo pé esquerdo na saída, mas os itens são adotados em conjunto.
Espaço para os passageiros é um trunfo do Logan, que está entre os mais amplos da classe; grande é também o porta-malas para 510 litros
Conjunto merece melhorias
O fato é o que o novo motor ficou tão bom, tão refinado em seu funcionamento, que deixou à mostra as limitações de projeto de um carro concebido para ser barato. Por falta de ajuste do volante em distância, hoje comum, o motorista pode não encontrar a melhor posição no interior espaçoso do Logan. Os bancos cansam as costas em viagens e a posição da tela central do painel favorece reflexos que prejudicam a leitura.
O conjunto espartano torna-se mais nesta versão, que abre mão de comodidades como controle elétrico de vidros traseiros e dos retrovisores e banco bipartido, além de usar tecido simples nos bancos. Faltam ainda iluminação na parte de trás da cabine, faixa degradê no para-brisa e mais espaço para os objetos do dia a dia. Mas há itens positivos como o prático sistema de áudio e navegação Media Nav, função um-toque para ambos os vidros, computador de bordo, monitor que atribui notas para a condução econômica, aviso para portas mal fechadas, mostrador de temperatura externa, bons faróis de duplo refletor e — requinte sempre inesperado pelo padrão do carro — mola a gás para sustentar o capô.
Tela de 7 pol serve a áudio, navegador, telefone e monitor de eficiência; quadro bem legível com computador; comandos de áudio junto ao volante; vidros um-toque, mas só dianteiros; mola a gás no capô; botão desativa parada/partida automática
Espaço para os passageiros é um trunfo do Logan, que está entre os mais amplos da classe, sobretudo para as pernas de quem viaja atrás. A largura é satisfatória para três adultos e o banco plano permite que dois deles se acomodem mais para os cantos sem desconforto, assim como é razoável a posição do ocupante central. Grande é também o porta-malas para 510 litros, ao qual cabem duas correções: maçaneta para abertura sem uso de chave e a remoção do aviso de limite de 80 km/h para uso do estepe, por ser idêntico aos demais pneus.
A revitalização trazida pelo SCE aumentou a competitividade do Logan: um bom motor era o que mais faltava ao espartano, mas cômodo, sedã da Renault. Agora é hora de partir para outras evoluções, como as sugeridas, que deixem para trás suas origens e elevem o conjunto ao ótimo patamar do que ele ganhou sob o capô.
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Comentário técnico
• A Renault alongou o diferencial da versão em quase 7%, coerente com os maiores valores de potência e torque, mas encurtou terceira e quarta marchas. Assim, tal patamar de alongamento vale apenas para as outras marchas.
• Assistência eletro-hidráulica de direção é uma solução mista que teve pouco uso até hoje no Brasil: um motor elétrico aciona a bomba hidráulica, que então reduz o esforço do motorista no volante. Embora consuma menos energia do motor que o sistema apenas hidráulico (que está ligado a ele por uma correia), não é tão eficiente quanto a assistência elétrica, hoje em amplo uso pela indústria. Além disso, permanecem o fluido hidráulico e diversos componentes que esta última solução elimina.
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Material do bloco/cabeçote | alumínio |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 78 x 83,6 mm |
Cilindrada | 1.597 cm³ |
Taxa de compressão | 10,7:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 115/118 cv a 5.500 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 16,0 m.kgf a 4.000 rpm |
Potência específica (gas./álc.) | 72,0/73,9 cv/l |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | manual, 5 |
Relação e velocidade por 1.000 rpm | |
1ª. | 3,73 / 8 km/h |
2ª. | 2,05 / 14 km/h |
3ª. | 1,39 / 21 km/h |
4ª. | 1,03 / 28 km/h |
5ª. | 0,76 / 38 km/h |
Relação de diferencial | 4,07 |
Regime a 120 km/h | 3.150 rpm (5ª.) |
Regime à velocidade máxima informada (gas./álc.) | 4.850/4.900 rpm (5ª.) |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado (258 mm ø) |
Traseiros | a disco (203 mm ø) |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | eletro-hidráulica |
Diâmetro de giro | 10,6 m |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Estabilizador(es) | não |
Rodas | |
Dimensões | 15 pol |
Pneus | 185/65 R 15 H |
Dimensões | |
Comprimento | 4,349 m |
Largura | 1,733 m |
Altura | 1,529 m |
Entre-eixos | 2,635 m |
Bitola dianteira | ND |
Bitola traseira | ND |
Coeficiente aerodinâmico (Cx) | 0,34 |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 50 l |
Compartimento de bagagem | 510 l |
Peso em ordem de marcha | 1.062 kg |
Relação peso-potência (gas./álc.) | 9,2/9,0 kg/cv |
Garantia | |
Prazo | 3 anos sem limite de quilometragem |
Carro avaliado | |
Ano-modelo | 2017 |
Pneus | Continental Conti Power Contact |
Quilometragem inicial | 4.000 km |
Dados do fabricante; ND = não disponível |