Preço dos combustíveis, tabela do frete e a ameaça das frotas e da cabotagem desagradam o setor de transporte
Tenho procurado evitar que esta coluna vire um noticiário. É que, quando se fala em notícia, o texto perde relevância muito rápido. Em 2018 escrevi sobre a greve dos caminhoneiros. Agora que outra paralização se anuncia, podemos observar que os motivos continuam os mesmos, passados três anos. Pior ainda, agravaram-se. É importante tê-los em mente para interpretar corretamente o noticiário. Aliás, separar o transitório do permanente é que difere o jornalismo da história. O primeiro atém-se aos fatos, o segundo coloca os fatos no comboio da evolução humana.
Desde 2016, a Petrobras passou a variar o preço dos combustíveis consoante as variações cambial e do preço da mercadoria no mercado internacional. O pretexto, cujo valor não discuto aqui, é o de ser imperativa a recomposição das finanças da estatal. No início da pandemia, os preços, que já vinham em baixa por conta da pouca atividade econômica mundial, chegaram virtualmente a zero. Estoques acumularam-se a ponto de se manterem navios carregados por falta de espaço de armazenagem. Hoje, o barril já beira US$ 60 e o dólar vem oscilando acima de R$ 5 há mais de um ano.
A tabela do frete trouxe de volta as frotas, ameaçando os caminhoneiros autônomos como atividade, pois as empresas podem beneficiar-se com o crédito de ICMS na compra de caminhões
Os números da tabela acima (clique para ampliar) mostram que a intenção é transformar a empresa em uma mera exploradora do minério bruto, a ser refinado fora, importando-se todos os seus derivados, como comprova o fechamento de refinaria atrás de refinaria nos últimos cinco anos. Com dados retirados do anuário da ANP (Agência Nacional do Petróleo), colhidos entre 2010 e 2019, a parcela do petróleo extraído no País e não refinada internamente passou de 11,79% em 2010 para -1,23% em 2013, voltando a subir para 37% em 2019. Infelizmente, não temos os dados de 2020 ainda, mas eles seriam atípicos por conta da pandemia.
Entenda-se que os números da tabela não permitem inferir importações de óleo cru porque, como já expresso, as refinarias usam uma miscelânea de matérias-primas para equalizar o processo de craqueamento. O que se pode afirmar é que, em 2013, importou-se mais do que se exportou para refino no Brasil e que, a partir de 2016, os olhos voltaram-se para a extração, abandonando o refino — seja pelo investimento em novas refinarias, seja pela desativação de muitas delas, por importantes que fossem para a segurança nacional. Alegaram-se motivos logísticos, pois algumas das plantas encontravam-se longe das jazidas, mesmo sendo abastecidas por mar e, muitas vezes a partir do país de origem, não agregando custo significativo de frete.
Da mesma tabela, pode-se inferir que houve um aumento de importação de derivados, esses sim com acréscimo de custo logístico, pois dependem muito mais de caminhões e trens, já que foram separados entre si a distância, o que impede o transporte por oleodutos.
Dependência da importação
O desagrado dos caminhoneiros baseia-se em quatro pontos básicos: controle de preço dos combustíveis, manutenção da tabela do frete, ameaça das frotas e da internacionalização da navegação de cabotagem, bem como a melhoria da infraestrutura, que se vem deteriorando, se é que um dia tenha sido melhor.
O controle de preço dos combustíveis fica tão mais difícil quanto maior for a dependência de coprodutos importados, altamente dependentes da variação cambial, assim como já é a importação de petróleo para refino interno. A grande diferença é que, quando se troca óleo pesado por óleo leve, faz-se um escambo com base em dólar, sem que o resultado afete as reservas internacionais.
Em 2013, importou-se mais petróleo do que se exportou para refino no Brasil; em 2016 os olhos voltaram-se para a extração, abandonando o refino, com desativação de muitas das refinarias
Quando se importam derivados, está-se sujeito à oferta de cada um deles separadamente, provocando real desembolso, mesmo porque se podem adquirir de fornecedores diversos dos de destino de nosso petróleo, impedindo o escambo. O Estado acena com unificação das alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o que é inconstitucional e desmonta todo o sistema de substituição tributária discutido em outra matéria.
A tabela do frete, por sua vez, trouxe de volta as frotas, ameaçando seriamente os caminhoneiros autônomos como atividade. É que, por um lado, garantiu a receita de empresas que se podem beneficiar com o crédito de ICMS na compra de caminhões, que amortecem os débitos oriundos dos serviços prestados. Como se isso não bastasse, a internacionalização da navegação de cabotagem, que tem na Petrobras seu mercado de garantia, pode concorrer com vantagem com o transporte rodoviário, tornando-o uma atividade de última milha. O mar e os rios, apesar de não permitirem tráfego em alta velocidade, não exigem manutenção porque não têm buracos nem são asfaltados.
Mesmo que seja muito palatável politicamente, uma medida contraditória do governo atual é o uso de militares para a manutenção de rodovias, posto que se está estatizando uma atividade que bem poderia ser desenvolvida pela iniciativa privada com trabalhadores locais. Medidas assim não conseguem mascarar o imbróglio de que abraçar ideias nascidas em países territorialmente ínfimos, esquecendo a prática, tem a intenção de, não podendo privatizar a Petrobras, ir comendo pelas beiradas.
O fato é que, quanto mais o governo tenta conciliar interesses setoriais e ideologia, mais ele se vê enredado com a eterna ameaça de greve de caminhoneiros. Honestamente, espero estar errado.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars