Dez gerações e 20 milhões de unidades depois, esse japonês ainda conquista pela técnica e pelas versões esportivas
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O império da maior fábrica de motocicletas do planeta começou a surgir em 1906, quando seu fundador Soichiro Honda nasceu na cidade japonesa de Komyo. Em 1922 ele abandonava os estudos para trabalhar em uma oficina mecânica. Foi o inventor do elevador para serviços em automóveis e participou de corridas. Tornava-se em 1937 fabricante de autopeças (anéis de segmento) ao fundar a Tokai Seiki, que teve uma unidade destruída pela Segunda Guerra Mundial e outra por um terremoto.
Os obstáculos não frearam Soichiro, que em 1946 fundava o Instituto de Pesquisa Técnica Honda e no ano seguinte criava seu primeiro veículo, a bicicleta Tipo A. Estabelecida em 1948 a Honda Motor Company, a produção da moto Dream era iniciada um ano depois, dando início a uma história que todos vemos nas ruas. As motos foram o enfoque da Honda até o fim da década de 1950, quando Soichiro decidiu dedicar-se aos automóveis.
O primeiro Civic, com duas ou três portas e apenas 3,55 metros, já usava tração dianteira e motor transversal; a versão de quatro portas era lançada pouco depois
Vieram então os protótipos X170 e X190 e, em 1962, o utilitário leve T360 e o roadster S360, com motor de apenas 360 cm³. Cinco anos mais tarde a fábrica de Suzuka passava a construir um carro pequeno, o 1300. Com motor de 1,3 litro arrefecido a ar, estava disponível como um retilíneo sedã quatro-portas e um cupê elegante. Com apenas 3,85 metros de comprimento e 860 kg de peso, tinha rendimento expressivo: 100 cv a 7.200 rpm (potência específica de 77 cv/l), regime muito acima do usual em automóveis na época.
Era uma antevisão do sucesso que não demoraria a nascer: o Civic.
Inovador em baixas emissões
Com um nome que significa cívico em inglês e que tem a curiosidade de ser um palíndromo (pode ser lido de trás para frente sem mudar o sentido), o Civic começava a ser produzido na fábrica de Suzuka em julho de 1972. Era um dois-volumes ainda menor que o 1300, com comprimento de apenas 3,55 metros e distância entre eixos de 2,20 m. As diminutas rodas de 12 pol de aro e a solução de motor transversal com tração dianteira — que o arqui-rival Toyota Corolla, lançado em 1966, ainda não adotava — contribuíam para o comprimento contido. Com desenho simples, tinha versões de duas e três portas com o mesmo formato.
O carro não demorou a chegar aos Estados Unidos, onde surpreendeu pelo espaço dadas as dimensões externas. O Volkswagen Beetle (nosso Fusca) vendia muito bem por lá e a indústria local havia lançado concorrentes como AMC Gremlin, Chevrolet Vega e Ford Pinto. Automóveis japoneses como o Corolla não eram muito conhecidos, mas começavam a conquistar seu espaço, sedimentados em uma imagem de eficiência, qualidade de fabricação e economia de combustível. E o consumo era um destaque do Civic, capaz de superar 16 km/l em rodovia.
Com 76 cv em 1,2 litro, o RS para o Japão começava a sobressair em desempenho; a perua Civic Van também era lançada para 1975; o painel é do modelo 1979
Era um carro bem-equipado, dotado de freios dianteiros a disco, bancos reclináveis e opções de ar-condicionado e transmissão automática — de duas marchas apenas, em vez das quatro do manual. O motor de quatro cilindros e 1,2 litro obtinha boa potência para seu porte (60 cv no Japão, 50 cv nos EUA) e não precisava de muito esforço para mover seus 600 a 650 kg. A suspensão era independente à frente e na traseira.
O Civic 1975 trazia o esportivo RS, com motor de 1,2 litro com dois carburadores e 76 cv, só para o mercado japonês: começava ali uma linhagem de bom desempenho
Na versão de quatro portas, na linha 1974, o entre-eixos passava a 2,28 m. Nos EUA o Civic recebia para-choques protuberantes, capazes de absorver impactos de até 8 km/h sem danos, como exigia a legislação. A cilindrada subia para 1,25 litro (52 cv) ou 1,5 litro (63 cv), mas a melhor notícia vinha um ano depois: o motor CVCC (Controlled Vortex Combustion Chamber ou câmara de combustão com turbilhonamento controlado). Tal desenho do cabeçote promovia melhores condições de queima da mistura ar-combustível, de modo a dispensar o catalisador para atender às normas de emissões poluentes. Apenas o CVCC era oferecido na Califórnia, então o estado mais restritivo em emissões dos EUA.
O Civic 1975 trazia também caixa de cinco marchas, o esportivo RS e a versão perua de cinco portas. O RS tinha motor 1,2 com dois carburadores e 76 cv para o mercado japonês: começava ali uma carreira de bom desempenho. A perua, mais longa (4,06 metros) e com o entre-eixos de 2,28 m, usava suspensão traseira de eixo rígido e molas semielípticas em vez de independente com molas helicoidais. Nos anos seguintes pouco foi modificado no carro, caso do aumento de potência em 1978.
A segunda geração estava maior e oferecia até 80 cv; a perua tinha suspensão independente e simulava madeira nas laterais na versão Country
A revista inglesa Car comparou o Civic 1,2 ao Ford Escort Popular 1,1 e ao Polski-Fiat 125P polonês, em 1975, e constatou bons atributos: “O Honda tem ótimo custo-benefício como um carro urbano, potente e prático, e não tem rivais em termos de diversão por libra. Ele se comporta como um bom carro de tração dianteira, com aderência e estabilidade que convidam a entrar mais rápido nas curvas. Embora o motor gire alto, é suave como uma turbina até o limite de rotações. E não importa quão forte você o dirija — e ele pede para ser dirigido assim —, reluta em cair de 39 mpg (16,5 km/l)”.
O Civic começava a crescer
Sem perder a identidade visual, a segunda geração do Civic era lançada em julho de 1979 com linhas pouco mais arredondadas e maiores dimensões. O três-portas agora media 2,38 metros entre eixos e 3,81 m de comprimento. A perua ampliava o entre-eixos para 2,45 m e podia vir com suspensão traseira independente. Não existia mais o duas-portas. Continuavam duas as opções de motores, ambas CVCC: de 1,35 litro com 55 cv (EUA) ou 72 cv (Japão) e de 1,5 litro com 67 ou 80 cv, na ordem. Apenas o motor maior equipava a perua.
Para a inglesa Motor, o Civic 1,3 “representa um valor considerável pelo dinheiro, especialmente pelo desempenho. É o mais barato hatch 1,3-litro de cinco portas do mercado e não tem como deixar de ser sucesso. Ele usa muito da mecânica do Prelude. O motor dá um desempenho ágil com boa economia e a estabilidade foi muito melhorada, mas o rodar ainda é medíocre. O novo interior é um grande aprimoramento, e os níveis de equipamentos e acabamento são bons”.
O sedã de 1981 era o primeiro do modelo; a caixa automática passava a três marchas
A perua Country do mercado japonês, de 1980, lembrava as antigas norte-americanas com apliques que imitavam madeira nas laterais e na traseira. A caixa automática de três marchas vinha no ano seguinte, junto ao sedã de quatro portas com 4,14 m de comprimento. Em 1982 eram adotados faróis retangulares e aparecia a versão FE (Fuel Economy, economia de combustível), capaz de 22 km/l em rodovia. O esportivo Civic S, com motor 1,5 de 100 cv, era lançado no ano seguinte no Japão.
CR-X, o esportivo da linha
A agilidade nipônica em redesenhar seus veículos começava a se evidenciar no Civic: logo em setembro de 1983 surgia a terceira geração, com novo aumento de tamanho — o entre-eixos do hatch passava a 2,45 metros, comum à perua e ao Accord da época. Estava também mais largo e novamente retilíneo. No hatch o vidro traseiro, mais vertical do que antes, formava a terceira porta acima de lanternas longas e horizontais. O motor de 1,5 litro com três válvulas por cilindro (duas de admissão, uma de escapamento) e 76 cv equipava toda a linha nos EUA, exceto o hatch básico, que usava um 1,3 de 60 cv. A suspensão traseira, com eixo de torção em todos, descartava o sistema independente.
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