Motor traseiro, instrumentos centrais, portas abertas para trás e outras velhas ideias voltam a ser usados
A indústria automobilística está sempre em busca de novas soluções para aumentar a eficiência, a segurança e a praticidade dos carros, além de reduzir custos de desenvolvimento e produção. Embora a regra para isso seja olhar à frente, vez ou outra vemos os fabricantes se voltando aos retrovisores da história para reinterpretar e aperfeiçoar antigas soluções.
À parte o Porsche 911 e a quase imortal Volkswagen Kombi, quantos modelos usaram motor traseiro (atrás do eixo posterior) nos últimos 20 anos? Até a década de 1960 essa arquitetura era comum em diferentes países, como no Fusca e seus derivados, o Fiat 500 dos anos 50, o Renault 4CV “Rabo Quente”, o Chevrolet Corvair norte-americano e o Hino Contessa japonês. Contudo, o tempo levou quase todas as marcas ao motor dianteiro. Até a Volkswagen, que construiu sua reputação em torno do motor traseiro arrefecido a ar, aderiu à colocação frontal no Passat e não mudou mais de ideia. Mesmo o New Beetle, nascido como interpretação moderna do Fusca, teve o motor à frente.
Quando tudo parecia definido em favor do motor dianteiro, até no VW Up, veio a Renault com o Twingo de plataforma de Smart e motor traseiro

Havia razões técnicas para essa escolha. Motor e tração dianteiros facilitam programar o carro para um comportamento subesterçante em curvas, de mais fácil correção pelo motorista — o sobresterço, mais comum com motor e tração atrás, deve ser corrigido com contraesterço. Além disso, “empacotar” a mecânica na frente permite maior compartimento de bagagem e, comparado a motor dianteiro com tração traseira, favorece a eficiência (evita o peso e a perda de energia do cardã) e o espaço interno (dispensa o volumoso túnel central).
De repente, quando tudo parecia definido, veio a Renault em 2014 com o Twingo de motor traseiro. Na verdade ela não foi a única nem a primeira nos tempos recentes: coube à Smart trazer de volta essa disposição em 1998 com o Fortwo. Mas era um dois-lugares, sem o compromisso com passageiros e bagagem inerente ao Twingo e a seu “primo” da Smart, o Forfour de quatro lugares. Coincidência ou não, o Tana Nano — lançado em 2008 na Índia como carro mais barato do mundo — seguia a mesma fórmula.
A Renault atribuía boas vantagens a sua solução, como facilidade em atender às normas europeias de proteção em atropelamentos (deve haver certo espaço entre o capô dianteiro e elementos indeformáveis) e rodas dianteiras que esterçam em até 45 graus e permitem diâmetro de giro de apenas 8,6 metros. A tendência sobresterçante não representa mais problema desde que o controle eletrônico de estabilidade se tornou padrão.
Contudo, outros fabricantes entenderam que não valia a pena voltar ao motor traseiro, incluindo a própria marca do Fusca. Tendo apresentado o Up com essa disposição em 2007 como carro-conceito (que por isso não tinha grade), os alemães mudaram o motor para a frente no carro de produção. Acredita-se que, além da praticidade, ela tenha considerado que a massa da mecânica na traseira representa um problema na proteção dos ocupantes em colisões frontais.
Portas e alavancas

O motor traseiro não foi a única antiga solução a ressurgir. Outro exemplo é a porta aberta para trás, tipo conhecido como suicida e comum na indústria até os anos 50 ou 60, incluindo o DKW-Vemag brasileiro. Algumas delas apareceram nos anos 90 como portas traseiras em picapes, caso da Ford Ranger de cabine estendida (vendida também no Brasil) e, ainda hoje, da Fiat Strada de cabine dupla. Houve cupês com essa porta de um só lado, como o Saturn SC, ou em ambos, caso do Mazda RX-8. O objetivo era um vão de acesso mais largo ao somar a abertura das portas dianteira e traseira sem coluna central, não sendo possível abrir apenas a de trás.
Então o grupo BMW lançou o Rolls-Royce Phantom de 2003 com portas traseiras abertas para trás, de modo independente e com coluna central, e cinco anos depois aplicou a solução às duas únicas portas do Phantom Coupe. A alegação era de acesso mais confortável e elegante para os passageiros, embora se possa questionar se moças de saia concordariam com esse argumento… Não por outra razão, nos anos 60 no Brasil o DKW (pronunciado “decavê”) foi apelidado de “dexavê” ou “deixa ver”. Talvez pensando na colocação de crianças em cadeirinhas, a alemã Opel adotou a ideia em sua Meriva de segunda geração.
Também do passado, ou quase isso, veio a alavanca de transmissão na coluna de direção. A solução, lançada na década de 1930 pela Pontiac, tornou-se típica de carros norte-americanos e chegou aos europeus nos anos 50. Teve emprego também aqui, da linha DKW ao último Ford Landau, até cair em desuso em favor da montagem no assoalho ou no console. Nos EUA a alavanca continuou na coluna em muitos carros com caixa automática e, entre nós, retornou nos anos 90 e 2000 em modelos como Ford Explorer e Dodge Dakota R/T.
O Rolls-Royce Phantom trouxe de volta as portas traseiras abertas para trás, para “acesso mais confortável e elegante”, embora talvez não para moças de saia
À medida que a ligação entre a alavanca e a caixa deixou de ser mecânica, alguns fabricantes voltaram a colocá-la na coluna como simples seletor eletrônico de posições. A BMW inovou em 2001 com o Série 7 e sua arquirrival Mercedes-Benz seguiu, anos depois, em boa parte de seus automóveis. A Citroën adotou solução parecida na C4 Picasso, com uma pequena alavanca sobre a coluna. Como se trata aqui de transmissão automática com seleção manual em comandos atrás do volante, a alavanca na coluna raramente é usada na condução normal.

Outra das interfaces entre homem e automóvel, o quadro de instrumentos, tem mostrado que antigas soluções podem voltar. A posição central dos mostradores no painel foi comum na primeira metade do século passado, até nos primeiros Volkswagens. Reapareceu em carros recentes como duas gerações do Renault Twingo, a Citroën Xsara Picasso e a posterior linha C4, além de diversos Toyotas compactos que incluem o Etios.
Pode parecer mera questão de aproveitar o painel em mercados com volante à esquerda e à direita, mas não só: o quadro central pode ser montado mais alto e distante que aquele diante do motorista, para leitura com menor desvio do olhar em relação à via (a Peugeot obteve essa vantagem com o quadro elevado do 208, mas precisou reduzir o volante).
Também ressurgiu com força nos últimos anos o quadro de instrumentos digital, que foi “febre” em carros japoneses e até no Chevrolet Corvette nos anos 80 e, na década seguinte, esteve nos Chevrolets Kadett, Monza e Omega nacionais. Na época, não era uma solução prática: o mostrador digital precisa ser lido, enquanto ao analógico basta ser interpretado — você vê o ponteiro para cima e sabe, por exemplo, que está a 120 km/h.
Só que os digitais ficaram mais elaborados com o tempo. Pelo menos desde o Honda Civic de 2007, os dígitos trazem tantos detalhes e serifas que a leitura se tornou muito simples e rápida, enquanto a informação precisa de velocidade vem a calhar em meio a tanta fiscalização. Não à toa, repetidor digital do velocímetro está hoje em muitos modelos. Com o advento mais recente dos quadros de alta resolução e amplamente configuráveis (já disponíveis em carros compactos como VW Polo e Virtus), o painel digital parece ter, assim como outras antigas soluções, seu espaço assegurado no futuro.
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