Novo padrão permite armazenar, no QR code, informações que dificultarão a clonagem de carros roubados
Num cenário efervescente como o em que vivemos, passar um tema à frente dos outros só se justifica se tiver causado um incômodo muito forte e duradouro. Foi o que aconteceu comigo, perante a discussão acerca da adoção acelerada das placas Mercosul. E os demais temas já sugeridos? Que esperem a vez deles.
Uns gritam que isso só serve para o Estado tirar dinheiro do cidadão. Outros se descabelam dizendo que, caso se acelere a adoção, em tempos de crise, as irregularidades evidenciam-se, carros poderão ser apreendidos e muitos vão perder seu ganha-pão. O primeiro grupo, provavelmente com proprietários de carros novos, mantém o pagamento do IPVA em dia e, compreensivelmente, não quer gastar com uma nova placa.
O segundo grupo é formado por aqueles cujas condições financeiras os levaram à informalidade, como pedreiros e outros trabalhadores volantes que, mesmo com extremo risco, põem colaboradores e ferramentas em um pau-velho e vão prestar seus serviços sabe-se lá onde, de preferência por caminhos alternativos, quando não se escondem na multidão de automóveis que lotam nossas cidades.
Para uns, as placas só servem para o Estado tirar dinheiro do cidadão; para outros, carros serão apreendidos e muitos vão perder seu ganha-pão
Lendo sobre o assunto e conversando com amigos dos dois grupos, fiquei horrorizado. No primeiro caso porque os benefícios das novas placas dotadas de QR code sequer se cogitaram; no segundo, pois é um raciocínio tipicamente subdesenvolvido em que impera a irresponsabilidade, pondo em risco seres humanos dentro e fora do veículo, sob o argumento de ser preciso garantir o pão na mesa. Nem a irracionalidade, nem a miséria justificam postergar o avanço tecnológico.
QR code é abreviatura de quick response code ou, em português, código de resposta rápida. É uma evolução do código de barras contendo um protocolo de reconhecimento que permite leitura a distância, por dispositivos variados, e que contém grande número de informações. Foi inventado no início dos anos 2000 para retirar a dependência de aparelhos especializados como os leitores de RF-ID (identificador em radiofrequência). Os leitores de códigos de barras requerem aumento nas dimensões do código, para ampliar a distância de leitura, em relação de crescimento muito maior do que o exigido para o QR code.
O RF-ID divide-se em dois tipos: ativos, energizados internamente, usados para abrir porteiras nos pedágios, e passivos, cuja distância de leitura é limitada por serem energizados por ondas emitidas pelos leitores. Tanto o código de barras, mormente o unidirecional, como o RF-ID são limitados em capacidade de armazenamento face ao QR code. Este último, pode, via Base 64 que transforma ondas em letras, armazenar até dois minutos de áudio, como demonstram as estátuas falantes do município de São Paulo, SP, e até imagens com alguma animação.
Dados invisíveis
O QR code não precisa ser visível, sendo possível jateá-lo numa base metálica e depois pintar por cima: ele continua sendo lido e pode armazenar, além do que já é visível em uma placa, informações como o modelo e a cor do veículo, ano de fabricação, números do motor e do chassi, entre outros dados, que dificultam muito a clonagem de carros roubados. Naturalmente, o aumento de segurança provinda da tecnologia embarcada nas placas, trazendo redução em furtos e roubos, pode induzir a uma redução significativa no prêmio dos seguros.
Existe um limite do que se pode pôr no QR code das chapas. Não se devem pôr o nome ou o endereço do proprietário para não promover a cobiça dos amigos do alheio. Se, por um lado, fica muito mais fácil multar por delitos no trânsito, por outro, o risco de recebermos uma multa imerecida cai quase a zero, mesmo que o malfeitor tente modificar os algarismos com fitas adesivas ou suje as placas. Numa blitz, bastaria o policial apontar um celular para a placa e acessar todas as informações diretamente do banco de dados do Detran. Hoje, um carro flagrado por um radar do tipo “pardal” tem sua fotografia enviada para uma central, onde se aplica um OCR (optical character recognizer) para identificação e ainda passa por uma conferência humana antes de a multa ser expedida. Mesmo assim há erros.
Apenas 30% da frota têm o IPVA em dia, o que se deve ao fim do uso de identificadores como as antigas plaquetas e os selinhos no para-brisa
Por outro ângulo, caso se adotem as novas chapas aceleradamente, os carros não licenciados ou com IPVA atrasado saltarão aos olhos, proporcionando multas e apreensões até imediatas. Desde 2016 o Contran alterou o método de baixa, bastando 25 anos de fabricação e 10 anos de tributos atrasados. Carros que forem pegos rodando nessas condições serão apreendidos e seus proprietários multados, não podendo recuperar seu bem. Assim, se alguém quiser ou precisar manter um carro antigo em uso, terá forçosamente de ter em dia seus impostos e licenciamento.
Segundo seminário no Instituto Mauá de Tecnologia realizado em 2017, apenas 30% da frota têm o IPVA em dia. Isso se deve ao fim do uso de identificadores como as antigas plaquetas coloridas, depois substituídas pelos selinhos no para-brisa, que facilitavam a identificação de irregularidades. Havendo possibilidade de expurgo via discrepância no formato das placas, haveria um ganho financeiro considerável para o Estado. É por isso que não entendo por que o proprietário deva arcar com o novo dispositivo. Esse valor poderia ser abatido do IPVA do veículo pela apresentação da nota fiscal referente à nova chapa instalada.
Tudo precisa estar combinado à inspeção veicular para que a manutenção esteja minimamente em ordem. Então teremos um trânsito, se não melhor pela retirada de uma parcela significativa dos veículos, pelo menos mais seguro, pela eliminação dos que não estão em condições de uso. A meu ver, cabe aos mais afortunados manter elevado seu grau de racionalidade, enquanto que, ao desprovidos de recurso, é imprescindível entender que a felicidade reside em viver dentro de nossas possibilidades afetivas, físicas e financeiras.
Cabe a todos zelar pela segurança de si mesmos e dos circundantes e nada justifica pôr em risco uma vida, seja ela qual for. Que os mais afortunados tenham paciência e que os menos aquinhoados entendam que não se pode andar com carros em más condições. Mais tarde ou mais cedo, o exame de DNA vai nos pegar.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars