Cada vez mais limitada em serviços, a revendedora bem poderia desaparecer em favor da compra pela internet
Três anos atrás, precisei trocar a transmissão automática de variação contínua (CVT) de meu segundo Nissan Sentra. Foi uma dificuldade porque o carro estava em garantia e — como diz meu irmão, que trabalhou como mecânico em autorizadas por mais de 20 anos — “concessionárias fogem da garantia como o diabo foge da cruz”. Há duas razões para tanto: uma, a baixa remuneração; outra que, enviada a peça para análise, se não se constatar defeito que justifique a reposição, imputam-se os custos ao revendedor que, afinal, assume os riscos.
Nessa visita, fiquei impressionado com a pequenez das instalações, se comparadas às das concessionárias com que estava acostumado. Havia somente um elevador. Por não encontrar cabine de pintura, perguntei como funcionava a funilaria. Fui informado que o carro era remetido a uma oficina homologada e que a concessionária assumia toda a responsabilidade. Não encontrei uma bancada, nem talha, nem prensa, muito menos dispositivos necessários à afiação de ferramentas e outras coisas que se encontram em oficinas mecânicas com o mínimo de profissionalismo.
Quanto maior o número de marcas de automóveis, menor é a lucratividade das autorizadas: com a abertura do mercado entre 1990 e 2000, seu lucro caiu 94%

Perguntei como se faziam reparos mais complexos e fui informado que eram feitos por mecânico especializado itinerante, que circula entre as concessionárias do grupo. Da inicial indignação como consumidor, passei à curiosidade científica acerca da cadeia de distribuição de automóveis a jusante da fábrica. O fato é que concessionárias existem desde a produção dos primeiros automóveis, sendo consideradas a primeira forma de franquia como conhecemos hoje.
É, portanto, um modelo de negócios de 130 anos. Será que não está ficando obsoleto?
A pergunta faz ainda mais sentido com a proliferação de marcas induzida pela própria globalização, mesmo que muitas delas pertençam a um número menor de fabricantes que vêm, paulatinamente, aglutinando-se em enormes grupos empresariais. Aliás, contar com várias marcas como meio de pulverizar a concorrência não é novidade — isso se pratica desde o início do século passado. Ocorre que as marcas exigem rede individual de concessionárias, o que encarece sobremaneira a distribuição, mesmo porque essas últimas também tendem a aglutinar-se para otimizar suas margens.
Quanto maior o número de marcas, menor é a lucratividade das concessionárias, visto que atendem uma só marca. Quando ainda se tinha algum acesso aos números, entre 1990 e 2000, o número de marcas saltou de seis para 40 e o lucro das concessionárias caiu 94% no mesmo período. Num evento que assisti, Sérgio Habib — então presidente da Citroën, hoje à frente da JAC — comentava que, no Brasil, marcas brigam por 3% do mercado. Descontando-se a crise, isso significa 110 mil carros ao ano. Com cerca de 5 mil municípios no Brasil, para manter concessionárias em 10% deles a marca precisaria ter 500 lojas.
Não é à toa que o mesmo empresário, em 2010, vaticinava que haveria uma avalanche de concessionárias no Brasil. A avalanche veio e derreteu, tanto que a crise nas concessionárias brasileiras virou até tese doutorado na Universidade de São Paulo (USP). É que, com pouco mais de 200 carros vendidos ao ano, a infraestrutura não se justifica, a não ser que a loja se transforme em um mero show room, terceirizando-se todos os serviços de manutenção.
Presente, mas sem reparos
Houve tempos, quando havia somente quatro marcas no País, em que os fabricantes alardeavam o número de concessionárias como meio de assegurar ao consumidor que havia assistência técnica disponível onde quer que fosse. Esse argumento é conflitante com o cenário minimalista que descrevi acima: de que adianta ser onipresente se não há meios para fazer reparos localmente? Não há um número de carros vendidos que justifique uma oficina sofisticada, e o fornecimento de peças torna-se mais crítico na medida em que se afasta dos grandes centros.
Esse modelo torna-se ainda mais anacrônico se considerarmos que os automóveis estão ficando, dia a dia, mais conectados e, mesmo assim, não há como fazer o download de versões mais recentes para programas internos. É preciso ir à autorizada para que se faça o que bem poderia ser feito pela internet. Ora, se a estrutura é mínima a ponto de não se encontrarem todos os modelos em exposição em todas as lojas, o que impede que as vendas dos automóveis sejam feitas via site, como se faz até mesmo de imóveis?
Manutenção e reparos poderiam ser feitos, como acontece com as seguradoras, por oficinas credenciadas sem a intermediação de uma concessionária
Seria perfeitamente viável escolher o modelo, a cor e os opcionais pela rede e, de acordo com o endereço, o carro desejado seria enviado para o ponto de entrega mais próximo. Este ponto bem poderia ser uma loja multimarca, que poderia adquirir o carro usado, pois muitas concessionárias já não os retêm, repassando-os para vendedores de carros de segunda mão. Para a experimentação ao volante, bastaria haver pontos de demonstração espalhados pelos shopping centers e outros estabelecimentos.
Os serviços de manutenção, reparos, instalações, funilaria e pintura, por sua vez, a exemplo do que acontece com as seguradoras, poderiam ser feitos por oficinas credenciadas, a que o proprietário poderia aceder sem a intermediação de uma concessionária — que, no mínimo, vai pôr um sobrepreço de 30%. Há ainda o financiamento que se poderia conseguir de acordo com o histórico de crédito do consumidor diretamente nas financeiras, sem as comissões pagas aos intermediários, que impedem melhores descontos para compras à vista.
Por possível que parece ser eliminarem-se as concessionárias — o que acredito que venha a acontecer em futuro próximo —, a forma com que a própria indústria encara o consumidor precisará mudar antes. Será preciso que todo o CRM (costumer relationship management, gestão de relacionamento com o consumidor em inglês), que hoje coleta dados do pós-venda das revendedoras, passe a ter o proprietário como fonte direta de informações, além de usar ao máximo a conectividade entre os automóveis e o centro de desenvolvimento.
Explicando melhor, em vez de vender a conectividade como item de luxo, é preciso encará-la como uma ferramenta de diminuição de custos pela redução do número de intermediários, além de ser um dispositivo de aquisição de dados que aprofunda o conhecimento do comportamento do cliente, ajustando o produto às suas necessidades.
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