O carro elétrico veio para ficar, mas quantos quilômetros são necessários para compensar seu maior preço?
Desde os anos 1980, quando o álcool carburante tornou-se popular, vemos matérias atrás de matérias comparando o custo por quilômetro dos carros rodando com etanol ou gasolina. Para ter uma base real, precisamos usar o mesmo modelo de automóvel, nas mesmas condições e em quantidade maior ou igual a 30 para que se possa adotar a curva normal. Isso seria possível numa frota de táxi ou mesmo numa locadora de carros para atender aplicativos.
Mesmo assim, é preciso adotar métodos contáveis geralmente aceitos e registrar custos por, pelo menos, um ano. Para uma coluna numa revista especializada, não dá para ser tão purista. Mesmo assim, é preciso pôr a questão em discussão com os leitores. O carro elétrico veio para ficar e duas perguntas saltam aos olhos: quantos quilômetros são necessários para recuperar o investimento e qual é o preço do combustível para equilibrar as duas alternativas.
Para que rodar a gasolina fique mais barato do que com eletricidade, em média, o kWh teria de custar R$ 3,68 ou, com o híbrido da Porsche na conta, R$ 2,60
Para montar a amostra empregada na análise, usamos os critérios adotados pelo Best Cars em seus comparativos: proposta de uso, porte, potência e preço nortearam a escolha de veículos compatíveis com ambos os tipos de propulsão, que representam três segmentos bem distintos. Importante haver importação oficial da marca.
Assim, selecionamos dois hatches de porte médio (Nissan Leaf, elétrico, e Chevrolet Cruze Sport 6, flexível em combustível), dois utilitários esporte grandes (Audi E-Tron, elétrico, e Q7, a gasolina), dois sedãs de luxo (Porsche Taycan, elétrico, e Panamera, híbrido) e duas picapes médias (JAC IEV 330P, elétrica, e Chevrolet S10, flexível). Nem sempre os carros são do mesmo fabricante porque não existe picape JAC com motor a combustão, nem picape elétrica de outra marca, assim como falta na linha Nissan alternativa a combustão para o Leaf. Por falta de opção, usou-se o Panamera híbrido, já que o modelo puramente a gasolina não é mais importado.
Antes mesmo de escolhermos os modelos finais, notamos que, quanto mais luxuoso é o carro, menor é a distância de preço entre o elétrico e o movido a combustível. Isso se deve a que os impostos são progressivos e, devido à isenção, o peso se torna crescente. No caso do híbrido Panamera, o modelo equivalente elétrico é mais barato, o que nos obrigou a fazer duas planilhas de cálculo, uma com os modelos da Porsche e outra sem, para minimizar a distorção.
Diferença em 180 mil km
Na tabela a seguir, que contém os modelos da Porsche, usamos o mesmo método que se usa na contabilidade de custos para medir o consumo de combustível combinado. O uso de duas fontes de energia não é novidade, visto que há carros que rodam com GNV e combustível líquido há mais de 30 anos, bem como essa prática sempre fui usada para empilhadeiras — que são proibidas de usar combustível líquido, quando operadas em ambiente fechado de armazenagem de alimentos. O artifício é reduzir tudo a um valor comum, a densidade do poder energético.
Para o Porsche Panamera, que consome 2,7 litros de gasolina e 24,7 kWh para cada 100 km, reduziu-se tudo a eletricidade na razão de 12 kWh/l, resultando em 32,4 kWh referentes à gasolina, num total de 57,1 kWh que, dividindo-se por 12 kWh, equivalem a 4,8 l de gasolina. Finalmente, dividindo-se os 100 km pela quantidade apurada, temos aproximadamente 21 km/l — otimista, mas não inverossímil, por se tratar de um híbrido. Aos valores de R$ 5,50/l para a gasolina e R$ 0,80/kWh para a eletricidade doméstica, a média ponderada pelo peso de cada componente e respectivo preço (32,4 x R$ 5,50 + 24,7 x R$ 0,80)/57,1 resulta em R$ 3,50/l.
Na média, com os carros da Porsche, o investidor precisaria rodar 180.213 km para recuperar a diferença do valor investido. Sem esses modelos, como mostra a tabela a seguir, a distância sobe para 192.534 km para empatar, apesar da enorme diferença de preço entre a eletricidade e a gasolina. Por outro lado, para que rodar a gasolina fique mais barato do que com eletricidade, sem os modelos da Porsche, o kWh teria de custar R$ 3,68; com os modelos, esse valor cai para R$ 2,60/kWh.
O fato é que comprar um carro elétrico, a despeito da precariedade da explanação, só se justifica para uma rodagem estratosférica e com grande renúncia fiscal. A Volkswagen anunciou recentemente que pretende abrir duas fábricas de baterias, uma na Suécia, outra na Alemanha, para produzir baterias de estado sólido, provavelmente grafeno, na metade do valor das atuais. Ocorre que não é só a bateria o vilão: para manter o desempenho dos veículos, muitos dos periféricos que se imaginavam abolir não desapareceram, como os radiadores. Como se isso não bastasse, ainda há alternativas sequer estudadas a fundo, como os carros rodando com pilhas a combustível, hidrogênio ou não, além da minha preferida troca de baterias (em inglês, battery swap, como se pode encontrar na internet).
De uma forma ou de outra, o caminho é longo. Resta saber com que velocidade o percorreremos.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars