A política cambial depreciativa não incentiva produção interna e exportações em um mercado aberto como o nosso
O novo Nissan Versa, que ainda este ano chega às concessionárias, virá do México, enquanto o modelo anterior — cuja produção já está comprometida com as locadoras que fornecem a motoristas de Uber — continua em produção por aqui. Tática parecida foi usada pela Ford com o Fiesta sedã, anos atrás. Da mesma Ford, o utilitário esporte Territory virá da China. Enquanto isso, o dólar muda de patamar. Por que esses dois lançamentos não ganharam fabricação nacional?
Uma alcateia de lobos, ao caçar, procura antever as reações de sua caça e, a partir daí, induzir-lhe o comportamento. Ocorre que lobos, por seu porte, podem-se tornar caça e ter seu comportamento antecipado por predadores mais fortes, comportando-se então como meros fugitivos. Investidores são como alcateias de lobos tentando abocanhar partes do mercado, como se fossem indivíduos numa manada em fuga. Aquele que não aguenta correr e fica para trás é o jantar mais provável, tal que sempre haja caça para os dias subsequentes, mantendo vivas a alcateia e as presas.
Controlar a taxa de câmbio ou deixá-lo flutuar é tático ou estratégico? Tudo indica que sejam duas táticas contrapostas, que visam à proteção do mercado
Isso é a estratégia de sobrevivência. Regular o número de ninhadas de acordo com a disponibilidade de alimento, bem como dispor os lobos ao longo da rota de fuga, impedindo que parem de correr, são táticas de caça. Só que caçar não é suficiente: há sempre o risco de os lobos abaterem a caça e um urso oportunista roubar-lhes a presa. Tão importante quanto caçar é ficar com a comida, o que é alvo de tática defensiva.

Voltando à Economia, controlar a taxa de câmbio ou deixá-lo flutuar é tático ou estratégico? Tudo indica que sejam duas táticas contrapostas, haja vista que visam à proteção do mercado, encarecendo as importações, enquanto promovem o investimento pela queda do valor internacional dos ativos — em especial, o dos imóveis. O resultado parece ser o oposto, seja pela inviabilização da aquisição de bens de capital, seja pela manutenção do saldo das contas externas.
Não é de se espantar que a cadeia de produção dos automóveis seja a mais afetada pela variação cambial. Resta saber se a intenção é caçar ou evitar que outro predador saia com o presunto na boca. Os dois efeitos a um só tempo são algo impossível. Em outra matéria ficou claro que para atrair capital a desvalorização da moeda local não surte efeito, visto que a moeda é um ativo financeiro e sua valorização representa ganho de capital para o investidor externo. Para manter a caça, seria uma boa tática?
Nas escolas de administração de empresas, costuma-se simplificar o custo de oportunidade como função direta da variação da taxa de juros de concessão de empréstimos, ou seja, da taxa pela qual os intermediários financeiros compram dinheiro no mercado para revendê-lo a quem precisa de recursos, definindo assim a taxa de tomada de capital. Só que essa simplificação não é suficiente.
Custos de entrada e de abandono
Dois outros custos devem ser considerados: o custo de entrada, que corresponde à caçada, e o custo de abandono, que corresponde a deixar o urso comer o alce para os lobos salvarem a própria vida. O de entrada inclui o investimento em maquinário e de abertura de mercado, seja pela inovação representada pelo produto, seja para impulsionar a marca. O custo de abandono é o representado pelo que se tem de deixar para trás, caso se decida por sair de um dado mercado, incluindo o ressentimento do consumidor.
Escolher a caça faz parte da estratégia. Se os lobos caçarem uma presa grande demais, correm o risco de levar um coice e perder elementos preciosos da alcateia. Além disso, como a duração do desfrute é maior, a probabilidade de aparecer um ladrão mais forte também aumenta, tornando mais custosas e arriscadas as táticas defensivas. É justamente por isso que lobos preferem caçar filhotes. São menores, podendo ser consumidos todo de uma vez; são mais fracos, mitigando o risco.
O custo de abandono é o representado pelo que se tem de deixar para trás, caso se decida por sair de um dado mercado, incluindo o ressentimento do consumidor
Automóveis já fazem parte do cotidiano do brasileiro; portanto, inovação do produto não aparenta ser a questão maior. Nissan e Ford são marcas consagradas e o preconceito contra produtos chineses não parece ser o entrave mais relevante. Sobra o custo de abandono, que parece ser o caso, partindo do princípio de que o agente econômico tem mais medo de perder do que vontade de ganhar.

Ocorre que a desvalorização do real empobreceu o consumidor brasileiro, tornando nosso mercado mais parecido com um frango ou uma perdiz, que não alimenta uma alcateia. Os lobos não vão sair da toca quentinha e se arriscar na neve para caçar uma perdiz. Se ela estiver passando pelo lugar errado, na hora errada, vai para o papo como alvo fortuito somente. Exportar, mercado marginal na voz dos economistas, ao contrário do que se propala, só pode ser estratégia concernente a produtos cuja vantagem competitiva seja favorável — como ocorre com commodities —, jamais com produtos que dependam do mercado interno para sobreviver.
Mesmo assim, as commodities têm seu preço e custo determinados pelo mercado internacional, o que deixa fortuita sua lucratividade quando a moeda se desvaloriza no lapso entre produção e venda, voltando à lucratividade secular assim que o câmbio se estabiliza. Isso prejudica o desempenho dos setores cujo mercado, como o dos automóveis, depende de diferenciação.
A política cambial depreciativa só incentiva produção interna e exportações se o mercado for fechado, como ocorreu nos anos 1970 e 1980, modelo este que se esgotou há mais de 30 anos. Com mercado aberto e moeda desvalorizada, só resta à indústria de automóveis nos ver como o Brasil via a África e o Oriente Médio quatro décadas atrás.
Hoje, o mercado brasileiro não é uma caça que motive os lobos a sair da toca, muito menos uma que mereça pôr a vida em risco para proteger. Ficar ou sair não altera significativamente o resultado global das multinacionais, como ocorria quando os brasileiros tinham poder aquisitivo próximo de condizente com seu estágio de desenvolvimento e, mais que isso, estavam dispostos a pagar gordas margens.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars