Por seis gerações, o maior sedã de Munique demonstra o estágio de sofisticação que o automóvel pode alcançar
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A Bayerische Motoren Werke, fábrica de motores da Baviera em alemão, não começou com automóveis de luxo. A BMW foi fundada em 21 de julho de 1917 para construção de motores de aviões, o que explica seu emblema ainda em uso, com as cores daquele estado alemão em uma estilização do desenho de uma hélice. Passava a motocicletas em 1923 e a carros populares em 1928 com o Dixi 3/15. Somente nos últimos anos da década de 1930 é que a empresa sediada em Munique, no sul da Alemanha, decidiu ingressar no mercado de automóveis luxuosos.
O primeiro BMW dessa classe foi o 335, produzido na fábrica de Eisenach apenas entre 1939 e 1940 em virtude da Segunda Guerra Mundial. Baseado no 326, mas com distância entre eixos 11 cm maior, tinha tração traseira e motor de seis cilindros em linha, 3,5 litros e potência de 90 cv. As versões sedã quatro-portas e conversível de duas e de quatro portas competiam com modelos da Horch, Wanderer (marcas que se fundiriam com a Audi e a DKW na Auto Union) e Mercedes-Benz.
Antecessores: do 335 de 1939 (em cima) ao E3 dos anos 70, passando pelo “barroco” 501/502, a trajetória dos luxuosos da BMW antes de nascer o Série 7
Seis anos após o encerramento do confronto, em 1951, a marca recomeçava com o sedã 501. Junto do 502, ficaria conhecido como Barockengel — anjo barroco em alemão —, pois seu estilo sinuoso lembrava as esculturas em madeira das igrejas alemãs e austríacas do período barroco. O 501 usava o motor de seis cilindros e 2,0 litros do pré-guerra, que em 1954 se somava a um mais adequado V8 de 2,6 litros. O 502 vinha no ano seguinte com o mesmo V8 e uma versão de 3,2 litros, além de mais equipamentos de conforto. Era um dos mais velozes carros germânicos da época.
Uma tradição começava a se formar. Em 1968, mesmo ano em que adquiria a marca alemã de carros de luxo Hans Glas, a BMW lançava a linha E3, iniciada com o modelo 2500. O topo da linha era o 3.3 Li, lançado em 1974, com entre-eixos alongado e motor de seis cilindros em linha e 3,3 litros com injeção e 200 cv — o mesmo que, com 3,5 litros, chegaria até 1992. A marca renovava sua oferta nesse segmento em maio de 1977 ao substituir a série E3 pela de codinome E23.
O início da Série 7
Desde 1972, com o primeiro Série 5, a BMW identifica suas linhas com uma nomenclatura que deixa clara a hierarquia entre os modelos e se preserva geração após geração. Ao intermediário Série 5 seguiram-se o menor Série 3, em 1975, e o topo de linha Série 7, em maio de 1977. Na tampa traseira tais algarismos eram associados a outros dois, alusivos à cilindrada, para compor a designação de cada versão.
Com desenho sóbrio e elegante, o Série 7 estreava em 1977 com versões 728, 730 e 733i, todas de seis cilindros, apenas a última com injeção
O Série 7 (código de projeto E23) era um sedã grande, com 4,86 metros de comprimento e 2,79 m entre eixos. Suas linhas seguiam os conceitos básicos do E3 com formas mais retilíneas, em um estilo que evoluiria nos próximos 20 anos sem perder a identidade — a receita de um clássico. Os ingredientes essenciais de um BMW não poderiam faltar, como os quatro faróis circulares, a grade dupla e a curva das janelas traseiras — chamada de Hofmeister kink em alusão ao projetista Wilhelm Hofmeister, que a criara em 1961 e morreria em 1978.
Sofisticado, o Série 7 foi o primeiro carro com ar-condicionado automático e computador de bordo, e esteve entre os pioneiros com ABS e alerta para várias funções
As primeiras versões eram 728, 730 e 733i, todas baseadas no motor “Big Six” de seis cilindros em linha com comando de válvulas no cabeçote e duas válvulas por cilindro. Como os números sugerem, tinham cilindrada de 2,8 litros (170 cv, torque de 23,7 m.kgf), 3,0 litros (184 cv e 26 m.kgf) e 3,3 litros (197 cv e 29 m.kgf), na ordem, sendo apenas o 733i dotado de injeção de combustível. De início, apenas transmissão manual de quatro marchas (a de cinco vinha em 1981) e automática de três estavam disponíveis.
Sofisticado, o Série 7 foi o primeiro carro do mundo com velocímetro eletrônico (1977), controle automático de temperatura do ar-condicionado e controlador de velocidade eletrônico (1978), temporizador da luz interna e computador de bordo (1980). Também esteve entre os pioneiros com sistema antitravamento (ABS) de freios, verificação e alerta para várias funções do carro e indicador de proximidade de revisão. Não poderia faltar em um bom alemão o volante de quatro raios. A suspensão era independente nas quatro rodas com braços semiarrastados na traseira.
No interior espaçoso havia ar-condicionado automático, verificação de funções e o tradicional volante de quatro raios; a versão 735i (à direita) vinha em 1979
O concorrente direto era o compatriota Mercedes-Benz Classe S, mas havia também os compatriotas Audi 100 e Opel Senator, os ingleses Ford Granada, Jaguar XJ e Rover V8-S e o sueco Volvo série 200, alguns deles mais baratos. Em 1979 as versões 728 e 730 eram substituídas pela 728i, de 2,8 litros e 184 cv, e pela 732i, de 3,2 litros e 197 cv. Ambas tinham injeção eletrônica Bosch Motronic, a primeira digital do mundo. Outra novidade era o 735i com o mesmo motor do cupê 635 CSi, de 3,5 litros, 218 cv e 31,6 m.kgf. Todos traziam evoluções na suspensão e no sistema de ventilação.
“Uma máquina realmente magnífica, que combina desempenho impressionante com espaço e luxo”, definiu a revista inglesa Motor sobre o 735i. “Com conforto de marcha e comportamento dinâmico aprimorados e sua habilidade de viajar, o 735i está entre os melhores sedãs do mundo. A aceleração de 0 a 96 km/h em 7,3 segundos é rápida e supera a dos rivais, incluindo o Jaguar XJ 5.3 V12, e não é obtida em detrimento da flexibilidade. A impressão é de um fluxo suave e ininterrupto de potência e torque que lhe dá um progresso rápido e sem esforço”.
A versão de topo 745i, introduzida em 1980, tinha uma curiosidade: em vez de motor de 4,5 litros, como seria coerente pela nomenclatura, tinha um 3,2-litros com turbocompressor e resfriador de ar de 252 cv e 38,7 m.kgf. A BMW justificava a quebra de padrão pela equivalência em rendimento devido à superalimentação: um 3,2 que valia por um 4,5-litros, ou 40% a mais.
Poucos anos depois dos Séries 5 e 3, a BMW concluía a década de 1970 com um grande sedã, considerado pela imprensa um dos melhores de sua classe
Segundo a marca, o sistema fora escolhido pelo menor consumo de combustível que nas alternativas estudadas, um V8 de 3,8 litros e um V12 de 4,5 litros, ambos de aspiração natural — mas certamente influíram na decisão as vantagens de custo e rapidez ao manter o conhecido motor básico. Com caixa automática de série, o 745i alcançava velocidade máxima de 221 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em 7,8 segundos, apesar dos 1.650 kg de peso; usava pneus largos (220 mm de seção) e suspensão traseira com nivelamento automático.
A cilindrada da versão turbo passava a 3,45 litros em 1984 a fim de melhorar o torque em baixa rotação, sem ganho de potência. Agora chegava a 227 km/h. Ele não foi o primeiro BMW turboalimentado, título que cabia ao 2002 Turbo de 1973 — pioneiro nessa solução entre os carros europeus, antes mesmo do Porsche 911. Mas ao sair de linha, em 1987, foi o último modelo turbo a gasolina da marca por 29 anos até que o 335i aparecesse em 2006.
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Os conceitos
Em vez de 12 cilindros, que tal 16? Foi o que a BMW experimentou na segunda geração (E32) com o Série 7 V16, estudo de 1988. O enorme motor de 6,7 litros, designado como Goldfische (peixe-dourado) e baseado no V12 de produção, fornecia 408 cv e 65 m.kgf e pesava 310 kg. Embora a posição continuasse dianteira, foram aplicadas tomadas de ar nos para-lamas traseiros e saídas no painel posterior; a caixa automática deu lugar a uma manual de seis marchas. A BMW estimava 0-100 km/h ao redor de 6 segundos. A intenção era demonstrar o potencial de modularidade da família de motores — um três-cilindros foi desenvolvido no extremo oposto —, mas o projeto não chegou às ruas.
Na geração E38, em 2000, um 750i foi modificado para usar hidrogênio. O V12 do 750HL Clean Energy desenvolvia 204 cv para 0-100 km/h em 9,6 segundos e máxima de 226 km/h. A autonomia se estendia por 350 quilômetros além da obtida com gasolina — que permanecia em uso, pela ainda escassa rede de distribuição de hidrogênio.
Ao contrário dos carros com pilha a combustível, que obtêm eletricidade a partir do hidrogênio para alimentar um motor elétrico, o BMW usava motor convencional. O hidrogênio mantinha-se em modo criogênico (ultracongelado e líquido) a -253°C em um tanque de alta pressão de 140 litros atrás do banco traseiro. Mesmo as colisões mais severas não fariam o tanque explodir: o ar necessário para isso é incapaz de penetrar no tanque devido à maior pressão interna do hidrogênio.
Em 2002, na geração E65, aparecia a versão 745 Clean Energy destinada a testes em diferentes regiões do mundo. Dessa vez foi usado um V8 de 4,4 litros com 184 cv. Nova fase era revelada em 2007: o Hydrogen 7 com motor V12 de 6,0 litros e 260 cv. Na geração seguinte, porém, o hidrogênio foi abandonado e a BMW passou a se concentrar na versão híbrida.