Escolhido com cuidado, o slogan simboliza os valores
do fabricante ou chama atenção para um novo aspecto
O bom senso em automóvel. Andando na frente. Você conhece, você confia. Quem poderia esquecer essas frases e as marcas que elas identificaram na propaganda?
Se uma imagem vale por mil palavras, três ou quatro palavras também podem valer por uma imagem, desde que muito bem escolhidas. É por isso que é tão interessante o tema dos motes, ou slogans, selecionados por marcas — fabricantes de automóveis, no caso — para transmitir ao público seus valores e sua proposta no mercado.
Motes eram raros no começo de nossa indústria, nas décadas de 1950 e 1960. A publicidade ainda era muito rudimentar e havia pouca concorrência em qualquer segmento em se tratando de carros. Foi a Volkswagen a primeira a investir forte nesse campo, lançando O bom senso em automóvel e O bom senso sobre rodas para destacar atributos como resistência, facilidade de manutenção e valor de revenda, nos quais seus primeiros carros — Fusca e Kombi — se destacavam no cenário da época.
Motes marcantes da VW são “A marca que conhece nosso chão” e “Você conhece, você confia”, escolhido em concurso, que rendeu um Gol ao autor
Nos anos 70 e 80 os motes tornaram-se mais comuns, tanto para acompanhar as marcas quanto os modelos. São dessa fase A marca que conhece nosso chão, da VW, bem selecionada para destacar sua robustez às condições de uso brasileiras; Você conhece, você confia, da mesma empresa, escolhida em um concurso nacional em 1988 e que rendeu um Gol ao autor; Marca de valor, da General Motors, que sugeria qualidade; e Questão de requinte, usado pela Ford para destacar o luxo do Del Rey, derivado de um simples Corcel II. Outros bons surgiram na década seguinte, como Andando na frente, da GM, que simbolizava a tecnologia de modelos como Omega e Vectra, e Movidos pela paixão, da Fiat, sugestão do modo italiano de ver os automóveis.
Enquanto isso, no exterior criavam-se grandes motes. Entre os bons estiveram The power of dreams (o poder dos sonhos) da Honda, There is no substitute (não há substituto) da Porsche e All 4 the driver (tudo pelo motorista, com um duplo sentido em que all 4 indica a tração nas quatro rodas), usado na Austrália pela Subaru.
Cada marca tem seu valor
Um mote pode direcionar a imagem da marca para diferentes valores. Power. Beauty. Soul (potência, beleza, alma) da Aston Martin, Auto emocion da espanhola Seat, Driving excitement (empolgação que se move, que pode ser dirigida) e o sonoro Fuel for the soul (combustível para o espírito), ambos da Pontiac, sugerem razões para a compra de um carro esportivo ou com alguma referência à esportividade em seu desenho ou projeto. O antigo Standard of the world (referência mundial) da Cadillac, The best or nothing (o melhor ou nada) da Mercedes-Benz, Precision crafted performance (desempenho feito com precisão) da divisão Acura da Honda e The relentless pursuit of perfection (a implacável busca da perfeição), da Lexus, transmitem qualidade.
Há marcas que querem demonstrar como mudaram, cresceram e se repensaram nos últimos anos, o que leva a motes como The power of surprise (no Brasil, O poder de surpreender) da Kia, Shift (mude) e Shift the way you move (mude a forma como você se move) da Nissan, This is not your father’s Oldsmobile (este não é o Oldsmobile do seu pai), da conservadora divisão da GM, e Have you driven a Ford lately? (Você dirigiu um Ford ultimamente?) e Deixe um Ford surpreender você, usados pela marca no exterior e no Brasil nos anos 90 e 2000.
A globalização começou com a Audi e seu “Vorsprung durch Technik”, embora a frase tenha sido traduzida nos Estados Unidos
For life (pela vida) da Volvo faz alusão à segurança, desde sempre explorada pelo fabricante como principal argumento. Jeep. There’s only one (só existe um) e Hummer. Like nothing else (como nenhum outro) sugerem uma competição entre as marcas rivais, uma baseada em tradição, a outra contestando esse histórico para se declarar superior. Picapes justificam frases como Like a rock (como uma rocha), da Chevrolet Silverado nos EUA, enquanto fábricas de carros práticos e econômicos recorrem a ideias como Open your mind (abra sua mente), da Smart, e Think small (pense pequeno), que a VW já usou para o Fusca.
De algum tempo para cá, a globalização tomou conta de vez dos motes da indústria, levando ao uso em diversos mercados de frases em inglês ou no idioma do país de origem da marca, por menos compreensíveis que sejam. Começou na década de 1990 pela Audi, com Vorsprung durch Technik (o avanço por meio da tecnologia), e pela BMW, com The ultimate driving machine (a máquina de dirigir definitiva), que não tiveram tradução na maioria dos mercados, embora a primeira tenha veiculado Innovation through technology nos EUA há algum tempo.
Desde os anos 2000, a tendência se espalhou: Hyundai com New thinking, new possibilities (novo pensamento, novas possibilidades), VW com Das Auto (o carro, no sentido de ênfase; por isso a tradução livre para Carro mesmo), Citroën com Creative technologie (tecnologia criativa em francês), Peugeot com Motion & emotion (movimento e emoção) e agora a Chevrolet com Find new roads (encontre novas estradas), embora a mesma marca em outros tempos tenha adaptado o original We’ll be there para Conte comigo. No caso da Ford, o atual Go further poderia ser traduzido para Vá mais longe ou Vá além, mas esbarraria na coincidência com outras marcas ou, no segundo caso, no risco de associação com um tema indesejado…
Curioso é que a Land Rover, que pertenceu ao grupo norte-americano entre 2000 e 2008, usou um semelhante Go beyond no passado. Ou seja, também quando se trata de motes, nada se cria.
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